quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Menor-Aprendiz

Em 13 de março de 1992, uma sexta-feira, comecei a minha primeira jornada no mundo do trabalho. Era de manhã bem cedo quando meu pai me deixou em frente à agência Centro do Banco do Brasil na Avenida Rio Branco. Respirei fundo e lembrei da antiga fórmula "dextro pede" para dar boa sorte.
Mas dentro da agência já estava uma adolescente que acabou ocupando a vaga que me estava destinada. Saí dali em direção à uma nova rua: General Glicério. O centro de processamento de dados do Banco do Brasil devia ter alguma função para eu ocupar. Nunca havia caminhado pela Ribeira, mas encontrei um carteiro no meio do caminho e ele me deixou em frente ao meu novo destino. Ainda hoje lembro dos tijolos amarelos que cobriam a fachada do prédio.
Todos nós adolescentes entre 14 e 15 anos entramos no Banco do Brasil como Menor-Aprendiz. Tínhamos carteira assinada, acesso ao serviço médico chamado Cassi e ainda direito na participação dos lucros do banco. Recebíamos um salário mínimo e o mesmo valor em vales, que eu entregava mensalmente para a minha mãe.
Eram apenas quatro horas de trabalho por dia, no desempenho de diferentes atividades dentro dos diversos setores do CESEC Natal, mas o clima de cordialidade e aprendizagens múltiplas era constante.
Foi no Banco do Brasil que tomei a decisão de ser antropóloga, aos 15 anos de idade, mas orientada pelo funcionário Antonio Potiguar, ainda hoje meu amigo, pensei em cursar história ou ciências sociais antes.
Entre os colegas de banco encontrei Licínio, que me emprestava livros fantásticos da Time Life, abertos e lidos por mim, muito antes dele ter folheado.
A Biblioteca do Banco do Brasil, com sede no Rio de Janeiro foi uma fonte de saberes e culturas. Li de tudo que me caía nas mãos e muitas daquelas leituras me formaram moralmente e psicologicamente.
Ser Menor-Aprendiz só tinha um inconveniente, usar aquela farda composta por uma calça Herbus e uma camisa pólo com o nome do banco gravado no bolso. Ainda está na minha memória o dia que o chefe do CESEC me chamou atenção por ter removido a etiqueta da calça.
Cada chefe me ensinava algo novo e útil, um deles de forma punitiva me educou na arte de fazer as coisas bem feitas. Certa vez, Marcos me chamou e disse para eu carimbar um relatório. Como faltavam minutos para a minha saída, eu carimbei em todos os ângulos e direções, como forma de protesto diante daquela solicitação tão na hora do fim do meu expediente. Resultado?
Marcos enfurecido me chamou no canto, me entregou um novo relatório RDB, e disse: "Comigo é assim, se varrer a casa mal varrida uma vez, irá varrer duas". Lição aprendida e preservada.
E o que motivou este post? Encontrei por acaso no orkut uma comunidade sobre Menor-Aprendiz.
Foi muito interessante ver tantos adultos gratos pelas experiências vividas nas diversas agências e Cesecs espalhados pelo Brasil e perceber que ainda existem muitos adolescentes cheios de sonhos e perspectivas em torno de uma instituição com 200 anos de idade. O Banco do Brasil foi minha primeira escola profissionalizante, e o curso que fiz lá me preparou para a vida.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Espaço criado para reflexões em torno da história, antropologia e comunicação social. Seja bem vindo e que a Musa Clio nos inspire.
Abraço:
Andreia Regina

A mulher do Judas

"A mulher do Judas", foi assim que o folclorista e estudioso da cultura popular Deífilo Gurgel me chamou quando nos conhecemos no Congresso Nacional do Folclore. De fato, desde 2003 que a temática da Inquisição e perseguição aos cristãos-novos me acompanha como foco de minhas leituras e reflexões, mas Judas chegou um pouco depois, nos estudos para o mestrado, e continua até agora em parte de meus trabalhos e apresentações em congressos.
Na primeira semana de setembro, participei do XIV CISO, evento patrocinado pela UFRPE e pela Fundação Joaquim Nabuco, e mais uma vez o tema foi Judas. O trabalho foi um novo olhar sobre meu objeto de pesquisa: Uma festa para o Judas.
Este post terá algumas postagens que fiz num primeiro blog chamado Malhação do Judas.
