quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A mulher do Judas

"A mulher do Judas", foi assim que o folclorista e estudioso da cultura popular Deífilo Gurgel me chamou quando nos conhecemos no Congresso Nacional do Folclore. De fato, desde 2003 que a temática da Inquisição e perseguição aos cristãos-novos me acompanha como foco de minhas leituras e reflexões, mas Judas chegou um pouco depois, nos estudos para o mestrado, e continua até agora em parte de meus trabalhos e apresentações em congressos.
Na primeira semana de setembro, participei do XIV CISO, evento patrocinado pela UFRPE e pela Fundação Joaquim Nabuco, e mais uma vez o tema foi Judas. O trabalho foi um novo olhar sobre meu objeto de pesquisa: Uma festa para o Judas.
Este post terá algumas postagens que fiz num primeiro blog chamado Malhação do Judas.
Post 1-
O valor que o Judas tem
A recente divulgação do Evangelho de Judas está abalando o mundo acadêmico. O documento de 1,7 mil anos apresenta uma nova versão do apóstolo acusado de trair Jesus de Nazaré e, ao mesmo tempo re­vela outras possibilidades de leitura sobre as vertentes místicas do cristianismo.Os pergaminhos foram encontrados no Egito e apontam para a ne­cessidade de um revisionismo da história do cristianismo e da sua fi­gura mais odiada: Judas Iscariotes.Judas nos aparece como uma personagem construída pelo imaginá­rio popular tendo sua verdadeira origem sido apagada pelas mãos dos cristãos mais ortodoxos Hoje ele é visto não apenas como aquele que vendeu o seu próprio mestre por 30 talentos, mas também como exemplo de alguém traidor, ganancioso e que comete outro crime ao final da vida, o suicídio em função do remorso sentido.O filme Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson explora esta visão do apóstolo e insufla os sentimentos anti-semitas, que tantos conflitos já alimentaram.Numa análise dos contextos locais percebemos que a nossa cultura precisa da figura do Judas, não a recém divulgada pela descoberta do evangelho apócrifo, mas daquela criada ao longo da história cristã. O palco para esta análise foi o bairro das Rocas, zona leste de Natal.Na época da Semana Santa nos deslocamos pelas ruas da comunida­de para realizar uma observação do ritual da malhação do Judas. Conversando com os moradores locais coletamos diversos depoi­mentos nos quais, o boneco enforcado no poste e pronto para ser ma­lhado não correspondia à figura presente nos textos bíblicos.O boneco do Judas assume as mais diversas representações e quase sempre estas revelam um tom de crítica social e, alguns sinais de cli­vagem e de disputa dentro do próprio bairro. -Os mais antigos afirmam que a confecção do Judas era uma espécie de punição pela traição do discípulo e que a sua imolação no romper do sábado de aleluia significava a vitória do Cristo sobre a morte e sobre todo o mal.Entretanto, atualmente apenas os mais velhos possuem esta visão em torno da malhação do Judas. Para os jovens do bairro das Rocas, o que prevalece é a brincadeira violenta e muitas vezes as disputas pêlos bonecos das ruas vizinhas, logo, de outros grupos de convívio, refor­çando o caráter de rivalidade existente na comunidade.A malhação do Judas envolve todas as idades e ao mesmo tempo . provoca sentimentos diferentes nas pessoas que interagem.com o rito. Entretanto, o que todos esperam é que o boneco seja malhado numa espécie de catarse coletiva.Voltando ao achado histórico, o Evangelho de Judas reabilita o dis­cípulo como o único que entendeu a mensagem de Jesus e o libertou da prisão da carne, contribuindo desta forma para que Cristo cumpris­se com seu papel.Porém, mesmo que ocorra esta assimilação por parte do credo cris­tão, a cultura popular vai continuar confeccionando os seus bonecos de Judas, pelo fato dos mesmos terem um significado além daquele pregado nos evangelhos bíblicos.O valor que o Judas tem na comunidade das Rocas pode jamais ser alterado pela história e, o seu sentido deve permanecer ligado às ne­cessidades de expressão e de escape de uma realidade social construí­da e ao mesmo tempo renovada, como o próprio rito da malhação, como a própria figura do apóstolo Judas Iscariotes.
