segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Escolha a Catástrofe




Na década de 90 conheci a obra de Isaac Asimov. Como toda iniciante, li primeiro I robot e fui aos poucos me familiarizando com o gênero ficcional e científico de sua escrita. Um dos maiores méritos de Isaac Asimov foi transformar a ciência em algo compreensível para mim a partir da literatura. Por quase dez anos me dediquei aos seus livros e escritos, mas um deles me chamou atenção de forma especial: Escolha a catástrofe.

Nesta obra, o autor nos apresenta quais os cataclismas que ocorrerão sobre nossa espécie, nosso planeta, nosso sistema solar e o próprio universo. Em graus diferentes, Asimov demonstra como a própria natureza pode sofrer alterações, tanto geofísicas quanto antropogênicas que podem, pôr fim desde à vida na terra até a desorganização do cosmos num processo parecido com a evasão-entropia que deu origem ao Big Bang.

Na época de minha leitura, fiquei muito mais preocupada com o fim dos recursos naturais, como a água e o petróleo, mas hoje sentimos que o mundo mudou e a natureza responde de forma mais agressiva às alterações climáticas.

Nesta semana, a Cúpula de Copenhague continua gerando discussões e debates. A Conferência Mundial sobre o clima, na Dinamarca, discute os rumos da nossa relação com o planeta para os próximos 10 anos, com a proposta inicial de redução das emissões de CO2 pelos países ricos e em desenvolvimento, com exceção dos Estados Unidos, pois sabemos que os mesmos não participam do Protocolo de Kyoto. Entretanto, estas medidas devem ser implementadas imediatamente antes que sejam desnecessárias, em 2012, por exemplo.

Pensando na relação entre as catástrofes anunciadas por Asimov e as mudanças climáticas, resolvi assistir o "fim do mundo". O filme 2012 é uma proposta muito mais alarmante do que os piores prognósticos sobre as mudanças climáticas para os próximos 24 meses. Nem o próprio Asimov teria elaborado um apocalipse naquelas dimensões.
Muitas culturas possuem suas escatologias, e o tema do fim da humanidade e um novo recomeço é recorrente na Mesopotâmia com o mito de Gilgamesh, e no Antigo Testamento com Noé e a tripulação de uma arca que ancoraram no Monte Ararat e recomeçaram a repovoar a terra após a grande inundação. Mas na América, as culturas nativas também elaboraram suas escatologias. Os povos mesoamericanos forneceram elementos riquíssimos para a construção de uma profecia que prevê o retorno do deus Quetzalcoatl, a serpente emplumada.Segundo o Dicionário de Religiões, esta divindade representa o vento e é uma figura divina do bem, simbolizando harmonia, equilíbrio e fecundidade. Já a obra, Os símbolos místicos, apresenta esta divindade como de natureza protetora-destrutiva, mas capaz de fazer a ordem superar o caos. Recentemente tenho visto bastante exploração da mídia sobre este tema, o que é um tanto compreensível pelas catástofes naturais que atingem o planeta nos últimos anos.
Entretanto é importante racionalizar e perguntar: o que podemos aprender com uma profecia? Uma outra questão: o que podemos pensar de toda e qualquer história mitológica?
Dentro do mito existe verdade ou a necessidade de elaborar uma verdade que seja aceita pelo grupo. É importante não concentrar-se somente no que os maias ou astecas previram, mas principalmente nos contextos culturais de elaboração destas crenças.
Os problemas climáticos que vivenciamos hoje são reais e tem origens históricas nas mudanças geradas pelo industrialismo colocado em funcionamento a partir do século XIX. Algo que jamais poderia ter sido previsto pelas culturas mesoamericanas. Nos últimos 200 anos, a humanidade desenvolveu uma forma de exploração dos recursos naturais que não deixa outra alternativa ao planeta senão expulsar os agressores. De acordo com a teoria Gaia, é isto que ocorre neste exato momento. Entretanto, físicos apontam que o nosso sol apresenta alterações em sua crosta, que podem ser determinantes para uma série de mudanças sobre todo o sistema solar.
E agora chegamos ao ponto central: 2012 será o fim? 2012 será o novo começo? Escolha a sua catástrofe, eu já selecionei qual é a minha.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Doutor é quem tem doutorado

"Doutor é quem tem doutorado". Faz algum tempo que me inscrevi nesta comunidade no orkut porque acredito que ser doutor exige uma jornada de bastante estudo, responsabilidade social e ética científica. Aliás, estes dois últimos aspectos são os grandes dilemas da pesquisa atual como bem indica Edgar Morin na obra Ciência com Consciência.
A minha paixão pela ciência é antiga, mas minha opção pelas ciências humanas remonta aos meus tempos de menor aprendiz do Banco do Brasil.
Para falar um pouco sobre esta opção lembro que quase quinze anos atrás tive uma conversa com um amigo e colega de trabalho no Cesec, o professor Potiguar. Naquela conversa informal eu lhe dizia que gostaria de ser antropóloga ou cientista social. Ele, muito pacientemente me ouviu e disse: Moura Mendes, faça primeiro História e vá ser professora bem cedo, depois dedique-se às Ciências Sociais. Sábio conselho aquele. Em 2003 entrei na especialização em Antropologia. No ano de 2005 entrei no mestrado em Antropologia Social e no dia 27 de novembro de 2009 fui aprovada no doutorado em Ciências Sociais.
Coincidentemente hoje o encontrei na rua, lembrei de lhe dizer isto, mas acabamos conversando sobre outras coisas e a lembrança, fugaz, fugiu na ocasião. Haverá oportunidades para agradecer pela palavra boa e inspiradora que ele me ofereceu.
A cultura popular nos ensina que um conselho só deve ser dado em duas ocasiões: quando solicitado ou quando pode salvar uma vida. Eu digo mais, conselho útil é todo aquele que pode ser posto em prática, não importando o tempo que leve, mas os efeitos que ainda pode revelar.
Assim, fecho o círculo que iniciei através um aconselhamento de um grande amigo e, desejo que eu possa, diante dos novos desafios sócio-antropológicos que a pesquisa pode trazer, enfrentar as incertezas com a única certeza de ter bem seguido o conselho.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Natal em Natal?

25 de novembro de 2009...contagem regressiva para os cristãos de todo o mundo celebrarem o nascimento de Jesus de Nazaré.
Falando enquanto historiadora, sabemos que as fontes que tratam do mais importante evento do ocidente são poucas e com muitas lacunas, mas em quase 2 mil anos, a tradição se renova e o evento é reencenado, seja nas mentes ou nos palcos da vida.
A cidade de Natal tem uma relação muito particular com a data oficial de celebração do nascimento de Jesus de Nazaré. A capital potiguar foi fundada em 25 de dezembro de 1599 por ordem do Rei Felipe II. A história local conta que primeiro foi erguida uma fortaleza de taipa para fazer frente aos corsários franceses e aos indígenas rebelados. Expulsos os primeiros, pacificados os segundos, Jerônimo de Albuquerque cumprindo ordens de Manuel Mascarenhas Homem, marcha até uma elevação diante do Rio Potengi e funda a Cidade do Natal, ou a Cidade dos Santos Reis, a Cidade de Santiago.
Em 2009, quando a cidade faz 410 anos não vemos motivos para celebrar o duplo nascimento. O Natal em Natal é um Natal sem luz e sem identidade. Referências múltiplas e confusas se misturam em nossas avenidas, e o que poderia compor um excelente presépio mas parece uma tentativa de apagar as lembranças feitas de outros Natais. Os antigos faraós no Egito buscavam apagar as marcas deixadas pelos regentes anteriores. Em Natal até os Reis Magos do Viaduto de Ponta Negra tombaram, de nada importa terem eles seguido a estrela que anunciava a boa nova.
Sendo natalense e historiadora faço muitas reflexões quando atravesso todos os dias metros e metros de papel prata dispostos como uma tenda sobre a BR 101. Uso os conhecimentos em antropologia para a defesa da diversidade cultural, mas nem mesmo os primeiros antropólogos saberiam explicar quais são os elementos culturais que predominam na cidade, caso tomassem como análise os símbolos que se encontram espalhados em canteiros, árvores e postes: duendes característicos das tradições celtas e germanas, anjos nanicos e infantilizados portando instrumentos musicais nordestinos, sol, signo da criação e renascimento em várias civilizações surge com chapéu natalino, serafins alongados tocam trombetas mudas. E aí vem minha pergunta: Natal em Natal? Talvez em outro Natal quando os Três Reis Magos se erguerem novamente para renovar a fé de todos em uma boa nova.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Para não perder as crianças de vista

Nos dez anos da implantação do Estatudo do Menor e do Adolescente, poucas mudanças podemos perceber em torno dos cuidados do Estado e da Sociedade Civil sobre as nossas crianças e jovens.
Num país de uma diversidade sócio-econômica tão grande, faltam políticas públicas e ações coordenadas que possam garantir os direitos da infância e juventude.
Os direitos básicos ao lazer, educação e saúde são negligenciados.
Vemos nossas crianças e jovens sem áreas para a prática de esportes em suas comunidades e bairros, como também não existem muitos projetos de incentivo à cultura nas periferias de nosso país. O lazer enquanto direito social é esquecido e a sua ausência empurra nossos jovens para a marginalização ou os transforma em reféns da programação televisiva.
O direito à educação é um direito fundamental e hoje representa a maior lacuna no processo de formação de nossa juventude. Faz parte da realidade da escola pública brasileira, estabelecimentos sucateados, profissionais pouco valorizados e mau pagos, professores desmotivados e acuados diante da violência escolar. Será que perdemos as nossas crianças de vista?
E sobre a saúde do jovem brasileiro? Os dados apontam para o crescimento do consumo de drogas, como também para o aparecimento de novos problemas, como as depressões, suicídio,bulimia e anorexia. Onde está a raiz de todo este problema?
Há mais de um século o conceito de infância não tinha sido desenvolvido, como o conhecemos hoje, mas o sociólogo francês Émile Durkheim já havia apontado em 1895, a sociedade como fonte dos problemas do individuo.
Falta muito para a sociedade brasileira e o Estado entenderem que as crianças devem ser prioridade, não apenas os jovens que temos em nossas casas, mas o olhar deve ser para cada menino e menina com quem nos deparamos, um olhar de doçura, compreensão e acolhimento.
Acredito muito na canção abaixo e hoje, Dia das Crianças, quero dedicá-la à esperança de que um dia não mais perderemos nossas crianças de vista.
Não Perca As Crianças De Vista
O RAPPA
Pra enxergar o infinito
Debaixo dos meus pés
Não basta olhar de cima
E buscar no escuro, no obscuro
A sombra que me segue todo dia
Deixo quietoe seguro as páginas dos sonhos que não li
E outra vez não me impeço de dormir
Os jornais não informam mais
E as imagens nunca são tão claras
Como a vidaVou aliviar a dor e não perder
As crianças de vista
Família, um sonho ter uma família
Família, um sonho de todo dia
Família é quem você escolhe pra viver
Família é quem você escolhe pra você
Não precisa ter conta sanguínea
É preciso ter sempre um pouco mais de sintonia

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

TV DIGITAL: um espanto?