Post 1-
O valor que o Judas tem
A recente divulgação do Evangelho de Judas está abalando o mundo acadêmico. O documento de 1,7 mil anos apresenta uma nova versão do apóstolo acusado de trair Jesus de Nazaré e, ao mesmo tempo re­vela outras possibilidades de leitura sobre as vertentes místicas do cristianismo.Os pergaminhos foram encontrados no Egito e apontam para a ne­cessidade de um revisionismo da história do cristianismo e da sua fi­gura mais odiada: Judas Iscariotes.Judas nos aparece como uma personagem construída pelo imaginá­rio popular tendo sua verdadeira origem sido apagada pelas mãos dos cristãos mais ortodoxos Hoje ele é visto não apenas como aquele que vendeu o seu próprio mestre por 30 talentos, mas também como exemplo de alguém traidor, ganancioso e que comete outro crime ao final da vida, o suicídio em função do remorso sentido.O filme Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson explora esta visão do apóstolo e insufla os sentimentos anti-semitas, que tantos conflitos já alimentaram.Numa análise dos contextos locais percebemos que a nossa cultura precisa da figura do Judas, não a recém divulgada pela descoberta do evangelho apócrifo, mas daquela criada ao longo da história cristã. O palco para esta análise foi o bairro das Rocas, zona leste de Natal.Na época da Semana Santa nos deslocamos pelas ruas da comunida­de para realizar uma observação do ritual da malhação do Judas. Conversando com os moradores locais coletamos diversos depoi­mentos nos quais, o boneco enforcado no poste e pronto para ser ma­lhado não correspondia à figura presente nos textos bíblicos.O boneco do Judas assume as mais diversas representações e quase sempre estas revelam um tom de crítica social e, alguns sinais de cli­vagem e de disputa dentro do próprio bairro. -Os mais antigos afirmam que a confecção do Judas era uma espécie de punição pela traição do discípulo e que a sua imolação no romper do sábado de aleluia significava a vitória do Cristo sobre a morte e sobre todo o mal.Entretanto, atualmente apenas os mais velhos possuem esta visão em torno da malhação do Judas. Para os jovens do bairro das Rocas, o que prevalece é a brincadeira violenta e muitas vezes as disputas pêlos bonecos das ruas vizinhas, logo, de outros grupos de convívio, refor­çando o caráter de rivalidade existente na comunidade.A malhação do Judas envolve todas as idades e ao mesmo tempo . provoca sentimentos diferentes nas pessoas que interagem.com o rito. Entretanto, o que todos esperam é que o boneco seja malhado numa espécie de catarse coletiva.Voltando ao achado histórico, o Evangelho de Judas reabilita o dis­cípulo como o único que entendeu a mensagem de Jesus e o libertou da prisão da carne, contribuindo desta forma para que Cristo cumpris­se com seu papel.Porém, mesmo que ocorra esta assimilação por parte do credo cris­tão, a cultura popular vai continuar confeccionando os seus bonecos de Judas, pelo fato dos mesmos terem um significado além daquele pregado nos evangelhos bíblicos.O valor que o Judas tem na comunidade das Rocas pode jamais ser alterado pela história e, o seu sentido deve permanecer ligado às ne­cessidades de expressão e de escape de uma realidade social construí­da e ao mesmo tempo renovada, como o próprio rito da malhação, como a própria figura do apóstolo Judas Iscariotes.
Artigo publicado no Jornal de Hoje em: 30 de junho de 2006.
