sábado, 20 de novembro de 2010

As Pedras da Fortuna

Eu era adolescente e ainda lia a revista Capricho quando vi uma edição especial na banca, toda dedicada ao estilo francês de viver. É claro que não resisti, principalmente por ser uma admiradora da cultura e arte francesas.
Além dos assuntos ligados a moda, o que mais me chamou atenção foi o endereço de um clube de correspondentes internacionais, o nome é International Pen Friends, também conhecido pelas siglas IPF. Fiquei bastante curiosa com a possibilidade de estabelecer contato com pessoas ao redor do mundo e o que era mais fascinante em tudo isso: ainda não havia e-mail! Toda a troca de correspondência seria feita através de cartas, carimbadas no correio e com muitos selos.
Tudo aconteceu no ano de 1998 e as coisas estavam muito agitadas em torno da minha vida familiar e pessoal, por essa razão, recortei aquele endereço e o guardei para o dia que teria paz e tempo suficiente para tratar daquilo como um assunto sério. Afinal o valor mais importante que estava diante de mim naquela ocasião chamava-se família.
No ano seguinte escrevi uma carta para a representante do IPF no Brasil: Joina Moura. Fiquei extremamente surpresa com a rapidez da resposta e muito ansiosa para preencher o formulário com os países que eu mais desejava conhecer: países da costa africana, Portugal, Grécia, Egito, Austrália, Inglaterra, Alemanha e, França, é claro.
Na minha primeira lista não tinha nenhum correspondente do Egito ou da Grécia, o que de certa forma foi um decepcionante. Mas havia muitos contatos dos outros países, alguns deles se transformaram em amizades duradouras, como é o caso da amiga lisboeta Ana Isabel. Entretanto, a surpresa maior foi receber uma carta de Jerusalém. Eu não havia escolhido o estado de Israel, mas alguém de lá havia escolhido um contato no Brasil e o IPF acabou enviando meu endereço para esta pessoa.
O nome do meu pen  pal é Stelios Odeh. Um cipriota , um pouco mais jovem do que eu e que morava nos arredores da cidade velha de Jerusalém. Meu novo correspondente trabalhava no hotel Glória e em poucos meses nos tornamos muito amigos. O que o diferenciava de todos os outros? A seriedade com que ele tratava a amizade entre as pessoas. Um dia, ele me enviou duas pedras, e disse que eram as “pedras da fortuna”, retiradas da área do Mar Morto. Segundo Stelios, enquanto dois amigos mantivessem suas pedras consigo, a amizade deles existiria para sempre, mesmo que fosse apenas na memória e no coração.
Continuo com as minhas pedras bem perto de mim. É a única maneira de lembrar deste amigo, que perdi o contato desde que a violência entre judeus e palestinos se intensificou em Israel. A última carta que recebi dele foi em junho de 2002, e dizia que a situação em Jerusalém estava insuportável com os constantes atentados e as sucessivas mortes de seus amigos e colegas de trabalho.
Quando li aquela carta, eu chorei. Sabia que meu amigo Stelios Odeh estava se despedindo de mim. Escrevi para ele em seguida, mas não obtive resposta por muitos anos. Dele sempre lembro, praticamente todas as vezes que toco nas nossas pedras dos amigos, mas lembrei dele de forma especial quando reencontrei uma antiga carta, a partir dela me veio a lembrança do valor da amizade.
Não precisamos deixar as pessoas sumirem de nossas vidas para dizermos o quanto elas são especiais. A amizade é um bem precioso e deve ser construída dentro de nós, de forma que ela possa se transformar numa riqueza, do tipo que faça sentido apenas para duas pessoas, uma riqueza mais valiosa que duas pedras frias retiradas de um mar que nem vida tem.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Três dias auspiciosos

Todos nós somos fascinados pela influência de determinadas datas em nosso cotidiano. Existem algumas épocas que nos excitam pela festividade que as acompanham, como o carnaval e os festejos juninos no Brasil; outras datas que nos empolgam pelo seu simbolismo, como a semana santa e as festas natalinas e há até aquelas que nos remetem ao nosso dever cívico, como os feriados de 7 de setembro, com o seu desfile em praça pública e a celebração da proclamação da república brasileira, pelos militares golpistas no 15 de novembro.
Particularmente sempre prestei bastante atenção a estes momentos, alguns deles marcados pelo rito e pelo afloramento de sentimentos variados por parte das pessoas. Lembro ainda quando criança o quanto eram importantes três dias: Dia das bruxas, dia de todos os santos e dia de finados. Normalmente íamos para a igreja, acendíamos velas em casa para nossos parentes mortos, não ouvíamos músicas ou comemorávamos qualquer coisa. O respeito pela morte dos outros era o motivo central para nos silenciarmos naqueles dias, ou pelo menos no dia de finados. Afinal, no portão de um cemitério paulista está escrito: "Nós que aqui estamos, por vós esperamos". Não é esta uma verdade?
Mas neste ano pude observar o quanto o pesar pela morte ou desencarnação de nossos parentes e amigos, tem sido pouco sentido por muitas pessoas. Além da movimentação e do comércio nos cemitérios locais, o clima não estava nada fúnebre: era apenas um grande feriado. Isso nos mostra o quanto estas práticas culturais e religiosas perdem o seu sentido diante de um mundo cada vez mais interligado. 
Do começo desta semana, ou seja, do domingo (31.10), passando pela segunda (1º.11) até a terça-feira (2.11), vivemos a sucessão de três dias auspiciosos: Dia das bruxas; Dia de todos os santos; Dia de Finados.
E qual o significado destas três datas? Por quais motivos elas aparecem juntas no calendário ocidental?
A origem remonta à Europa antiga. Segundo alguns especialistas, o povo celta que habitava a Grã-Bretanha, acreditava na existência de forças malignas e espíritos do mal. Os celtas acreditavam que os espíritos dos mortos abandonavam suas covas no cemitério na última noite do verão, ou o Samhain (31.10) para buscar os vivos. Existiam muitas deidades entre eles, as fadas eram consideradas bem reais, não apenas como parte de uma tradição oral, mas como seres que partilhavam o mesmo espaço que os celtas. Para eles, existia outro mundo, o "Otherworld" era habitado pelas divindades e os espíritos dos mortos descansavam nesta terra de sol constante e calor intenso. 
Com a cristianização, os seres da mitologia celta foram transformados em demônios e as fadas em bruxas. O dia 31 de outubro, ficou conhecido como Dia das Bruxas e as pessoas passaram a colocar determinados tipos de objetos para afastar a presença destas entidades de suas casas.
 Assim, a Igreja Católica tratou de criar um dia para a celebração de todos os santos cristãos, provavelmente no século IV, numa tentativa de arrastar as pessoas para seu modelo de crença, a partir do exemplo dos primeiros mártires e religiosos católicos. Séculos depois, ela estabeleceu um único dia para a celebração aos mortos. Desta vez, os vivos fariam o caminho inverso: visitariam os cemitérios com flores, velas e preces, como oferendas para os espíritos dos parentes mortos. Os mortos não retornavam mais para fazer mal aos vivos. Eram os vivos que  ultrapassavam o limiar e se encontravam no espaço da morte, para rememorar aqueles que tinham vivido entre eles.
Lendo o Dicionário de Simbologia de Manfred Lurker, fica claro para mim que os dias que vão de 31 de outubro até 02 de novembro tratam da morte e da sua representação em diferentes contextos históricos e sociais e o que é mais importante, ela é tomada como a ponte entre o mundo do além (otherworld) e o mundo dos vivos, ou nas palavras de Lurker: "apenas uma passagem para outro estado".

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