Artigo publicado no Jornal de Hoje em: 30 de junho de 2006.
Post 2-
A identidade do Judas na Semana Santa
Da mesma forma que persiste uma lacuna na produção historiográfica sobre o personagem histórico Judas Iscariotes, a antropologia social carece de estudos significativos sobre o rito da malhação do Judas. Assim, a dificuldade em coletar material historiográfico é também relativa aos registros etnográficos sobre a ‘queimação’, ‘malhação’ ou ‘brincadeira’ do ‘Judas’.Estas limitações impedem de realizar um estudo comparativo sobre a evolução do rito e das motivações que conduziram os participantes da malhação ao longo dos mais de três séculos da presença desta ‘brincadeira’ em terras brasileiras.Para nossos fins, as únicas referências sobre o rito da malhação-do-Judas foram elaboradas pelos folcloristas e pesquisadores da cultura popular. No Rio Grande do Norte, coube a Luís da Câmara Cascudo examinar as representações construídas em torno da figura do judeu (2001: 102) e sobre a queimação-do-Judas (1979: 417-419).Sobre os motivos que conduzem as pessoas a queimar ou malhar o boneco do ‘Judas’, Cascudo buscou explicações nos estudos produzidos pelos antropólogos evolucionistas, como Sir James Frazer. Segundo o folclorista, o ‘Judas’ seria a personificação do mal e a existência deste rito teria suas origens no paganismo[1], com a introdução dos cultos agrários e as festas da colheita, ocasiões nas quais era queimado um boneco representando uma divindade da vegetação. Assim, através do fogo, haveria uma renovação da vida espiritual e a garantia de boas colheitas.O folclorista Ernesto Veiga de Oliveira tratou do rito da malhação-do-Judas em Portugal (1974), também é chamado de ‘queima-do-Judas’. O rito acontece na noite ou madrugada do Sábado de Aleluia, quando os bonecos, sempre caracterizados com traços grosseiros e caricaturais, são amarrados em postes de cinco a seis metros de altura, aguardando a hora para serem queimados. O pesquisador aponta a presença de um testamento indicativo da animosidade vingativa do povo. Na sua análise, o rito faz parte dos festejos populares e os caracteriza apenas como mero divertimento. Para ele, as origens, razões e elementos constitutivos atuais diferem bastante da forma como foi concebido o rito. O ‘Judas’ pendurado no poste e depois queimado não representaria o apóstolo Iscariotes, fato que pode ser atestado pelas diferentes denominações que o boneco recebe em outros países europeus.Para Veiga de Oliveira, a personagem queimada tem sua origem em cultos proto-históricos assimilados pelo cristianismo, que aponta na perspectiva anteriormente citada por Câmara Cascudo, indicação de que a personagem e a sua queima são originárias da celebração de outro fato. Veiga de Oliveira indica ainda a possibilidade de interpretar a queima-do-Judas como uma espécie de imolação simbólica, derivada dos antigos sacrifícios humanos. Uma morte ritual[2] que espera a personagem para que a mesma possa, com o seu sacrifício, renovar as forças da natureza.Outro folclorista brasileiro, Ático Vilas-Boas da Mota dedicou-se à análise da queimação-do-Judas (1987). O seu método de coleta de informações para o trabalho consistiu no envio de questionários para diversas entidades, com o objetivo de esclarecer algumas questões em torno da malhação-do-Judas na região Nordeste. Segundo os dados levantados, a queimação-do-Judas ocorre no sábado da semana de Páscoa, o Sábado de Aleluia, e também pode ser chamada de ‘enforcamento’ ou ‘malhação’, dependendo do Estado nordestino.Quanto às origens do ritual, informa que o rito tem raízes históricas, defendendo a tese de que a malhação-do-Judas se caracterizava quanto ‘resíduo folclórico’, nesse caso, uma sobrevivência dos autos de fé da Inquisição portuguesa. Ele defende ainda que a malhação do boneco fosse um vestígio da prática inquisitorial de queimar a representação de um condenado que tenha morrido antes da aplicação da pena. Esta punição era conhecida por ‘queimação em efígie’.Segundo Mota, os bonecos são representações de personalidades públicas, moradores locais e políticos, ou seja, todo aquele que possa ser identificado como alguém mal-visto ou pouco quisto na comunidade. A elaboração e leitura de um testamento do ‘Judas’ antecedem a malhação do boneco, assinalando a função catártica para o grupo que o redige.No campo das manifestações da cultura popular, o Rio Grande do Norte possui um grupo folclórico denominado Malhadores do Judas. Este grupo é originário do município de Major Sales (oeste do Estado), e desenvolve uma dança na qual o boneco do ‘Judas’ é figura central. Os homens dançam e cantam entoadas, ocultando os rostos com máscaras de tecido e trajando roupas semelhantes às encontradas pelos grupos de malhadores de ‘Judas’ do município de Venha Ver.A análise dos dados permite concluir que a origem do rito aproxima-se mais da perspectiva apontada por Ático Vilas-Boas Mota. Na observação realizada no bairro das Rocas percebemos que os bonecos assumem diferentes personalidades, inclusive a do próprio apóstolo Judas Iscariotes.