Post 2-
A identidade do Judas na Semana Santa
Da mesma forma que persiste uma lacuna na produção historiográfica sobre o personagem histórico Judas Iscariotes, a antropologia social carece de estudos significativos sobre o rito da malhação do Judas. Assim, a dificuldade em coletar material historiográfico é também relativa aos registros etnográficos sobre a ‘queimação’, ‘malhação’ ou ‘brincadeira’ do ‘Judas’.Estas limitações impedem de realizar um estudo comparativo sobre a evolução do rito e das motivações que conduziram os participantes da malhação ao longo dos mais de três séculos da presença desta ‘brincadeira’ em terras brasileiras.Para nossos fins, as únicas referências sobre o rito da malhação-do-Judas foram elaboradas pelos folcloristas e pesquisadores da cultura popular. No Rio Grande do Norte, coube a Luís da Câmara Cascudo examinar as representações construídas em torno da figura do judeu (2001: 102) e sobre a queimação-do-Judas (1979: 417-419).Sobre os motivos que conduzem as pessoas a queimar ou malhar o boneco do ‘Judas’, Cascudo buscou explicações nos estudos produzidos pelos antropólogos evolucionistas, como Sir James Frazer. Segundo o folclorista, o ‘Judas’ seria a personificação do mal e a existência deste rito teria suas origens no paganismo[1], com a introdução dos cultos agrários e as festas da colheita, ocasiões nas quais era queimado um boneco representando uma divindade da vegetação. Assim, através do fogo, haveria uma renovação da vida espiritual e a garantia de boas colheitas.O folclorista Ernesto Veiga de Oliveira tratou do rito da malhação-do-Judas em Portugal (1974), também é chamado de ‘queima-do-Judas’. O rito acontece na noite ou madrugada do Sábado de Aleluia, quando os bonecos, sempre caracterizados com traços grosseiros e caricaturais, são amarrados em postes de cinco a seis metros de altura, aguardando a hora para serem queimados. O pesquisador aponta a presença de um testamento indicativo da animosidade vingativa do povo. Na sua análise, o rito faz parte dos festejos populares e os caracteriza apenas como mero divertimento. Para ele, as origens, razões e elementos constitutivos atuais diferem bastante da forma como foi concebido o rito. O ‘Judas’ pendurado no poste e depois queimado não representaria o apóstolo Iscariotes, fato que pode ser atestado pelas diferentes denominações que o boneco recebe em outros países europeus.Para Veiga de Oliveira, a personagem queimada tem sua origem em cultos proto-históricos assimilados pelo cristianismo, que aponta na perspectiva anteriormente citada por Câmara Cascudo, indicação de que a personagem e a sua queima são originárias da celebração de outro fato. Veiga de Oliveira indica ainda a possibilidade de interpretar a queima-do-Judas como uma espécie de imolação simbólica, derivada dos antigos sacrifícios humanos. Uma morte ritual[2] que espera a personagem para que a mesma possa, com o seu sacrifício, renovar as forças da natureza.Outro folclorista brasileiro, Ático Vilas-Boas da Mota dedicou-se à análise da queimação-do-Judas (1987). O seu método de coleta de informações para o trabalho consistiu no envio de questionários para diversas entidades, com o objetivo de esclarecer algumas questões em torno da malhação-do-Judas na região Nordeste. Segundo os dados levantados, a queimação-do-Judas ocorre no sábado da semana de Páscoa, o Sábado de Aleluia, e também pode ser chamada de ‘enforcamento’ ou ‘malhação’, dependendo do Estado nordestino.Quanto às origens do ritual, informa que o rito tem raízes históricas, defendendo a tese de que a malhação-do-Judas se caracterizava quanto ‘resíduo folclórico’, nesse caso, uma sobrevivência dos autos de fé da Inquisição portuguesa. Ele defende ainda que a malhação do boneco fosse um vestígio da prática inquisitorial de queimar a representação de um condenado que tenha morrido antes da aplicação da pena. Esta punição era conhecida por ‘queimação em efígie’.Segundo Mota, os bonecos são representações de personalidades públicas, moradores locais e políticos, ou seja, todo aquele que possa ser identificado como alguém mal-visto ou pouco quisto na comunidade. A elaboração e leitura de um testamento do ‘Judas’ antecedem a malhação do boneco, assinalando a função catártica para o grupo que o redige.No campo das manifestações da cultura popular, o Rio Grande do Norte possui um grupo folclórico denominado Malhadores do Judas. Este grupo é originário do município de Major Sales (oeste do Estado), e desenvolve uma dança na qual o boneco do ‘Judas’ é figura central. Os homens dançam e cantam entoadas, ocultando os rostos com máscaras de tecido e trajando roupas semelhantes às encontradas pelos grupos de malhadores de ‘Judas’ do município de Venha Ver.A análise dos dados permite concluir que a origem do rito aproxima-se mais da perspectiva apontada por Ático Vilas-Boas Mota. Na observação realizada no bairro das Rocas percebemos que os bonecos assumem diferentes personalidades, inclusive a do próprio apóstolo Judas Iscariotes.
[1] Christopher Crowley. Spirit of earth. Ancient belief systems in the modern world. London: Carlton books, 2000.