O ano era 1982 quando vi pela primeira vez aquela caixa brilhante no meio da sala. Confesso que aos cinco anos de idade não sabia exatamente do que tratava, mas percebia que era diferente do aparelho de rádio Canário, que minha avó materna guardava em seu quarto.
Enquanto do rádio ouvia apenas as vozes das pessoas, agora tínhamos uma caixa mágica com vozes e imagens; na minha percepção infantil, pensava que dentro dela moravam pequenas pessoas, que apareciam na tela quando girava o botão.
No ano de 1983 ganhamos nossa primeira tv preto e branco e fiz questão de passar horas escondida atrás da parede da cozinha, vigiando aquelas pessoas que eu sabia, chegavam de algum lugar, entravam pelos espaços da caixa e se apresentavam para todos nós.
Mas em pouco tempo já estava mais familiarizada e aprendi que o sinal de cada programa chegava até nossa televisão graças à antena que estava sobre a casa. Descobri também que aquelas pessoas, atores, atrizes, cantores, cantoras, apresentadores e apresentadoras, enquanto profissionais, gravavam programas que eram transmitidos pelas emissoras de televisão.
Bastaram dois ou três anos em contato com aquela nova mídia para perceber o seu funcionamento e entender a sua importância em nossas vidas, já que o tempo de nossa família era regulado pelos horários dos programas da tv.
Uma geração se passou e outras mídias surgiram ao longo dos últimos 25 anos, mas a nova tecnologia que atualmente me espanta chama-se tv digital.
O meu espanto reside nos discursos construídos sobre as possibilidades desta nova caixa mágica, desde ser utilizada enquanto ferramenta para o governo eletrônico e desenvolvimento da cidadania, como instrumento principal para o processo de inclusão digital e social, por último como um campo para a construção e socialização de saberes e de novos conhecimentos.
São muitas as expectativas elaboradas sobre esta nova tecnologia, mas poucas reflexões foram feitas sobre os outros usos possíveis da tv digital.
Além de servir aos interesses comerciais e financeiros, acredito que a tv digital pode transformar-se também num espaço para a comercialização de bens simbólicos, o que criará novos problemas para serem pensados pelos cientistas sociais e jornalistas.
Por enquanto, é só um susto de quem aos poucos descobre o que pode ser a tv digital. Vamos torcer para que ela não se torne um Leviatã.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Menor-Aprendiz

Em 13 de março de 1992, uma sexta-feira, comecei a minha primeira jornada no mundo do trabalho. Era de manhã bem cedo quando meu pai me deixou em frente à agência Centro do Banco do Brasil na Avenida Rio Branco. Respirei fundo e lembrei da antiga fórmula "dextro pede" para dar boa sorte.
Mas dentro da agência já estava uma adolescente que acabou ocupando a vaga que me estava destinada. Saí dali em direção à uma nova rua: General Glicério. O centro de processamento de dados do Banco do Brasil devia ter alguma função para eu ocupar. Nunca havia caminhado pela Ribeira, mas encontrei um carteiro no meio do caminho e ele me deixou em frente ao meu novo destino. Ainda hoje lembro dos tijolos amarelos que cobriam a fachada do prédio.
Todos nós adolescentes entre 14 e 15 anos entramos no Banco do Brasil como Menor-Aprendiz. Tínhamos carteira assinada, acesso ao serviço médico chamado Cassi e ainda direito na participação dos lucros do banco. Recebíamos um salário mínimo e o mesmo valor em vales, que eu entregava mensalmente para a minha mãe.
Eram apenas quatro horas de trabalho por dia, no desempenho de diferentes atividades dentro dos diversos setores do CESEC Natal, mas o clima de cordialidade e aprendizagens múltiplas era constante.
Foi no Banco do Brasil que tomei a decisão de ser antropóloga, aos 15 anos de idade, mas orientada pelo funcionário Antonio Potiguar, ainda hoje meu amigo, pensei em cursar história ou ciências sociais antes.
Entre os colegas de banco encontrei Licínio, que me emprestava livros fantásticos da Time Life, abertos e lidos por mim, muito antes dele ter folheado.
A Biblioteca do Banco do Brasil, com sede no Rio de Janeiro foi uma fonte de saberes e culturas. Li de tudo que me caía nas mãos e muitas daquelas leituras me formaram moralmente e psicologicamente.
Ser Menor-Aprendiz só tinha um inconveniente, usar aquela farda composta por uma calça Herbus e uma camisa pólo com o nome do banco gravado no bolso. Ainda está na minha memória o dia que o chefe do CESEC me chamou atenção por ter removido a etiqueta da calça.
Cada chefe me ensinava algo novo e útil, um deles de forma punitiva me educou na arte de fazer as coisas bem feitas. Certa vez, Marcos me chamou e disse para eu carimbar um relatório. Como faltavam minutos para a minha saída, eu carimbei em todos os ângulos e direções, como forma de protesto diante daquela solicitação tão na hora do fim do meu expediente. Resultado?
Marcos enfurecido me chamou no canto, me entregou um novo relatório RDB, e disse: "Comigo é assim, se varrer a casa mal varrida uma vez, irá varrer duas". Lição aprendida e preservada.
E o que motivou este post? Encontrei por acaso no orkut uma comunidade sobre Menor-Aprendiz.
Foi muito interessante ver tantos adultos gratos pelas experiências vividas nas diversas agências e Cesecs espalhados pelo Brasil e perceber que ainda existem muitos adolescentes cheios de sonhos e perspectivas em torno de uma instituição com 200 anos de idade. O Banco do Brasil foi minha primeira escola profissionalizante, e o curso que fiz lá me preparou para a vida.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Espaço criado para reflexões em torno da história, antropologia e comunicação social. Seja bem vindo e que a Musa Clio nos inspire.
Abraço:
Andreia Regina