[1] Christopher Crowley. Spirit of earth. Ancient belief systems in the modern world. London: Carlton books, 2000.
[2] René Girard. A violência e o sagrado. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1998. Cap. 1, 10.Comunicação apresentada no XII Congresso brasileiro de Folclore em: 30 de agosto de 2006.
Post 3-
O Judas nosso de cada dia
No plano do imaginário cristão, ninguém representa melhor o estereótipo do traidor do que a figura de Judas Iscariotes. Segundo os textos dos evangelhos canônicos, Judas Iscariotes foi o discípulo responsável pela denúncia, prisão e consequentemente execução pública de Jesus de Nazaré. O apóstolo teria traído o seu mestre, recebendo por sua delação a quantia referente a trinta siclos, valor equivalente ao preço de um escravo. Com a prisão do nazareno, Judas teria dado provas de seu arrependimento e devolvido o dinheiro recebido das mãos dos sacerdotes judeus, cometendo suicídio, logo em seguida.Após quase dois mil anos, a memória deste fato permanece viva na cultura popular, sendo a representação do apóstolo trazida para os festejos católicos da Semana Santa. Personagem marginalizada e banida da história cristã, anualmente tem o seu drama encenado durante a véspera da Páscoa, no rito conhecido por “Malhação do Judas” ou “Queimação do Judas”, dependendo da região na qual é realizado.O ritual da Malhação do Judas tem origens em nosso país ainda no período colonial de nossa história, como atestaram os pesquisadores da cultura popular Luis da Câmara Cascudo e Ático Vilas-Boas Mota. Entretanto, o que nos chama atenção é que após quase cinco séculos a malhação permanece como um evento capaz de congregar crianças, jovens e adultos, principalmente do sexo masculino, para a reunião de materiais, confecção de um boneco representando o Judas e finalizando o rito com a aplicação da punição ao apóstolo traidor.Ainda no âmbito da cultura popular, o estado do Rio Grande do Norte possui mais uma expressão artística que tem Judas como figura central de suas apresentações, o grupo Caboclos Malhação de Judas do município de Major Sales, oeste do estado. A brincadeira, assim chamada pelos seus participantes, acontece durante os festejos da Semana Santa e segue a estrutura comum do rito: confecção do boneco, punição e dilaceração ou queimação do Judas. O grupo tem uma formação com doze ou dezesseis dançarinos que encenam seus passos a partir da batida da zabumba, do toque do pandeiro e da sanfona e triângulo. Enquanto dançam, o boneco de Judas, feito geralmente de palha de bananeira e panos, é pisoteado, recebendo golpes com os bastões que os brincantes carregam consigo. Um aspecto bastante interessante destes grupos é o uso da máscara de pano pelos dançarinos e as roupas feitas a partir de trapos de pano e a presença do bastão, confeccionado a partir da madeira da gameleira. Esta informação foi inserida neste artigo para enfatizar o caráter de permanência do rito em terras potiguares.Neste artigo, pretendemos discutir a presença do ritual da malhação do Judas em espaços sociais diferenciados: o campo e a cidade; como também apresentar as diferentes leituras que são feitas da personagem que é imolada durante o ritual.A Malhação do Judas foi objeto de nossa observação em duas áreas bem distintas: Município de Venha Ver (oeste do RN) e o Bairro das Rocas (zona leste da cidade de Natal). No ano de 2005 pudemos acompanhar os festejos da Semana Santa na cidade de Venha Ver e observamos dois grupos de malhadores de Judas: um grupo no centro da cidade e outro numa área mais afastada.Na manhã do Sábado de Aleluia, nos deparamos com o primeiro cortejo