[2] René Girard. A violência e o sagrado. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1998. Cap. 1, 10.Comunicação apresentada no XII Congresso brasileiro de Folclore em: 30 de agosto de 2006.
Post 3-
O Judas nosso de cada dia
No plano do imaginário cristão, ninguém representa melhor o estereótipo do traidor do que a figura de Judas Iscariotes. Segundo os textos dos evangelhos canônicos, Judas Iscariotes foi o discípulo responsável pela denúncia, prisão e consequentemente execução pública de Jesus de Nazaré. O apóstolo teria traído o seu mestre, recebendo por sua delação a quantia referente a trinta siclos, valor equivalente ao preço de um escravo. Com a prisão do nazareno, Judas teria dado provas de seu arrependimento e devolvido o dinheiro recebido das mãos dos sacerdotes judeus, cometendo suicídio, logo em seguida.Após quase dois mil anos, a memória deste fato permanece viva na cultura popular, sendo a representação do apóstolo trazida para os festejos católicos da Semana Santa. Personagem marginalizada e banida da história cristã, anualmente tem o seu drama encenado durante a véspera da Páscoa, no rito conhecido por “Malhação do Judas” ou “Queimação do Judas”, dependendo da região na qual é realizado.O ritual da Malhação do Judas tem origens em nosso país ainda no período colonial de nossa história, como atestaram os pesquisadores da cultura popular Luis da Câmara Cascudo e Ático Vilas-Boas Mota. Entretanto, o que nos chama atenção é que após quase cinco séculos a malhação permanece como um evento capaz de congregar crianças, jovens e adultos, principalmente do sexo masculino, para a reunião de materiais, confecção de um boneco representando o Judas e finalizando o rito com a aplicação da punição ao apóstolo traidor.Ainda no âmbito da cultura popular, o estado do Rio Grande do Norte possui mais uma expressão artística que tem Judas como figura central de suas apresentações, o grupo Caboclos Malhação de Judas do município de Major Sales, oeste do estado. A brincadeira, assim chamada pelos seus participantes, acontece durante os festejos da Semana Santa e segue a estrutura comum do rito: confecção do boneco, punição e dilaceração ou queimação do Judas. O grupo tem uma formação com doze ou dezesseis dançarinos que encenam seus passos a partir da batida da zabumba, do toque do pandeiro e da sanfona e triângulo. Enquanto dançam, o boneco de Judas, feito geralmente de palha de bananeira e panos, é pisoteado, recebendo golpes com os bastões que os brincantes carregam consigo. Um aspecto bastante interessante destes grupos é o uso da máscara de pano pelos dançarinos e as roupas feitas a partir de trapos de pano e a presença do bastão, confeccionado a partir da madeira da gameleira. Esta informação foi inserida neste artigo para enfatizar o caráter de permanência do rito em terras potiguares.Neste artigo, pretendemos discutir a presença do ritual da malhação do Judas em espaços sociais diferenciados: o campo e a cidade; como também apresentar as diferentes leituras que são feitas da personagem que é imolada durante o ritual.A Malhação do Judas foi objeto de nossa observação em duas áreas bem distintas: Município de Venha Ver (oeste do RN) e o Bairro das Rocas (zona leste da cidade de Natal). No ano de 2005 pudemos acompanhar os festejos da Semana Santa na cidade de Venha Ver e observamos dois grupos de malhadores de Judas: um grupo no centro da cidade e outro numa área mais afastada.Na manhã do Sábado de Aleluia, nos deparamos com o primeiro cortejo de malhadores de Judas. Este primeiro grupo era composto por adolescentes do sexo masculino com idades entre 08 aos 14 anos. Traziam uma figura confeccionada a partir da cabeça de uma boneca sobre um corpo cosido em uma manta velha. O boneco encontrava-se instalado sobre um jumento. Dois aspectos nos chamaram atenção. Primeiro, a representação do Judas havia sido composta como uma personagem feminina; segundo, todos os membros deste grupo de malhadores portavam máscaras de papel, ou tecidos sobre o rosto, usavam roupas femininas e disfarçavam a voz evitando qualquer reconhecimento.O grupo seguinte portava um boneco com a cabeça feita a partir de uma lata cilíndrica de óleo de cozinha, utilizando um boné e