A mulher do Judas

"A mulher do Judas", foi assim que o folclorista e estudioso da cultura popular Deífilo Gurgel me chamou quando nos conhecemos no Congresso Nacional do Folclore. De fato, desde 2003 que a temática da Inquisição e perseguição aos cristãos-novos me acompanha como foco de minhas leituras e reflexões, mas Judas chegou um pouco depois, nos estudos para o mestrado, e continua até agora em parte de meus trabalhos e apresentações em congressos.
Na primeira semana de setembro, participei do XIV CISO, evento patrocinado pela UFRPE e pela Fundação Joaquim Nabuco, e mais uma vez o tema foi Judas. O trabalho foi um novo olhar sobre meu objeto de pesquisa: Uma festa para o Judas.
Este post terá algumas postagens que fiz num primeiro blog chamado Malhação do Judas.
Post 1-
O valor que o Judas tem
A recente divulgação do Evangelho de Judas está abalando o mundo acadêmico. O documento de 1,7 mil anos apresenta uma nova versão do apóstolo acusado de trair Jesus de Nazaré e, ao mesmo tempo re­vela outras possibilidades de leitura sobre as vertentes místicas do cristianismo.Os pergaminhos foram encontrados no Egito e apontam para a ne­cessidade de um revisionismo da história do cristianismo e da sua fi­gura mais odiada: Judas Iscariotes.Judas nos aparece como uma personagem construída pelo imaginá­rio popular tendo sua verdadeira origem sido apagada pelas mãos dos cristãos mais ortodoxos Hoje ele é visto não apenas como aquele que vendeu o seu próprio mestre por 30 talentos, mas também como exemplo de alguém traidor, ganancioso e que comete outro crime ao final da vida, o suicídio em função do remorso sentido.O filme Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson explora esta visão do apóstolo e insufla os sentimentos anti-semitas, que tantos conflitos já alimentaram.Numa análise dos contextos locais percebemos que a nossa cultura precisa da figura do Judas, não a recém divulgada pela descoberta do evangelho apócrifo, mas daquela criada ao longo da história cristã. O palco para esta análise foi o bairro das Rocas, zona leste de Natal.Na época da Semana Santa nos deslocamos pelas ruas da comunida­de para realizar uma observação do ritual da malhação do Judas. Conversando com os moradores locais coletamos diversos depoi­mentos nos quais, o boneco enforcado no poste e pronto para ser ma­lhado não correspondia à figura presente nos textos bíblicos.O boneco do Judas assume as mais diversas representações e quase sempre estas revelam um tom de crítica social e, alguns sinais de cli­vagem e de disputa dentro do próprio bairro. -Os mais antigos afirmam que a confecção do Judas era uma espécie de punição pela traição do discípulo e que a sua imolação no romper do sábado de aleluia significava a vitória do Cristo sobre a morte e sobre todo o mal.Entretanto, atualmente apenas os mais velhos possuem esta visão em torno da malhação do Judas. Para os jovens do bairro das Rocas, o que prevalece é a brincadeira violenta e muitas vezes as disputas pêlos bonecos das ruas vizinhas, logo, de outros grupos de convívio, refor­çando o caráter de rivalidade existente na comunidade.A malhação do Judas envolve todas as idades e ao mesmo tempo . provoca sentimentos diferentes nas pessoas que interagem.com o rito. Entretanto, o que todos esperam é que o boneco seja malhado numa espécie de catarse coletiva.Voltando ao achado histórico, o Evangelho de Judas reabilita o dis­cípulo como o único que entendeu a mensagem de Jesus e o libertou da prisão da carne, contribuindo desta forma para que Cristo cumpris­se com seu papel.Porém, mesmo que ocorra esta assimilação por parte do credo cris­tão, a cultura popular vai continuar confeccionando os seus bonecos de Judas, pelo fato dos mesmos terem um significado além daquele pregado nos evangelhos bíblicos.O valor que o Judas tem na comunidade das Rocas pode jamais ser alterado pela história e, o seu sentido deve permanecer ligado às ne­cessidades de expressão e de escape de uma realidade social construí­da e ao mesmo tempo renovada, como o próprio rito da malhação, como a própria figura do apóstolo Judas Iscariotes.
Artigo publicado no Jornal de Hoje em: 30 de junho de 2006.
Post 2-
A identidade do Judas na Semana Santa
Da mesma forma que persiste uma lacuna na produção historiográfica sobre o personagem histórico Judas Iscariotes, a antropologia social carece de estudos significativos sobre o rito da malhação do Judas. Assim, a dificuldade em coletar material historiográfico é também relativa aos registros etnográficos sobre a ‘queimação’, ‘malhação’ ou ‘brincadeira’ do ‘Judas’.Estas limitações impedem de realizar um estudo comparativo sobre a evolução do rito e das motivações que conduziram os participantes da malhação ao longo dos mais de três séculos da presença desta ‘brincadeira’ em terras brasileiras.Para nossos fins, as únicas referências sobre o rito da malhação-do-Judas foram elaboradas pelos folcloristas e pesquisadores da cultura popular. No Rio Grande do Norte, coube a Luís da Câmara Cascudo examinar as representações construídas em torno da figura do judeu (2001: 102) e sobre a queimação-do-Judas (1979: 417-419).Sobre os motivos que conduzem as pessoas a queimar ou malhar o boneco do ‘Judas’, Cascudo buscou explicações nos estudos produzidos pelos antropólogos evolucionistas, como Sir James Frazer. Segundo o folclorista, o ‘Judas’ seria a personificação do mal e a existência deste rito teria suas origens no paganismo[1], com a introdução dos cultos agrários e as festas da colheita, ocasiões nas quais era queimado um boneco representando uma divindade da vegetação. Assim, através do fogo, haveria uma renovação da vida espiritual e a garantia de boas colheitas.O folclorista Ernesto Veiga de Oliveira tratou do rito da malhação-do-Judas em Portugal (1974), também é chamado de ‘queima-do-Judas’. O rito acontece na noite ou madrugada do Sábado de Aleluia, quando os bonecos, sempre caracterizados com traços grosseiros e caricaturais, são amarrados em postes de cinco a seis metros de altura, aguardando a hora para serem queimados. O pesquisador aponta a presença de um testamento indicativo da animosidade vingativa do povo. Na sua análise, o rito faz parte dos festejos populares e os caracteriza apenas como mero divertimento. Para ele, as origens, razões e elementos constitutivos atuais diferem bastante da forma como foi concebido o rito. O ‘Judas’ pendurado no poste e depois queimado não representaria o apóstolo Iscariotes, fato que pode ser atestado pelas diferentes denominações que o boneco recebe em outros países europeus.Para Veiga de Oliveira, a personagem queimada tem sua origem em cultos proto-históricos assimilados pelo cristianismo, que aponta na perspectiva anteriormente citada por Câmara Cascudo, indicação de que a personagem e a sua queima são originárias da celebração de outro fato. Veiga de Oliveira indica ainda a possibilidade de interpretar a queima-do-Judas como uma espécie de imolação simbólica, derivada dos antigos sacrifícios humanos. Uma morte ritual[2] que espera a personagem para que a mesma possa, com o seu sacrifício, renovar as forças da natureza.Outro folclorista brasileiro, Ático Vilas-Boas da Mota dedicou-se à análise da queimação-do-Judas (1987). O seu método de coleta de informações para o trabalho consistiu no envio de questionários para diversas entidades, com o objetivo de esclarecer algumas questões em torno da malhação-do-Judas na região Nordeste. Segundo os dados levantados, a queimação-do-Judas ocorre no sábado da semana de Páscoa, o Sábado de Aleluia, e também pode ser chamada de ‘enforcamento’ ou ‘malhação’, dependendo do Estado nordestino.Quanto às origens do ritual, informa que o rito tem raízes históricas, defendendo a tese de que a malhação-do-Judas se caracterizava quanto ‘resíduo folclórico’, nesse caso, uma sobrevivência dos autos de fé da Inquisição portuguesa. Ele defende ainda que a malhação do boneco fosse um vestígio da prática inquisitorial de queimar a representação de um condenado que tenha morrido antes da aplicação da pena. Esta punição era conhecida por ‘queimação em efígie’.Segundo Mota, os bonecos são representações de personalidades públicas, moradores locais e políticos, ou seja, todo aquele que possa ser identificado como alguém mal-visto ou pouco quisto na comunidade. A elaboração e leitura de um testamento do ‘Judas’ antecedem a malhação do boneco, assinalando a função catártica para o grupo que o redige.No campo das manifestações da cultura popular, o Rio Grande do Norte possui um grupo folclórico denominado Malhadores do Judas. Este grupo é originário do município de Major Sales (oeste do Estado), e desenvolve uma dança na qual o boneco do ‘Judas’ é figura central. Os homens dançam e cantam entoadas, ocultando os rostos com máscaras de tecido e trajando roupas semelhantes às encontradas pelos grupos de malhadores de ‘Judas’ do município de Venha Ver.A análise dos dados permite concluir que a origem do rito aproxima-se mais da perspectiva apontada por Ático Vilas-Boas Mota. Na observação realizada no bairro das Rocas percebemos que os bonecos assumem diferentes personalidades, inclusive a do próprio apóstolo Judas Iscariotes.
[1] Christopher Crowley. Spirit of earth. Ancient belief systems in the modern world. London: Carlton books, 2000.
[2] René Girard. A violência e o sagrado. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1998. Cap. 1, 10.Comunicação apresentada no XII Congresso brasileiro de Folclore em: 30 de agosto de 2006.
Post 3-
O Judas nosso de cada dia
No plano do imaginário cristão, ninguém representa melhor o estereótipo do traidor do que a figura de Judas Iscariotes. Segundo os textos dos evangelhos canônicos, Judas Iscariotes foi o discípulo responsável pela denúncia, prisão e consequentemente execução pública de Jesus de Nazaré. O apóstolo teria traído o seu mestre, recebendo por sua delação a quantia referente a trinta siclos, valor equivalente ao preço de um escravo. Com a prisão do nazareno, Judas teria dado provas de seu arrependimento e devolvido o dinheiro recebido das mãos dos sacerdotes judeus, cometendo suicídio, logo em seguida.Após quase dois mil anos, a memória deste fato permanece viva na cultura popular, sendo a representação do apóstolo trazida para os festejos católicos da Semana Santa. Personagem marginalizada e banida da história cristã, anualmente tem o seu drama encenado durante a véspera da Páscoa, no rito conhecido por “Malhação do Judas” ou “Queimação do Judas”, dependendo da região na qual é realizado.O ritual da Malhação do Judas tem origens em nosso país ainda no período colonial de nossa história, como atestaram os pesquisadores da cultura popular Luis da Câmara Cascudo e Ático Vilas-Boas Mota. Entretanto, o que nos chama atenção é que após quase cinco séculos a malhação permanece como um evento capaz de congregar crianças, jovens e adultos, principalmente do sexo masculino, para a reunião de materiais, confecção de um boneco representando o Judas e finalizando o rito com a aplicação da punição ao apóstolo traidor.Ainda no âmbito da cultura popular, o estado do Rio Grande do Norte possui mais uma expressão artística que tem Judas como figura central de suas apresentações, o grupo Caboclos Malhação de Judas do município de Major Sales, oeste do estado. A brincadeira, assim chamada pelos seus participantes, acontece durante os festejos da Semana Santa e segue a estrutura comum do rito: confecção do boneco, punição e dilaceração ou queimação do Judas. O grupo tem uma formação com doze ou dezesseis dançarinos que encenam seus passos a partir da batida da zabumba, do toque do pandeiro e da sanfona e triângulo. Enquanto dançam, o boneco de Judas, feito geralmente de palha de bananeira e panos, é pisoteado, recebendo golpes com os bastões que os brincantes carregam consigo. Um aspecto bastante interessante destes grupos é o uso da máscara de pano pelos dançarinos e as roupas feitas a partir de trapos de pano e a presença do bastão, confeccionado a partir da madeira da gameleira. Esta informação foi inserida neste artigo para enfatizar o caráter de permanência do rito em terras potiguares.Neste artigo, pretendemos discutir a presença do ritual da malhação do Judas em espaços sociais diferenciados: o campo e a cidade; como também apresentar as diferentes leituras que são feitas da personagem que é imolada durante o ritual.A Malhação do Judas foi objeto de nossa observação em duas áreas bem distintas: Município de Venha Ver (oeste do RN) e o Bairro das Rocas (zona leste da cidade de Natal). No ano de 2005 pudemos acompanhar os festejos da Semana Santa na cidade de Venha Ver e observamos dois grupos de malhadores de Judas: um grupo no centro da cidade e outro numa área mais afastada.Na manhã do Sábado de Aleluia, nos deparamos com o primeiro cortejo de malhadores de Judas. Este primeiro grupo era composto por adolescentes do sexo masculino com idades entre 08 aos 14 anos. Traziam uma figura confeccionada a partir da cabeça de uma boneca sobre um corpo cosido em uma manta velha. O boneco encontrava-se instalado sobre um jumento. Dois aspectos nos chamaram atenção. Primeiro, a representação do Judas havia sido composta como uma personagem feminina; segundo, todos os membros deste grupo de malhadores portavam máscaras de papel, ou tecidos sobre o rosto, usavam roupas femininas e disfarçavam a voz evitando qualquer reconhecimento.O grupo seguinte portava um boneco com a cabeça feita a partir de uma lata cilíndrica de óleo de cozinha, utilizando um boné e óculos escuros. O Judas (com vestimentas masculinas) encontrava-se assentado sobre um jumento e seu corpo havia sido preenchido com folhas secas. Ambos os grupos de malhadores pediram ‘esmolinha’ para malhar o Judas e por essa razão, traziam uma lata ou cabaça para coletar o dinheiro que seria utilizado na malhação. A hora anunciada para malhar o Judas foi a meia-noite do Sábado de Aleluia, entretanto, os lugares não nos foram revelados.Enquanto a malhação do Judas caracterizava-se como um momento lúdico para as crianças e adolescentes em Venha Ver, a passagem do boneco também motivava sentimentos piedosos nos mais velhos. Como exemplo, observamos a pressa de uma senhora (com aproximadamente 65 anos de idade), em cobrir com panos os ícones religiosos que tinha em sua casa. Quando perguntada sobre o seu gesto, a mesma nos informou que precisava proteger o “Senhor Jesus Cristo” da visão de seu traidor: o apóstolo Judas Iscariotes.Numa análise antropológica do ritual, podemos definir a malhação do Judas quanto um rito liminar e de caráter punitivo. O grupo social assume a tarefa de castigar o boneco do Judas utilizando-se de várias interpretações para justificar esta ação. Segundo Arnold Van Gennep: “As crenças religiosas expressam a consciência que a sociedade tem de si mesma, a estrutura social é creditada com poderes punitivos que a mantém existente”.No ano de 2006 deslocamos nossa observação do rito da Malhação do Judas para um novo campo: O Bairro das Rocas. Este bairro partilha de uma identidade festiva muito conhecida, sendo o lócus de agremiações de carnaval, arraiais de quadrilhas juninas e de uma sociedade para danças folclóricas desaparecidas e semi-desaparecidas.O ritual da Malhação do Judas, ainda mais forte nas cidades do interior, perdeu força na capital do Estado, o que Luis da Câmara Cascudo já havia apontado no ano de 1979. Entretanto, o Bairro das Rocas continua a produzir os seus bonecos para as celebrações da Semana Santa. O dia para a confecção do Judas é a Sexta-feira da Paixão. Após a hora do almoço, podemos acompanhar a movimentação de homens, mulheres e adolescentes no transporte e elaboração de seus bonecos.Dos muitos “Judas” espalhados pelo Bairro, acompanhamos a confecção de um boneco feito pela dirigente de uma das agremiações carnavalescas das Rocas. Este Judas foi construído a partir de sobras de alegorias do último carnaval e sua roupa foi elaborada de uma fantasia utilizada por um componente da escola de samba. Enquanto era preparado pela senhora e por seu filho adulto, o boneco era espancado e alvo de muitas brincadeiras, piadas e risos.A confecção do Judas deu-se no barracão da escola de samba, sobre uma mesa, entre troféus e lembranças de outros carnavais. A senhora responsável pela confecção do Judas nos relatou como faz o boneco: falou que o boneco de Judas é costumeiramente feio, pois sendo Iscariotes o traidor de Jesus Cristo, o mesmo não pode ser representado com beleza. Na elaboração do boneco, ela utilizou: sapatos velhos, cinto, calça, camisa, algumas vezes, macacão. A cabeça do boneco é confeccionada com a manga de uma camisa. O rosto é pintado no tecido utilizando lápis piloto.O boneco da Semana Santa de 2006 foi feito da seguinte forma:1º Costurou a camisa na calça;2º Encheu a roupa com espuma que sobrou das alegorias do último desfile do carnaval da cidade do Natal;3º Costurou a cabeça na camisa e apoiou a mesma utilizando uma vara de madeira. O tecido para a cabeça foi escolhido numa cor próximo ao tom de pele;4º Pintou a boca e o nariz, fez os olhos com pedaços de emborrachado e assim desenhou a face de Judas. O boneco estava pronto.Finalizado, foi abraçado pelos seus criadores e em seguida, sentado numa cadeira dentro do muro de casa, aguardando a hora para a sua malhação. Um aspecto que deve ser acentuado sobre este boneco de Judas é a preocupação de seus criadores em montar um Judas bem vestido e ricamente adornado, sendo por eles considerado, o boneco mais “posudo” de todo o bairro e, por isso o último que deveria ser malhado.Quando perguntamos sobre os motivos que conduziram àquela senhora e seu filho a fabricação do boneco os mesmos nos responderam que era uma “brincadeira” para divertir os meninos e jovens da rua, mas só após a malhação de todos os outros Judas das Rocas.Em seguida, verificamos a presença de outro Judas na mesma rua. Havia sido confeccionado por uma antiga moradora do bairro O boneco feito por ela, reunia peças velhas de roupas, a cabeça de uma boneca e sapatos infantis. O mesmo já apresentava a cabeça solta, minutos após ter sido colocado sobre o capô de um fusca. O que indica que a malhação do Judas não é um rito com horário estabelecido e respeitado, na verdade, a partir do momento que se posiciona o Judas num poste ou árvore, os malhadores já causam os primeiros danos ao boneco, finalizando a dilaceração com a chegada da meia-noite.Quando indagada sobre os motivos que a conduziram para elaborar um boneco de Judas, esta senhora nos afirmou que o faz há muito tempo e que é a forma que encontrou para representar Judas, o traidor de Jesus. Para ela, a malhação seria uma punição ao apóstolo pelo mesmo ter entregue o nazareno aos romanos.O boneco do Judas representa simbolicamente todo indivíduo ou coisa pela qual a comunidade nutre desavenças, guarda rancores ou rivalidades. É comum em outros estados do Brasil, durante a Semana Santa, os bonecos assumirem feições de personalidades públicas e locais, sendo posteriormente rasgados e queimadosNa análise do ritual da malhação do Judas apontamos uma dicotomia entre as interpretações dadas para o sagrado e o profano. Enquanto grupos de malhadores do boneco nas Rocas explicitam a necessidade de liberar suas tensões e sinalizar seus desafetos tanto nos planos individual e coletivo, outros malhadores fazem o boneco e ritualizam sua imolação para aliviar suas angústias espirituais aplicando castigos ao boneco representando a figura do apóstolo traidor.Os conflitos dentro da comunidade são nivelados dentro do rito, e esta é a função principal. A figura elaborada, surrada e queimada ao final da malhação tanto pode ser um sujeito ou uma coisa para a qual é transferida a aplicação das penas e castigos, imputando ao objeto estranho ao grupo a violência que pelo contrário voltaria para a comunidade.Concluindo, o ritual é bom pra resolver os conflitos seja nas Rocas ou em Venha Ver e, ao mesmo tempo, importante para transmitir os valores sociais presentes no grupo.

