segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O papel da cruz


O homem é o único ser capaz de viver a experiência de simbolizar e construir representações em torno da realidade que o cerca. A religião e os sistemas de crenças são uma prova de ambas as capacidades humanas e refletem o valor dos signos dentro do processo de formação das sociedades. Segundo Azevedo (2002: 13): “A religião, desde a mais remota antiguidade, tem sido para o homem um conjunto de sistemas codificados da fé, da crença em uma instância e transcendente da materialidade, ligada à propensão e capacidade básica humana de simbolização”.
Assim, os símbolos fazem parte do pensamento religioso e carregam uma riqueza de significados que nos ajudam a entender a formação das crenças. Um exemplo é a simbologia da cruz. A cruz já era bastante difundida em vários sistemas de crenças. Desde o Egito antigo que o símbolo da cruz já era aceito como uma representação da vida divina e humana. Para os egípcios, a cruz ankh ou ansada também simbolizava a chave do conhecimento e comunicava a relação existente entre os dois elementos naturais: água e ar. Além dessas representações, a cruz ankh era associada aos ritos funerários e representava uma passagem segura para a vida pós-morte (MALLON, 2009, p.12).


No cristianismo, é a partir do apóstolo Paulo que a cruz ganha o sentido da ressurreição, simbolizando a redenção a partir da confirmação em nome de Jesus Cristo. Manfred Lurker (2003:176), afirma que na Síria está a origem do costume de colocar uma cruz de madeira no canto oriental dos cômodos simbolizando a chegada do Messias. Os primeiros padres da igreja atribuíram à cruz a representação da vitória sobre a morte e as trevas e assim permanece dentro do catolicismo. Mas a cruz só é de fato incorporada na cultura cristã após a abolição da punição da crucificação pelo imperador Teodósio Magno. Lurker afirma ainda que a partir do século XI a cruz é incorporada aos altares das igrejas e que assume características mágicas nas sociedades tradicionais.
No Rio Grande do Norte, o município de Venha Ver possui a tradição entre os moradores mais velhos do uso de um símbolo no qual eles depositam suas esperanças para que o mesmo aja como um escudo lhes protegendo de todo o mal, seja natural, como ventanias e tempestades ou de origem espiritual, como mau olhado. Este objeto se configura como uma cruz latina trançada a partir das palhas do coqueiro e de outras plantas encontradas facilmente na região como capim santo, flor de laranjeira e cidreira. Este “amuleto” é depositado na porta principal da casa para sinalizar proteção divina. (MENDES, 2004)
Em Venha Ver os ritos da Semana Santa são vivenciados de forma coletiva e suas práticas usuais são respeitadas e partilhadas pelas diferentes faixas etárias da população, apesar da presença de depoimentos descontentes com o afastamento voluntário dos ritos católicos, principalmente entre os jovens. Durante nossa estadia naquele município observamos diversas práticas relevantes da Semana Santa, tais como a confecção de uma cruz de palha no Domingo de Ramos (Mt 21:1-11), que é benta pelo padre local na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Retornando para casa, após a missa, as folhas e palhas abençoadas são entrelaçadas no formato de uma cruz latina que é fixada na porta de entrada (no caso, de Capim Santo), guardada para a realização de chás curativos. A população local credita diversos poderes a esta cruz de palha e confia que a mesma possa livrar a família e a casa de doenças, mau-olhado, ventos fortes e tempestades lhe atribuindo méritos e qualidades, já que a cruz seria portadora de energia benéfica e protetora. (MENDES, 2007).
Investigamos a associação entre a cruz de palha com a prática judaica de colocar um mezuzá (caixa contendo os trechos da shemá) na ombreira direita das portas, assumindo este objeto o papel de “amuleto” para o lar e a família que o habita, da mesma forma que o símbolo cristão no município de Venha Ver. Entretanto, através da etnografia, os dados e depoimentos coletados confirmaram a força da religiosidade católica na permanência dessa prática. Percorremos cinco comunidades do município e só fizemos a observação de cruzes latinas, não havendo registro de qualquer exemplar em forma de hexágono, o que confirma a nossa ideia de que a simbologia da cruz é hábito cristão, característico do catolicismo popular, o que afasta a hipótese de ser costume de origem judaica.
Referências bibliográficas:
AZEVEDO, Carlos do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2002.
LURKER, Manfred. Dicionário de simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MALLON, Brenda. Os símbolos místicos. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009.
MENDES, Andreia Regina Moura. Venha Ver a cruz de palha e seus poderes: uma referência ao mezuzá judaico? Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2004. Monografia apresentada na especialização em Antropologia Social-PPGAS.
MENDES, Andreia Regina Moura Mendes. Malhação do Judas: rito e identidade. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007. Dissertação apresentada ao mestrado em Antropologia Social- PPGAS.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Antropologia: uma chave para a compreensão do homem


Esse breve esboço apresenta um resumo sobre o tópico Antropologia: uma chave para compreensão do homem, escrito por Laplantine

Trabalhadores. Sebastião Salgado.



l  No final do século XVIII o homem tornou-se o objeto do conhecimento de um saber científico constituído na época do Iluminismo.
l  No século XIX a observação sobre homem se limitava ao “estudo das populações que não pertencem à civilização ocidental”.
l  Com o desenvolvimento das políticas colonialistas, os primeiros antropólogos estavam concentrados na investigação das chamadas sociedades simples ou primitivas.
l  O século XX exige da Antropologia o estudo do homem em sua totalidade e em todas as sociedades, ou seja “levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano”.
Principal área de atuação antropológica
·         Antropologia Social ou Cultural: diz respeito a tudo que constitui uma sociedade, seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas.
O estudo do homem em sua diversidade
·         A Antropologia é o estudo de todas as sociedades, inclusive a nossa.
·         Preocupa-se com as culturas da humanidade como um todo, em sua diversidade histórica e geográfica.
·         Necessidade do exercício do relativismo: “presos à uma única cultura somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa”.
·         O conhecimento antropológico de nossa cultura exige o conhecimento das outras culturas.
·         A unidade humana reside na sua aptidão quase infinita para inventar modos de vida e formas de organização social diversas, ou seja, a variação cultural.
·         O projeto antropológico consiste no conhecimento, reconhecimento e compreensão de uma humanidade plural.
“Eu sou mil possíveis em mim, mas não posso me resignar a querer apenas um deles”. Roger Bastide.

l  A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade com a humanidade, e correlativamente deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós mesmos.
l  O homem é capaz de estudar cientificamente o homem?
l  Antropologia Social: estudo das instituições.
l  Antropologia Cultural: estudo dos comportamentos.
l  Pluralidade irredutível das etnias ou unidade do gênero humano?
Urgências da Antropologia
l  Preservação dos patrimônios culturais locais ameaçados.
  Análise das mutações culturais
Referência bibliográfica:

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.

Dia de Reis e os sentidos desse evento para nossa história

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