óculos escuros. O Judas (com vestimentas masculinas) encontrava-se assentado sobre um jumento e seu corpo havia sido preenchido com folhas secas. Ambos os grupos de malhadores pediram ‘esmolinha’ para malhar o Judas e por essa razão, traziam uma lata ou cabaça para coletar o dinheiro que seria utilizado na malhação. A hora anunciada para malhar o Judas foi a meia-noite do Sábado de Aleluia, entretanto, os lugares não nos foram revelados.Enquanto a malhação do Judas caracterizava-se como um momento lúdico para as crianças e adolescentes em Venha Ver, a passagem do boneco também motivava sentimentos piedosos nos mais velhos. Como exemplo, observamos a pressa de uma senhora (com aproximadamente 65 anos de idade), em cobrir com panos os ícones religiosos que tinha em sua casa. Quando perguntada sobre o seu gesto, a mesma nos informou que precisava proteger o “Senhor Jesus Cristo” da visão de seu traidor: o apóstolo Judas Iscariotes.Numa análise antropológica do ritual, podemos definir a malhação do Judas quanto um rito liminar e de caráter punitivo. O grupo social assume a tarefa de castigar o boneco do Judas utilizando-se de várias interpretações para justificar esta ação. Segundo Arnold Van Gennep: “As crenças religiosas expressam a consciência que a sociedade tem de si mesma, a estrutura social é creditada com poderes punitivos que a mantém existente”.No ano de 2006 deslocamos nossa observação do rito da Malhação do Judas para um novo campo: O Bairro das Rocas. Este bairro partilha de uma identidade festiva muito conhecida, sendo o lócus de agremiações de carnaval, arraiais de quadrilhas juninas e de uma sociedade para danças folclóricas desaparecidas e semi-desaparecidas.O ritual da Malhação do Judas, ainda mais forte nas cidades do interior, perdeu força na capital do Estado, o que Luis da Câmara Cascudo já havia apontado no ano de 1979. Entretanto, o Bairro das Rocas continua a produzir os seus bonecos para as celebrações da Semana Santa. O dia para a confecção do Judas é a Sexta-feira da Paixão. Após a hora do almoço, podemos acompanhar a movimentação de homens, mulheres e adolescentes no transporte e elaboração de seus bonecos.Dos muitos “Judas” espalhados pelo Bairro, acompanhamos a confecção de um boneco feito pela dirigente de uma das agremiações carnavalescas das Rocas. Este Judas foi construído a partir de sobras de alegorias do último carnaval e sua roupa foi elaborada de uma fantasia utilizada por um componente da escola de samba. Enquanto era preparado pela senhora e por seu filho adulto, o boneco era espancado e alvo de muitas brincadeiras, piadas e risos.A confecção do Judas deu-se no barracão da escola de samba, sobre uma mesa, entre troféus e lembranças de outros carnavais. A senhora responsável pela confecção do Judas nos relatou como faz o boneco: falou que o boneco de Judas é costumeiramente feio, pois sendo Iscariotes o traidor de Jesus Cristo, o mesmo não pode ser representado com beleza. Na elaboração do boneco, ela utilizou: sapatos velhos, cinto, calça, camisa, algumas vezes, macacão. A cabeça do boneco é confeccionada com a manga de uma camisa. O rosto é pintado no tecido utilizando lápis piloto.O boneco da Semana Santa de 2006 foi feito da seguinte forma:1º Costurou a camisa na calça;2º Encheu a roupa com espuma que sobrou das alegorias do último desfile do carnaval da cidade do Natal;3º Costurou a cabeça na camisa e apoiou a mesma utilizando uma vara de madeira. O tecido para a cabeça foi escolhido numa cor próximo ao tom de pele;4º Pintou a boca e o nariz, fez os olhos com pedaços de emborrachado e assim desenhou a face de Judas. O boneco estava pronto.Finalizado, foi abraçado pelos seus criadores e em seguida, sentado numa cadeira dentro do muro de casa, aguardando a hora para a sua malhação. Um aspecto que deve ser acentuado sobre este boneco de Judas é a preocupação de seus criadores em montar um Judas bem vestido e ricamente adornado, sendo por eles considerado, o boneco mais “posudo” de todo o bairro e, por isso o último que deveria ser malhado.Quando perguntamos sobre os motivos que conduziram àquela senhora e seu filho a fabricação do boneco os mesmos nos responderam que era uma “brincadeira” para divertir os meninos e jovens