domingo, 6 de setembro de 2009

O Galo enquanto signo na cultura

Graças às suas características, como o seu canto ao amanhecer e a sua crista vermelha, o galo foi inicialmente associado ao sol e à luz, visto ainda enquanto o mensageiro da chegada de um novo dia.
Desde a antiguidade o galo é signo da coragem e da proteção ao lar. Os germanos fizeram dele o senhor das fronteiras entre o mundo dos vivos e dos mortos, e os cristãos o adotaram como sinal do triunfo sobre a morte.
Na arquitetura tumular e nas igrejas ainda é comum encontrar a figura do galo. Em Natal a Igreja de Santo Antonio, rico exemplar do barroco, possui um galo no alto de sua torre, com a dupla função de proteger contra os raios, mas também sinalizar a verdadeira luz.
Na linguagem dos sonhos, o galo pode anunciar alegria e felicidade, como também a chegada de um novo amor. Mas caso no sonho, o galo encontra-se em disputa com outro, a cultura popular interpreta como mau agouro, sinal de desavenças e decepções na família.
Quanto na heráldica, o galo é o responsável por dizer as horas e o novo amanhecer, nos brasões da nobreza européia, representa ainda a coragem, a perseverança e a política. É o símbolo do herói, aquele vence o opositor depois de uma luta árdua.
Na cultura brasileira, o galo é símbolo de potência e autoridade, sendo a sua presença marcante em ditos populares e na arte popular. De Portugal veio o Galo de Barcelos, o Rio Grande do Norte nos ofereceu o Galo de cerâmica cozida e colorida.
O Galo é a presença sutil, mas firme na cultura popular, signo de muitos significados, símbolo de audácia e anúncios, força que se renova em cada amanhecer.

Texto produzido para Exposição no Centro de Educação Integrada em comemoração ao XVII Festival de Folclore e Cultura Popular.

sábado, 22 de agosto de 2009

"Miséria, miséria em qualquer canto"

De todas as misérias humanas, aquela que mais agride tem cheiro, mas não ter cor ou forma. O cheiro desta miséria é nauseabundo e provoca o desejo de fuga daquele lugar impregnado pelo odor da pobreza de dignidade.
Sempre pensei que a pobreza fazia os homens mais brutos e próximos dos animais, mas nunca havia visto algo que pudesse ilustrar, vergonhosamente, este pensamento.
Na sexta-feira de agosto tive a minha visão do cheiro da miséria. Estava sentada num transporte público, voltando de uma reunião na universidade, quando tive minhas narinas invadidas pelo odor de sujeira, urina, fezes e lama. Uma ânsia percorreu meu corpo e quando estava prestes à julgar a origem daquele cheiro, tive a visão do que infestava o ônibus, e para meu espanto, apesar do cheiro de coisa morta, era um ser vivo que se arrastava pelo corredor, com uma narrativa brava e repleta de indignação pela própria condição que o aflingia.
No início eu queria proteger meus sentidos de todas aquelas mensagens desagradáveis que me atingiam e a todos os que se encontravam ali, entretanto após uma reflexão, pensei que a pior situação não era a minha, mas daquele homem que com um sotaque cortado por monossilábicos "meu", esbravejava contando uma história sobre a reação dele diante de um assalto e que o teria deixado naquela condição.
É claro que a dúvida sobre a veracidade daquela narrativa me ocorreu primeiro do que qualquer sentimento piedoso, que o pouco cristianismo que absorvi poderia provocar.
Ao passar ao lado do meu banco ele me olhou com olhos injetados e disse: "a beleza não dura para sempre". E essa é a grande lição. A miséria está em qualquer canto, não apenas naquela figura sem nenhuma dignidade, mas dentro de cada um de nós, na nossa apatia diante da vida dos outros e no nosso excesso de interesse pela banalidade. O nosso descaso social gera a miséria e enquanto não abrirmos nossa mente para a necessidade de um engajamento maior da sociedade civil, ainda seremos envolvidos pelo odor da miséria e, o cheiro da pobreza vai nos acompanhar até nossa casa não apenas nas noites de sexta-feira de agosto, mas em todos os dias e meses dos anos que teremos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

"Demos" "Cracia": entregamos o governo, e agora?