de malhadores de Judas. Este primeiro grupo era composto por adolescentes do sexo masculino com idades entre 08 aos 14 anos. Traziam uma figura confeccionada a partir da cabeça de uma boneca sobre um corpo cosido em uma manta velha. O boneco encontrava-se instalado sobre um jumento. Dois aspectos nos chamaram atenção. Primeiro, a representação do Judas havia sido composta como uma personagem feminina; segundo, todos os membros deste grupo de malhadores portavam máscaras de papel, ou tecidos sobre o rosto, usavam roupas femininas e disfarçavam a voz evitando qualquer reconhecimento.O grupo seguinte portava um boneco com a cabeça feita a partir de uma lata cilíndrica de óleo de cozinha, utilizando um boné e óculos escuros. O Judas (com vestimentas masculinas) encontrava-se assentado sobre um jumento e seu corpo havia sido preenchido com folhas secas. Ambos os grupos de malhadores pediram ‘esmolinha’ para malhar o Judas e por essa razão, traziam uma lata ou cabaça para coletar o dinheiro que seria utilizado na malhação. A hora anunciada para malhar o Judas foi a meia-noite do Sábado de Aleluia, entretanto, os lugares não nos foram revelados.Enquanto a malhação do Judas caracterizava-se como um momento lúdico para as crianças e adolescentes em Venha Ver, a passagem do boneco também motivava sentimentos piedosos nos mais velhos. Como exemplo, observamos a pressa de uma senhora (com aproximadamente 65 anos de idade), em cobrir com panos os ícones religiosos que tinha em sua casa. Quando perguntada sobre o seu gesto, a mesma nos informou que precisava proteger o “Senhor Jesus Cristo” da visão de seu traidor: o apóstolo Judas Iscariotes.Numa análise antropológica do ritual, podemos definir a malhação do Judas quanto um rito liminar e de caráter punitivo. O grupo social assume a tarefa de castigar o boneco do Judas utilizando-se de várias interpretações para justificar esta ação. Segundo Arnold Van Gennep: “As crenças religiosas expressam a consciência que a sociedade tem de si mesma, a estrutura social é creditada com poderes punitivos que a mantém existente”.No ano de 2006 deslocamos nossa observação do rito da Malhação do Judas para um novo campo: O Bairro das Rocas. Este bairro partilha de uma identidade festiva muito conhecida, sendo o lócus de agremiações de carnaval, arraiais de quadrilhas juninas e de uma sociedade para danças folclóricas desaparecidas e semi-desaparecidas.O ritual da Malhação do Judas, ainda mais forte nas cidades do interior, perdeu força na capital do Estado, o que Luis da Câmara Cascudo já havia apontado no ano de 1979. Entretanto, o Bairro das Rocas continua a produzir os seus bonecos para as celebrações da Semana Santa. O dia para a confecção do Judas é a Sexta-feira da Paixão. Após a hora do almoço, podemos acompanhar a movimentação de homens, mulheres e adolescentes no transporte e elaboração de seus bonecos.Dos muitos “Judas” espalhados pelo Bairro, acompanhamos a confecção de um boneco feito pela dirigente de uma das agremiações carnavalescas das Rocas. Este Judas foi construído a partir de sobras de alegorias do último carnaval e sua roupa foi elaborada de uma fantasia utilizada por um componente da escola de samba. Enquanto era preparado pela senhora e por seu filho adulto, o boneco era espancado e alvo de muitas brincadeiras, piadas e risos.A confecção do Judas deu-se no barracão da escola de samba, sobre uma mesa, entre troféus e lembranças de outros carnavais. A senhora responsável pela confecção do Judas nos relatou como faz o boneco: falou que o boneco de Judas é costumeiramente feio, pois sendo Iscariotes o traidor de Jesus Cristo, o