da rua, mas só após a malhação de todos os outros Judas das Rocas.Em seguida, verificamos a presença de outro Judas na mesma rua. Havia sido confeccionado por uma antiga moradora do bairro O boneco feito por ela, reunia peças velhas de roupas, a cabeça de uma boneca e sapatos infantis. O mesmo já apresentava a cabeça solta, minutos após ter sido colocado sobre o capô de um fusca. O que indica que a malhação do Judas não é um rito com horário estabelecido e respeitado, na verdade, a partir do momento que se posiciona o Judas num poste ou árvore, os malhadores já causam os primeiros danos ao boneco, finalizando a dilaceração com a chegada da meia-noite.Quando indagada sobre os motivos que a conduziram para elaborar um boneco de Judas, esta senhora nos afirmou que o faz há muito tempo e que é a forma que encontrou para representar Judas, o traidor de Jesus. Para ela, a malhação seria uma punição ao apóstolo pelo mesmo ter entregue o nazareno aos romanos.O boneco do Judas representa simbolicamente todo indivíduo ou coisa pela qual a comunidade nutre desavenças, guarda rancores ou rivalidades. É comum em outros estados do Brasil, durante a Semana Santa, os bonecos assumirem feições de personalidades públicas e locais, sendo posteriormente rasgados e queimadosNa análise do ritual da malhação do Judas apontamos uma dicotomia entre as interpretações dadas para o sagrado e o profano. Enquanto grupos de malhadores do boneco nas Rocas explicitam a necessidade de liberar suas tensões e sinalizar seus desafetos tanto nos planos individual e coletivo, outros malhadores fazem o boneco e ritualizam sua imolação para aliviar suas angústias espirituais aplicando castigos ao boneco representando a figura do apóstolo traidor.Os conflitos dentro da comunidade são nivelados dentro do rito, e esta é a função principal. A figura elaborada, surrada e queimada ao final da malhação tanto pode ser um sujeito ou uma coisa para a qual é transferida a aplicação das penas e castigos, imputando ao objeto estranho ao grupo a violência que pelo contrário voltaria para a comunidade.Concluindo, o ritual é bom pra resolver os conflitos seja nas Rocas ou em Venha Ver e, ao mesmo tempo, importante para transmitir os valores sociais presentes no grupo.

domingo, 6 de setembro de 2009

O Galo enquanto signo na cultura

Graças às suas características, como o seu canto ao amanhecer e a sua crista vermelha, o galo foi inicialmente associado ao sol e à luz, visto ainda enquanto o mensageiro da chegada de um novo dia.
Desde a antiguidade o galo é signo da coragem e da proteção ao lar. Os germanos fizeram dele o senhor das fronteiras entre o mundo dos vivos e dos mortos, e os cristãos o adotaram como sinal do triunfo sobre a morte.
Na arquitetura tumular e nas igrejas ainda é comum encontrar a figura do galo. Em Natal a Igreja de Santo Antonio, rico exemplar do barroco, possui um galo no alto de sua torre, com a dupla função de proteger contra os raios, mas também sinalizar a verdadeira luz.
Na linguagem dos sonhos, o galo pode anunciar alegria e felicidade, como também a chegada de um novo amor. Mas caso no sonho, o galo encontra-se em disputa com outro, a cultura popular interpreta como mau agouro, sinal de desavenças e decepções na família.
Quanto na heráldica, o galo é o responsável por dizer as horas e o novo amanhecer, nos brasões da nobreza européia, representa ainda a coragem, a perseverança e a política. É o símbolo do herói, aquele vence o opositor depois de uma luta árdua.
Na cultura brasileira, o galo é símbolo de potência e autoridade, sendo a sua presença marcante em ditos populares e na arte popular. De Portugal veio o Galo de Barcelos, o Rio Grande do Norte nos ofereceu o Galo de cerâmica cozida e colorida.
O Galo é a presença sutil, mas firme na cultura popular, signo de muitos significados, símbolo de audácia e anúncios, força que se renova em cada amanhecer.

Texto produzido para Exposição no Centro de Educação Integrada em comemoração ao XVII Festival de Folclore e Cultura Popular.

Dia de Reis e os sentidos desse evento para nossa história

 Dia de Reis Magos e os sentidos desse evento para nossa história Está escrito no Evangelho de Mateus, 2:1, (...) eis que magos vieram do Or...