Nunca fui entusiasmada com a política brasileira. Meu título de eleitor, uma espécie de "varinha de condão", só foi por mim solicitado quando eu já tinha quase 19 anos de idade. Naquele ano recebi, em minha casa, a primeira visita de um candidato a uma vaga na câmara de vereadores. Fiquei assombrada com a barganha, meu voto para ele por uma vaga numa secretaria da prefeitura. A resposta foi um educado "não, obrigada". Ele sequer apareceu nas estatísticas. Bem feito.
Em seguida a interpelação veio por parte de um parente, que, pleiteando uma vaga na prefeitura, pediu gentilmente para eu transferir meu título com o objetivo de ajudá-lo e assim, permitir que ele pudesse ajudar outros mais necessitados. Confesso que o pedido parecia justo, principalmente tratando-se de um parente tão estimado, mas lembrei que o meu voto faria diferença no meu domicílio eleitoral e mais uma vez a resposta suave foi "não, obrigada".
Após 13 anos enquanto eleitora colecionei decepções, principalmente com a capacidade do povo brasileiro em esquecer os escândalos e os crimes de corrupção que mancham a grande ideia dos gregos, chamada de democracia.
Aprendi que demos significa povo, e cracia quer dizer governo, ou seja: governo do povo. Hoje a minha interpretação do grego é outra, acredito que "demos o governo" àqueles que jamais poderiam representar o anseio e a luta de um povo que trabalha pra pagar seus impostos e alimentar os abutres da nação brasileira. Entregamos o governo, e agora? Se fosse na Grécia antiga poderia ser mais fácil, a assembléia popular poderia votar, estes sim, inscritos e com direito de voz, e exigir o banimento dos políticos corruptos ou que os mesmos tomassem cicuta. A crise teria fim temporariamente e as instituições seriam sanadas de muitas outras mazelas.
Acato a sugestão do representante da OAB. Gostaria que cada brasileiro se tornasse co-participante deste processo e mesmo não entando munido de uma pedra de ostracismo ou de um cálice de cicuta, possa fazer a diferença e dar a democracia outras vozes.
Segue nota oficial da OAB:
O Senado está em estado de calamidade institucional. A quebra de decoro parlamentar, protagonizada pelas lideranças dos principais partidos, com acusações recíprocas de espantosa gravidade e em baixo calão, configura quadro intolerável, que constrange e envergonha a nação. A democracia desmoraliza-se e corre risco.
A crise não se resume ao presidente da casa, embora o ponha em destaque. Mas é de toda a instituição - e envolve acusados e acusadores. Dissemina-se como metástase junto às bancadas, quer na constatação de que os múltiplos delitos, diariamente denunciados pela imprensa, configuram prática habitual de quase todos; quer na presença maciça de senadores sem voto (os suplentes), a exercer representação sem legitimidade; quer na constatação de que não se busca correção ética dos desvios, mas oportunidade política de desforra e de capitalização da indignação pública.
Não pode haver maior paradoxo - intolerável paradoxo - que senadores sem voto integrando o Conselho de Ética, com a missão de julgar colegas. Se a suplência sem votos já é, em si, indecorosa, torna-se absurda quando a ela se atribui a missão de presidir um órgão da responsabilidade do Conselho de Ética.
Em tal contexto, urge fornecer à cidadania instrumentos objetivos e democráticos de intervenção saneadora no processo político. A OAB encaminhou recentemente ao Congresso Nacional, no bojo de proposta de reforma política, sugestão para que o país adote o recall - instrumento de revogação de mandatos, aplicável pela sociedade a quem trair a delegação de que está investido.
Trata-se de instrumento já testado em outras democracias, como a norte-americana, com resultados positivos. O voto pertence ao eleitor, não ao eleito, que é apenas seu delegado. Traindo-o, deve perder a delegação. Não havendo, porém, tal recurso na legislação brasileira, prosperam discursos oportunistas, como o que sugere a extinção do Senado. A OAB é literalmente contra a extinção do Senado.
O Senado não pode ser confundido com os que mancham o seu nome. Precisa ser preservado, pois é o pilar do equilíbrio federativo. Diante, porém, do que assistimos, a sociedade já impôs à presente representação o recall moral. O ideal seria a renúncia dos senadores. Como não temos meios legais de impor esse ideal - único meio de sanear a instituição -, resta pleitear que se conceda algum espaço à reforma política, senão para salvar o atual Congresso, ao menos para garantir o futuro.
CEZAR BRITTO
PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A educação da diversidade nos níveis fundamental e médio

Este artigo foi publicado ano passado na Revista Inter-Legere. É o relato de duas experiências com o estudo sobre a África. Na época do Congresso de exposição deste trabalho, o professor Nelson Tomazzi teceu comentários positivos com a minha estimada colega Lenina sobre a importância destas propostas no Ensino Básico.
Espero que façam uma boa leitura.
REVISTA ELETRÔNICA INTER-LEGERE – NÚMERO 03 (JUL/DEZ 2008).
1
A educação da diversidade nos níveis fundamental e médio
Autor: Andréia Regina Moura Mendes
A Lei N٥ 10.639, de 9 de janeiro de 2003 torna obrigatório na rede de ensino nacional o
estudo da “História e Cultura Afro-Brasileira”. Ao longo dos últimos anos desenvolvemos
diversas atividades que privilegiam o estudo do outro e o resgate de suas práticas culturais
e dinâmicas sociais.
O estudo sobre a África e o Brasil africano perpassa toda a estrutura curricular do
ensino fundamental e recebe o mesmo enfoque nas séries do ensino médio. Este relato
apresenta duas experiências efetivadas no ano de 2007 em duas realidades
socioeconômicas diferentes, vivenciadas em áreas distintas da Grande Natal. As
atividades foram desenvolvidas numa escola particular da capital e numa instituição
pública de ensino médio de Parnamirim. Estas experiências nos mostraram a importância
de educar o nosso aluno para olhar sobre a alteridade de forma que ele possa também
fazer o exercício relativista. Para a apreensão de determinados conceitos, como cultura,
identidade, patrimônio, trabalhamos com textos adaptados das ciências sociais e
levantamos diversas discussões antes da apresentação dos trabalhos.
A primeira experiência ocorreu no mês de outubro de 2007. O trabalho foi
desenvolvido em quatro salas de 7º ano, com um conjunto de 135 alunos. Como proposta
curricular, o livro didático oferece um capítulo sobre a História da África. Montamos um
programa de estudo e investigação que culminou com a apresentação dos dados obtidos
na forma de uma gincana cultural. O primeiro passo foi realizar a leitura e debate do
capítulo: “A África dos grandes reinos e impérios”, contido na obra didática “História das
REVISTA ELETRÔNICA INTER-LEGERE – NÚMERO 03 (JUL/DEZ 2008).
2
cavernas ao terceiro milênio”.1 Após a aula expositiva e os comentários tecidos pela turma,
sugerimos a ampliação de nosso estudo com a coleta de dados sobre os vários aspectos
da cultura africana: lendas, mitologia, culinária, cultura material, obras literárias e de
pesquisa, além de música. Os alunos, divididos em grupos precisavam reunir estes dados
e organizá-los para a apresentação.
Uma das tarefas foi a elaboração do perfil socioeconômico das nações africanas,
abordadas no capítulo. Para tanto, utilizaram-se de atlas, enciclopédias e livros de
geografia para complementar o quadro exigido.
Outra tarefa oportunizou aos alunos abandonarem uma série de (pré) conceitos
estabelecidos em relação à religiosidade africana. Propomos uma coleta de dados sobre
as religiões e rituais de origem afro, com a elaboração de ensaio escrito e montagem de
mural sobre a presença destes ritos em duas expressões religiosas no país: o candomblé
e umbanda. O panteão de divindades chamou a atenção de muitos alunos que trataram de
estabelecer pontes com outras sociedades politeístas da antiguidade e do tempo atual.
Com a pesquisa pronta a apresentação da conclusão do trabalho foi na forma de uma
gincana cultural, que contou com o envolvimento de todos os alunos e a participação dos
pais na seleção de materiais, disponibilizando alguns objetos para o trabalho final. Com
esta atividade percebemos que o respeito e a tolerância precisam ser incentivados em
todas as séries do ciclo básico. Através do estudo da alteridade, podemos estimular o
aluno a enxergar um pouco mais de si dentro da própria humanidade.
A experiência seguinte desenvolveu-se no mês de novembro de 2007, em celebração
ao Dia Nacional da Consciência Negra. As atividades programadas para dois dias
envolveram 14 salas de aula de ensino médio de uma escola pública do município de
Parnamirim. Nesta atividade enfrentamos diversas dificuldades para mobilizar alunos e
demais professores. Apesar da resistência e falta de apoio de metade do corpo docente,
programamos a abertura com a professora de História e Cultura do RN para explicar aos
alunos o significado do Dia Nacional da Consciência Negra, a importância de Zumbi dos
Palmares e a resistência da cultura negra no Brasil.
1 BRAICK, Patrícia Ramos, MOTTA, Miriam Becho. História das cavernas ao terceirto milênio. São Paulo: Moderna, 2007.
REVISTA ELETRÔNICA INTER-LEGERE – NÚMERO 03 (JUL/DEZ 2008).
3
Convidamos também uma aluna de um grupo remanescente quilombola para falar
sobre pertencimento étnico e identidade cultural. Em seguida, a professora de Língua
Portuguesa organizou um jogral com os alunos de duas salas de aula, a partir de um
poema escrito pelo supervisor escolar sobre a consciência negra. No final da primeira noite
do evento contamos com dois grupos de lutas de capoeira da cidade de Parnamirim. Na
noite seguinte, havia mais interesse por parte dos alunos sobre as atividades programadas
para aquele segundo dia. Mesmo com a crescente participação dos alunos, muitos
professores não compareceram ao trabalho na escola, o que demonstrou pouco
compromisso com as temáticas que seriam discutidas naquela ocasião. Para abrir a
programação convidamos o Sr. E., ex-integrante da banda X. para proferir uma palestra
sobre o preconceito na atual sociedade. Dando continuidade à programação, duas alunas
encenaram uma dança black que entusiasmou os jovens presentes. E fechando a noite,
mais uma roda de capoeira. Lembrando ainda que houve uma contextualização das
práticas culturais demonstradas.
As duas atividades colaboram para a necessidade de ampliação do debate sobre o
ensino e a aprendizagem da diversidade nas escolas públicas e privadas. Servem ainda
de modelos de experiências nas quais os temas relacionados a patrimônio imaterial,
cultura, identidade e etnicidade podem ser abordados respeitando a maturidade e grau de
aprofundamento de cada série envolvida. Um aluno que compreenda estes conceitos
pode encontrar-se mais preparado no futuro para lidar com uma sociedade pluralista e
multicultural.