mesmo não pode ser representado com beleza. Na elaboração do boneco, ela utilizou: sapatos velhos, cinto, calça, camisa, algumas vezes, macacão. A cabeça do boneco é confeccionada com a manga de uma camisa. O rosto é pintado no tecido utilizando lápis piloto.O boneco da Semana Santa de 2006 foi feito da seguinte forma:1º Costurou a camisa na calça;2º Encheu a roupa com espuma que sobrou das alegorias do último desfile do carnaval da cidade do Natal;3º Costurou a cabeça na camisa e apoiou a mesma utilizando uma vara de madeira. O tecido para a cabeça foi escolhido numa cor próximo ao tom de pele;4º Pintou a boca e o nariz, fez os olhos com pedaços de emborrachado e assim desenhou a face de Judas. O boneco estava pronto.Finalizado, foi abraçado pelos seus criadores e em seguida, sentado numa cadeira dentro do muro de casa, aguardando a hora para a sua malhação. Um aspecto que deve ser acentuado sobre este boneco de Judas é a preocupação de seus criadores em montar um Judas bem vestido e ricamente adornado, sendo por eles considerado, o boneco mais “posudo” de todo o bairro e, por isso o último que deveria ser malhado.Quando perguntamos sobre os motivos que conduziram àquela senhora e seu filho a fabricação do boneco os mesmos nos responderam que era uma “brincadeira” para divertir os meninos e jovens da rua, mas só após a malhação de todos os outros Judas das Rocas.Em seguida, verificamos a presença de outro Judas na mesma rua. Havia sido confeccionado por uma antiga moradora do bairro O boneco feito por ela, reunia peças velhas de roupas, a cabeça de uma boneca e sapatos infantis. O mesmo já apresentava a cabeça solta, minutos após ter sido colocado sobre o capô de um fusca. O que indica que a malhação do Judas não é um rito com horário estabelecido e respeitado, na verdade, a partir do momento que se posiciona o Judas num poste ou árvore, os malhadores já causam os primeiros danos ao boneco, finalizando a dilaceração com a chegada da meia-noite.Quando indagada sobre os motivos que a conduziram para elaborar um boneco de Judas, esta senhora nos afirmou que o faz há muito tempo e que é a forma que encontrou para representar Judas, o traidor de Jesus. Para ela, a malhação seria uma punição ao apóstolo pelo mesmo ter entregue o nazareno aos romanos.O boneco do Judas representa simbolicamente todo indivíduo ou coisa pela qual a comunidade nutre desavenças, guarda rancores ou rivalidades. É comum em outros estados do Brasil, durante a Semana Santa, os bonecos assumirem feições de personalidades públicas e locais, sendo posteriormente rasgados e queimadosNa análise do ritual da malhação do Judas apontamos uma dicotomia entre as interpretações dadas para o sagrado e o profano. Enquanto grupos de malhadores do boneco nas Rocas explicitam a necessidade de liberar suas tensões e sinalizar seus desafetos tanto nos planos individual e coletivo, outros malhadores fazem o boneco e ritualizam sua imolação para aliviar suas angústias espirituais aplicando castigos ao boneco representando a figura do apóstolo traidor.Os conflitos dentro da comunidade são nivelados dentro do rito, e esta é a função principal. A figura elaborada, surrada e queimada ao final da malhação tanto pode ser um sujeito ou uma coisa para a qual é transferida a aplicação das penas e castigos, imputando ao objeto estranho ao grupo a violência que pelo contrário voltaria para a comunidade.Concluindo, o ritual é bom pra resolver os conflitos seja nas Rocas ou em Venha Ver e, ao mesmo tempo, importante para transmitir os valores sociais presentes no grupo.

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