domingo, 26 de julho de 2009

Um Post-in: a morte e o cinema


Sempre começa com uma lista de filmes que você gostaria de ver; alguns deles você corre ao cinema e assiste ainda na semana da estreia, outros, você aguarda aparecer na locadora, ou na banca de DVD.
Comigo ainda existe um outro processo: compro alguns filmes com temáticas interessantes e guardo para vê-los num contexto específico. Foi assim que reservei três títulos que me surpreenderam com o tema revelado ao longo do roteiro: a morte.
O primeiro filme tem como título original “The bucket list”. No Brasil foi chamado “Antes de Partir”. Tem como atores principais Jack Nicholson, no papel de um empresário e Morgan Freeman, interpretando um mecânico de automóveis. Em síntese, dois homens de meia idade descobrem, ao mesmo tempo, que estão doentes de câncer e que não existem grandes expectativas de cura. Há uma possibilidade apenas: aproveitar cada momento que existe para realizar todos os sonhos e desejos que alimentaram durante sua vida; desejos e sonhos estes que não puderam ser concretizados pelos esforços junto à família ou na construção da carreira.
Inicialmente o espectador percebe que a trama da história é tecida no sentido de apontar a importância de realizar nossos desejos pessoais, respeitando nossa individualidade, entretanto a surpresa que nos aguarda reforça o valor de viver nossas relações da melhor maneira possível.
O segundo filme que trata do tema morte tem um enfoque no altruísmo e na remissão da culpa. “Seven pounds”, ou “Sete vidas” mostra o drama de Ben Thomas, interpretado por Will Smith, e a sua jornada para a redenção de um erro fatal envolvendo as vidas de sete pessoas. O drama é revivido em flashes, que aguçam a curiosidade do expectador, ao mesmo tempo que, revelam a fragilidade da condição humana diante de situações adversas.
A força desta produção encontra-se na capacidade de nos fazer refletir sobre a perda e o apego, como também nos mostra um outro caminho para a consolação: doar-se integralmente ao outro, não importa quem o seja. É de encher os olhos e o espírito.
E finalmente, “Dead like me- Life after death”, no Brasil foi lançado com o título “Dead like me- A morte lhe cai bem”. O enredo mostra a história de pessoas mortas que atuam enquanto ceifadores, ou coletores de almas e das problemáticas que lhes atingem quando elas esquecem de cumprir sua missão: fechar o ciclo de vida das pessoas.
No início do filme existe uma explicação sobre o surgimento da vida baseada no criacionismo, além de uma versão mítica para justificar o aparecimento da morte na terra. Entretanto, ao longo da trama a lei de causa e efeito é apresentada.
Como no filme “The Bucket list”, “Dead like me” nos chama atenção para a nossa responsabilidade perante a vida e o quanto devemos cultivar as nossas relações antes que os ceifadores cheguem. A personagem principal George Lass pergunta para um jovem candidato à uma vaga na sua empresa: “O que gostaria de fazer antes de morrer?”, e a sua resposta prosaica demais nos alerta para o bem viver e o bem fazer. Esse é o desafio de todos nós. Depois de ver estes filmes acredito que para a morte deixaremos um post-in: volte quando tivermos vivido o bastante.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Mensagem na garrafa: uma surpresa numa noite cansada da vida

Voltava da escola pública que trabalhava no turno da noite. O clima interior era de derrotismo e de descrença com tudo ao redor. Entrei no transporte público com destino à minha casa quando vi um papel depositado com cuidado ao lado do banco que eu estava sentada: uma folha de caderno, cuidadosamente dobrada e com uma caligrafia refinada. Abri o papel e comecei a leitura. A surpresa foi a mesma de quem encontra uma mensagem dentro de uma garrafa que bóia num mar de incertezas. A mensagem chama-se: Motivação para o seu dia.
Fiz a leitura ainda na pouca luz do transporte público, mas quando voltei para casa reli muitas vezes e considerei aquele papel como um achado importante de estímulo e de renovação de esperanças.
Hoje trago para vocês a mesma mensagem que achei 3 anos atrás, espero que lhes traga ânima.
MOTIVAÇÃO PARA O SEU DIA
“Hoje acorde para vencer”. A automensagem positiva logo pela manhã é um estímulo que pode mudar seu humor, fortalecer sua autoconfiança e pensando positivamente, você reunirá forças para vencer os obstáculos. Não deixe que nada afete seu estado de espírito; Envolva-se pela música, cante ou ouça.Comece a sorrir mais cedo; ao invés de reclamar quando o relógio despertar, agradeça a Deus pela oportunidade de acordar mais um dia; O bom humor é contagiante: espalhe-o. Fale coisas boas, de saúde, de sonhos com quem você encontrar. Não se lamente, ajude as outras pessoas a perceber o que há de bom dentro de si; Não viva emoções mornas ou vazias. Cultive seu interior, extraia o máximo de pequenas coisas. Seja transparente e deixe que as pessoas saibam que você as estima e precisa delas. Repense seus valores e dê a si mesmo a chance de crescer e ser mais feliz. Tudo que merece ser feito, merece ser bem feito. Torne suas obrigações atraentes, tenha garra e determinação. Mude, opine, ame o que você faz. Não trabalhe só por dinheiro e sim pela satisfação da “missão cumprida”. Lembre-se nem todos têm a mesma oportunidade. Pense no melhor, trabalhe pelo melhor e espere o melhor. Transforme seus momentos difíceis em oportunidade. Seja criativo (a) buscando alternativas ao invés de problemas, veja o lado positivo das coisas e assim você tornará seu otimismo uma realidade; Não inveje. Admire! Seja entusiasta com o sucesso alheio como seria com o seu próprio. Idealize uma competência e faça auto-avaliação para saber o que está lhe faltando para chegar lá; ocupe seu tempo crescendo, desenvolvendo sua habilidade e seu talento. Só assim não terá tempo para criticar os outros. Não acumule fracassos e sim experiências. Tire proveito de seus problemas e não se deixe abater por eles. Tenha fé e energia, acredite. Você pode tudo o que quiser; Perdoe, seja grande para os aborrecimentos, pobre para a raiva, forte para vencer o medo e feliz para permitir a presença de momentos infelizes. Não viva só para o seu trabalho. Tenha outras atividades paralelas como: esportes, leitura, cultive os amigos. O trabalho é uma contribuição que damos para a vida, mas não se deve jogar nele todas as nossas expectativas de realizações; Finalmente ria das coisas à sua volta, ria de seus problemas, de seus erros, ria da vida. “A gente começa a ser feliz quando somos capazes de rir da gente mesmo”
Que Deus lhe abençoe, hoje e sempre...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Le Petit Prince


O ano era 1990, eu tinha quase 13 anos de idade, mas me considerava mais adolescente do que as outras adolescentes que eu conhecia. E procurava ler mais do que elas, o que na época pareceu um pedantismo intelectualista.
Era uma boa leitora, no ano anterior tinha recebido um prêmio na disciplina de Língua Portuguesa por uma resenha do livro A volta ao mundo em 80 dias, do Júlio Verne. Mas naquela nova série estava preocupada com outros tipos de leitura. Foi quando as colegas de sala invadiram minha casa para falar da novidade: haveria um novo concurso de resenhas, e a professora de Língua Portuguesa havia me escolhido para concorrer em nome da minha turma.
A vaidade era enorme, por dentro me sentia com 10 pernas, mas quando as colegas falaram qual o título do livro, de imediato perdi o interesse.
O título original é Le Petit Prince, do escritor Antoine de Saint-Exupéry. Aquele livro não me parecia um livro adequado para uma adolescente e rejeitei o projeto com todo o drama que acompanha esta idade. Entretanto não havia escolha, a turma necessitava da minha resenha para acumular pontos na gincana escolar; eu tinha que fazê-la.
Comecei lendo de cara amarrada, com jeito de quem fazia algo muito contra a sua vontade, mas foi aí que o encanto da obra fez efeito sobre mim e aos poucos, aquela história tinha me cativado tanto que eu me tornei responsável por divulgá-la na forma de uma resenha literária.
Quase 20 anos depois me matriculo como aluna regular de Língua Francesa e como presente recebo na minha caixa de e-mail Le Petit Prince, na versão francesa. O texto ainda é desconhecido, mas as ilustrações são as mesmas. Vê-las me transportou para um tempo no qual acreditava que não havia espaço no mundo para a pureza e ingenuidade, hoje sinto que o mundo tem necessidade do que é puro e belo e eu me percebo ainda como leitora ávida e aberta para apreender as sempre atuais lições do pequeno príncipe, nem que seja pra acrescentar algo de bom no mundo que é meu.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

América Lat(r)ina

Por meses relutei em escrever sobre a profunda crise do regime democrático na América Lat(r)ina.
As reflexões surgiram um ano atrás quando tive contato com a obra de Anthony Giddens, Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Neste livro de leitura breve, Giddens reafirma o poder da democracia e seu caráter revolucionário nas últimas décadas do século XX, mas também aponta o desencanto que as democracias modernas provocam em todas as nações ocidentais.
Basta citar a porção sul do continente americano para ver que maus exemplos não faltam: da Venezuela, passando pela Bolívia e chegando ao Brasil, o que temos presenciado é uma derrocada dos regimes ditos democráticos, que utilizam-se do povo (o mesmo que Rousseau afirmava que dele emanava a soberania) para legitimar práticas de permanência no poder, utilizando-se de instrumentos populares de votação, como o plebiscito, na manipulação das massas e obtenção de resultados.
Eu tenho algumas questões, gostaria de respostas:
O que pensar de um Senado que tem como presidente alguém mergulhado em escândalos de corrupção? O que esperar de uma instituição que é representada por um conselho de etica (e aqui me atrevo a escrever com letra minúscula) que decide pela não cassação de um deputado encastelado? Como acreditar num partido que pede o afastamento do presidente do senado pela manhã, mas depois do chá da tarde muda de ideia?
América Lat(r)ina, realmente a coisa pública por aqui fede, e como o mau cheiro se espalha na fórmula de suas moléculas, os odores já chegaram mais ao centro e infectaram Honduras. E onde vamos parar? Apenas democratizando a democracia estaremos livres da praga da corrupção e do velho, mas sempre atual, voto de cabresto, que são as mazelas que alimentam a podridão de democracias falhas, limitadas e de fantasia, como a nossa.

Obrigatoriedade do diploma de jornalista: senador sergipano lança emenda.


01/07/2009 - 19h42
Senador apresenta projeto que torna obrigatória exigência de diploma para jornalista
Da Agência Senado
O senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou, nesta quarta-feira (1º), proposta de emenda à Constituição (PEC) que vincula, obrigatoriamente, o exercício da profissão de jornalista aos portadores de diploma do curso superior de jornalismo. A PEC tem como objetivo superar o impasse provocado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no mês passado, declarou nula a exigência do diploma prevista no decreto-lei 972, de 17 de outubro de 1969.
Leia mais sobre o caso
PEC, entretanto, apresenta duas ressalvas, ao permitir que colaboradores possam publicar artigos ou textos semelhantes e os jornalistas provisionados continuem atuando, desde que com registro regular. Os jornalistas provisionados com registro regular são aqueles que exerciam a profissão até a edição do decreto.O decreto-lei permitiu, ainda, que, por prazo indeterminado, as empresas pudessem preencher um terço de suas novas contratações com profissionais sem diploma. Conforme a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), esses jornalistas provisionados possuem registro temporário para trabalhar em um determinado município. O registro deve ser renovado a cada três anos. E essa renovação só é possível para as cidades onde não haja nenhum jornalista interessado na vaga existente nem curso superior de jornalismo."Uma consequência óbvia da não obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão seria a rápida desqualificação do corpo de profissionais da imprensa do país. Empresas jornalísticas de fundo de quintal poderiam proliferar contratando, a preço de banana, qualquer um que se declare como jornalista. Era assim no passado, e resquícios desse período ainda atormentam a classe jornalística de tempos em tempos", argumenta o parlamentar sergipano, na justificação do seu projeto.Conforme o senador, a principal atividade desenvolvida por um jornalista, no sentido estrito do termo, é "a apuração criteriosa de fatos, que são então transmitidos à população segundo critérios éticos e técnicas específicas que prezam a imparcialidade e o direito à informação". Daí a exigência de formação e profissionalismo.O senador rebateu, nesta quarta, as críticas dos que acham que a PEC é uma "confrontação ao Supremo", já que este teria tentado preservar a cláusula pétrea do texto constitucional que se refere à garantia da liberdade de expressão. Segundo Valadares, a exigência do diploma diz respeito não à liberdade de expressão, mas à qualificação indispensável para uma atividade profissional que interfere diretamente, e de forma ampla, no funcionamento da sociedade.O parlamentar assinalou, também, que a existência da figura do colaborador em todas as redações é uma prova de que a liberdade de expressão não está sendo tolhida. Exemplos disso são médicos, advogados e outros profissionais que escrevem textos técnicos sobre os campos onde atuam. E poderão continuar a fazê-lo, caso a PEC seja aprovada.
Postado no site da UOL. Consulta em 01 de julho de 2009.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Muito mais do que um diploma em jogo

A decisão do STF em abolir a obrigatoriedade do diploma de jornalista deixou muitos profissionais da área, professores formadores e diretores de curso de comunicação social surpresos e decepcionados com a arbitrária decisão.
Nos últimos quarenta anos houve importantes avanços na profissionalização da função de jornalista, garantindo mais ética no exercício do ofício e uma formação ampla e voltada para aprimorar as competências e habilidades que esta profissão exige.
A partir do momento que uma categoria inteira é desobrigada de ter o seu direito de profissionalização e formação superior, acontece a abertura para o amadorismo e a falta de uma compreensão sobre os principais aspectos sócio-culturais e políticos-econômicos, além da ausência de um entendimento profundo dos contextos que formam o ser Brasil.
Enquanto professora formadora de profissionais da comunicação social na Universidade Potiguar, lamento a posição da Corte do Brasil e entendo que a nossa prática educativa é de fato essencial e contribui sobremaneira na consolidação de um jornalismo ético e responsável.
A hora é de reflexão, mas sobretudo de ação. Não podemos deixar que o jornalismo brasileiro desapareça no meio de uma imprensa marrom e pouco comprometida socialmente falando.
Aguardaremos a próxima categoria que será alvo indefeso de ministros preocupados com o presente e esquecidos de um futuro em construção. É preciso lembrar que existe muito mais do que um diploma em jogo.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Mito, religião e ideologia


A ideologia está presente em todas as sociedades humanas, inclusive nas ditas sociedades primitivas, nestas a religião funciona como “cimento social”, expressando, por meio dos seus ritos e mitos, as necessidades humanas no âmbito social ou individual.
As religiões primitivas se prendem ao real e o representam através de um “vasto simbolismo”. O totemismo é uma destas representações imaginárias, presente nas sociedades sem classes. Dentro desta religião primitiva, existe a escolha de um totem (na maioria das vezes animal ou vegetal) que simboliza o clã. A adoração do totem e de tudo que esteja relacionado ao mesmo cria uma série de regras que direcionam a vida do grupo. O totemismo semeia entre os homens e mulheres o conformismo moral a partir da lógica social que é passada como algo já dado, construído fora do tempo histórico. Isto é possível pelo fato da realidade social ser tão sagrada quanto à divindade adorada pelo clã.
Podemos classificar a religião como uma forma de ideologia, pois ela impõe regras e proibições, apresentando-se como representação da consciência coletiva, como poder constituído.
A partir dos mitos, a religião afasta do âmbito humano, a origem de tudo o que existe, com as cosmogonias e os mitos de criação. Nas religiões primitivas, a adoração do totem transforma a realidade humana em algo sagrado, logo, todo aquele que transgride as regras e interditos do totem, também agride ao grupo, sendo necessária uma punição exemplar para que o mesmo não promova a desagregação social.
É quando age a ideologia, o mito esconde a origem daquilo que é construção social, produção humana. A ideologia só se torna possível pela existência de representações que compõem o imaginário social. Ou seja, pela via do simbólico ocorre a naturalização da ordem social humana. O imaginário tem a força que mantêm o monopólio da dominação.
Nas sociedades primitivas, observamos os ritos de instituição pelos quais a cultura ensina o indivíduo a aceitar a sujeição. Este dominado, é convertido pelo imaginário em cúmplice de sua própria dominação.
Podemos citar como exemplo os Baruya da Nova Guiné. Esta sociedade desenvolveu entre os homens uma forma de dominação expressa pelo conhecimento de uma língua sagrada, ensinada aos meninos, porém vetada ao gênero feminino. Esta linguagem secreta legitima a supremacia dos homens dentro deste grupo social.
O poder que esta língua cifrada confere aos homens e meninos Baruya não é um bem, algo palpável, é a relação de sujeição, de dominação caracterizada por saberes, técnicas próprias do grupo masculino, e interditos para todas as mulheres.
Segundo o professor Alípio de Sousa Filho, a ideologia seria o discurso do poder, porque visa ocultar o caráter de dominação, oferecendo uma falsa idéia de harmonia dentro do grupo social. Os mitos e a religião legitimam as convenções sociais.
Concluindo, os mitos são os padrões das representações sociais. É no mito que a ideologia se apresenta pela primeira vez, utilizando-se do simbólico. O simbolismo é meio pelo qual as sociedades humanas tornam suas instituições algo concreto na vida social.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sistema de castas continua em funcionamento nas localidades pobres da Índia, sendo a quebra de tabus punida com a morte.


REUTERS - 11.02.2009 09:18
Parentes do noivo decapitados após casamento proibido na Índia
PATNA, Índia (Reuters) - Oito membros da família de um homem pobre foram mortos e decapitados e seus corpos, jogados em um rio no leste da Índia, depois que ele se casou secretamente com uma moça rica, informou a polícia na quarta-feira.
A polícia do Estado de Bihar encontrou os oito corpos boiando no rio e acusou 15 pessoas, maioria delas da família da noiva.
Os assassinatos, cometidos no fim de semana, aconteceram depois que Ratan Mandal, de 21 anos, fugiu de casa e se casou secretamente com Kanchan Kumari, 18, pois suas famílias jamais aprovariam o relacionamento devido a uma antiga rixa social.
"A família da moça convidou a família do rapaz para um encontro, com o pretexto de dar um fim à disputa, mas matou todos os oito e os decapitou", disse Raghunath Prasad Singh, importante autoridade policial de Bhagalput, onde ocorreu o incidente.
Bhagalput, uma das região mais sem lei da Índia, é conhecida pelos assassinatos por vingança e em defesa da honra.
Homens e mulheres ainda são mortos nos vilarejos do leste e do norte da Índia por ousarem se casar com pessoas de castas diferentes.
Em maio do ano passado, um jovem casal foi assassinado pela família da moça, no norte da Índia, porque eles se casaram e pertenciam ao mesmo vilarejo. Casar com alguém da mesma vila é considerado tabu em muitas comunidades indianas

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A antropofagia é um ritual ainda presente nas sociedades indígenas brasileiras


Índios são acusados de canibalizar jovem no Amazonas

da Folha Online
Índios da etnia Kulina são suspeitos de esquartejar e comer os restos de um jovem em um ritual de canibalismo na cidade de Envira (AM), próxima à fronteira com o Peru. Em entrevista à rede de TV CNN, o policial Maronilton da Silva Clementino afirmou que ao menos cinco índios estão foragidos.
A vítima foi identificada como Océlio Alves de Carvalho, 19, morto na semana passada. De acordo com a CNN, os quatro índios fugiram após passarem algumas horas detidos. Pela lei, a polícia não pode entrar na tribo para investigar o caso.
Clementino afirmou que a vítima, que conhecia a tribo, havia sido convidado para visitar a aldeia indígena na sexta-feira (6) passada. "Eles [o jovem e os índios] se conheciam e às vezes eles se ajudavam. Os índios o convidaram para a reserva na sexta-feira e ele [Océlio Carvalho] não foi mais visto."
"A família decidiu entrar na reserva para procurar o jovem e encontrou o corpo dele esquartejado e a cabeça pendurada em uma árvore", contou o policial.
Ritual
A polícia informou que membros da tribo afirmaram que os envolvidos na morte do jovem se gabavam de ter comido órgãos humanos.
Os moradores de Envira responsabilizaram a Funai (Fundação Nacional do Índio) por permitir que esse tipo de crime ocorresse. De acordo com Clementino, a família se disse "frustrada com a lei no Brasil, que protege os índios, mas não ajudam a proteger" quem vive perto de aldeias.
Três dias após o desaparecimento do jovem, membros da Funai ainda não chegaram à cidade. A jornais locais, a fundação declarou que ainda não chegou a Envira devido ao difícil acesso à cidade, só permitido por barco ou helicóptero.
A etnia Kulina é um grupo isolado que vive nas margens dos rios Juruá e Purus, no Acre. Estima-se que ao menos 2.500 membros da etnia vivam na região.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Leituras sobre o livro Brasil


Como ler um país etnicamente diverso e eticamente tão frágil? Esta tem sido uma preocupação demonstrada recentemente por estudiosos e especialistas em todo o Brasil. É claro que outros já haviam se debruçado em torno desta temática, como os antropólogos Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e mais recentemente Roberto DaMatta, entretanto a proposta que se apresenta agora é: ler o Brasil através da lente da ética.
No campo da análise histórica, o XXV Simpósio Nacional de História tem como eixo de discussões para 2009 o tema História e Ética. Instituições educacionais na capital potiguar, entre elas, o Centro de Educação Integrada, estão encabeçando a reflexão ética como projeto norteador de sua prática educativa.
A ética é evocada por todos como uma entidade acima do bem e do mal, verbalizada nos discursos, debatida nas salas da academia, entretanto pouco vivenciada seja no foro íntimo, seja no âmbito mais amplo do social.
Não nos cabe definir ética do ponto de vista da filosofia ou da sociologia, mas refleti-la no campo das ações humanas e de suas construções sociais, tanto ao longo da história, quanto na prática cotidiana, ou seja, a partir do olhar antropológico.
A primeira reflexão sobre ética e história obtivemos a partir da leitura do livro A assustadora história da maldade. Na primeira parte da obra, o autor discute como a moral humana muda ao longo do tempo. Práticas que há 300 anos eram vistas como abomináveis, hoje as vemos sendo aplicadas de forma naturalizada. Valores tidos como corretos 120 anos atrás na história, atualmente são percebidos como equívocos ou ingenuidades. Os valores mudam graças à dinamicidade da história e das construções humanas.
As 48 leis do poder foi outro livro que despertou a atenção para o tipo de ética que estamos vivendo no século XXI. Em 48 situações os autores nos chamam atenção para o tipo de comportamento que devemos estabelecer com as pessoas ao nosso redor, para tirar o máximo de proveito do esforço e do trabalho delas. É uma obra aética, um livro despojado de preocupações morais relevantes em relação ao outro, mas pleno da ética individualista que tanto foi moldada pelo capitalismo nos últimos dois séculos.
Basta um olhar superficial sobre a sociedade brasileira para podermos identificar o quanto estabelecemos destas práticas em nossa história e vivências. Velhas e tão conhecidas fórmulas como “Você sabe com quem está falando?”, ou a “carteirada” exemplificam um pouco dos paradigmas que vivemos. O Brasil é a nação do clientelismo, do nepotismo, dos pelegos e do famoso “jeitinho”, todos são demonstrações que nossa diversidade cultural espelha uma variedade de comportamentos não acertados que nos impedem o crescimento de uma cidadania mais plena e viável para o conjunto da população. Sofremos de uma moral defeituosa e esta necessita de uma mudança, que apenas pode ser consolidada com uma reflexão em torno de nossas dinâmicas sociais, o que pode propiciar uma interiorização de novos conceitos que privilegiem o “outro” antes do “eu”.
Quais tipos de leituras podemos fazer sobre o Brasil? Utilizando a ética como lente, toma-se a reflexão crítica como ponto de partida para uma análise da moralidade brasileira, em seguida, pensar os contextos mostra-se essencial para a tomada de decisões que deve ser efetuada. A reflexão ética requer problematizar os fundamentos que norteiam nossas ações. Serve ainda para questionar os valores componentes da moral. Que tipos de componentes fazem parte da moral que vivenciamos? A sociedade de consumo, o imediatismo nas relações que estabelecemos com os outros, os jogos de interesses, as máscaras que assumimos ao longo do dia, nosso pouco engajamento com as questões sócio-ambientais, tudo serve para a reflexão ética.
Leitura é tarefa difícil, pois exige a apreensão daquilo que é lido e a formulação de uma reflexão profunda acerca do que o texto nos tem para ensinar. O desafio é ler o Brasil levando em consideração a sua trajetória histórica, as suas matrizes formadoras e as instituições que foram criadas ao longo dos séculos. Ler a partir da ética para uma mudança de paradigma, que começa dentro de cada um e depois transforma a sociedade. Assim, devemos ler com compromisso o livro Brasil.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Os homens são como a Caixa de Pandora



Os gregos antigos criaram um sistema de crenças baseado num panteão de divindades e numa mitologia bastante enriquecida. Os mitos foram a primeira forma de explicação da realidade que os homens elaboraram, por esta razão é de capital importância examinar o conjunto dos mitos gregos para compreender os contextos de uma época.
De todos os mitos analisados por Thomas Bulfinch, no Livro de Ouro da Mitologia, a história de Prometeu e Pandora sempre me fascinou bastante. Prometeu representa a crença na humanidade, nos sonhos de crescimento e prosperidade que os homens alimentam sobre si mesmos. A confiança que todos precisam como estímulo inicial para suas vidas.
No mito, Prometeu cansado de ver a humanidade inerte, sobe aos céus e toma o fogo de um dos raios do sol para entregar aos homens. Estes, por sua vez, desenvolvem a metalurgia e passam a ter um domínio maior sobre a natureza, garantindo sua sobrevivência e independência em relação aos deuses do Olimpo.
Mas os deuses vendem quando ofertam qualquer coisa para os mortais, e por esta razão foi necessária articular uma punição divina, que veio para a terra, cheia de dons e foi chamada de Pandora. Portava uma caixa com maldições para a humanidade. Simbolicamente ela é o lado feminino da vida, puro, ingênuo e inconseqüente. Cabe-lhe como portadora da caixa revelar as mazelas que aguardam os homens.
Não seriam os próprios homens como a Caixa de Pandora? No mito clássico a caixa guardava a dor, a fome, a tristeza, o desespero e a morte. Na história podemos perceber a ingerência humana, o desrespeito à vida e acima de tudo o uso de um fogo que causa dor, que espalha a tristeza e consome as pessoas no desespero. Os gregos eram muito antropocêntricos para acreditar que a fonte do mal estivesse dentro da própria humanidade e escolheram algo como receptáculo deste mal e um agente, a mulher.
Entretanto, sabemos que a Caixa de Pandora sobrevive em cada homem e sempre há quem queira abri-la e espalhar mazelas pelo mundo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O desafio de Golias




Quando o mestre italiano Michelângelo Buonarroti esculpiu Davi, o representou no máximo de sua força íntima, no momento que o mesmo decide pela luta e munido de sua funda lança-se contra o gigante dos filisteus.
Esta história está narrada no livro I Samuel, do Velho Testamento e muitos ainda consideram Davi o herói dos hebreus. Davi encarnava a fragilidade da juventude com a crença num Deus capaz de cumprir a sua promessa, enquanto Golias, mesmo partilhando da mesma etnia semita do jovem Davi, era a barreira, o obstáculo para que a vontade de Javé fosse realizada em relação ao povo escolhido.
Nestes tempos difíceis, mais uma vez um jovem levanta-se contra seus irmãos, entretanto o gigante bíblico assume a feição do próprio povo judeu. A recente nação de Israel surge como Golias - voraz, impetuoso, combativo - ao jogar bombas sobre uma faixa de terra tantas vezes foco de uma disputa sem fim.
Quem é Golias? Quem é Davi? Quem encarna a força? Quem representa a fragilidade? Ao ver os tanques avançando pela Faixa de Gaza e as crianças palestinas revidando com pedras, percebe-se que há dinamicidade na história ao mesmo tempo que, a continuidade persiste. Novos atores, novos dramas, contudo as personagens ainda são as mesmas, apesar da inversão de papéis.
O desafio de Golias é impor uma nova ordem numa terra que não querem que seja partilhada. O posicionamento do mundo é olhar para aqueles que encarnam o jovem Davi e refletir em torno deste fato. Voltemos ao escultor italiano, teria ele a condição de imaginar ainda no século XVI que o pequeno pastor poderia metamorfosear-se num novo Golias? Este também é um desafio para a política internacional do século XXI.

Dia de Reis e os sentidos desse evento para nossa história

 Dia de Reis Magos e os sentidos desse evento para nossa história Está escrito no Evangelho de Mateus, 2:1, (...) eis que magos vieram do Or...