Eu era adolescente e ainda lia a revista Capricho quando vi uma edição especial na banca, toda dedicada ao estilo francês de viver. É claro que não resisti, principalmente por ser uma admiradora da cultura e arte francesas.
Além dos assuntos ligados a moda, o que mais me chamou atenção foi o endereço de um clube de correspondentes internacionais, o nome é International Pen Friends, também conhecido pelas siglas IPF. Fiquei bastante curiosa com a possibilidade de estabelecer contato com pessoas ao redor do mundo e o que era mais fascinante em tudo isso: ainda não havia e-mail! Toda a troca de correspondência seria feita através de cartas, carimbadas no correio e com muitos selos.
Tudo aconteceu no ano de 1998 e as coisas estavam muito agitadas em torno da minha vida familiar e pessoal, por essa razão, recortei aquele endereço e o guardei para o dia que teria paz e tempo suficiente para tratar daquilo como um assunto sério. Afinal o valor mais importante que estava diante de mim naquela ocasião chamava-se família.
No ano seguinte escrevi uma carta para a representante do IPF no Brasil: Joina Moura. Fiquei extremamente surpresa com a rapidez da resposta e muito ansiosa para preencher o formulário com os países que eu mais desejava conhecer: países da costa africana, Portugal, Grécia, Egito, Austrália, Inglaterra, Alemanha e, França, é claro.
Na minha primeira lista não tinha nenhum correspondente do Egito ou da Grécia, o que de certa forma foi um decepcionante. Mas havia muitos contatos dos outros países, alguns deles se transformaram em amizades duradouras, como é o caso da amiga lisboeta Ana Isabel. Entretanto, a surpresa maior foi receber uma carta de Jerusalém. Eu não havia escolhido o estado de Israel, mas alguém de lá havia escolhido um contato no Brasil e o IPF acabou enviando meu endereço para esta pessoa.
O nome do meu pen pal é Stelios Odeh. Um cipriota , um pouco mais jovem do que eu e que morava nos arredores da cidade velha de Jerusalém. Meu novo correspondente trabalhava no hotel Glória e em poucos meses nos tornamos muito amigos. O que o diferenciava de todos os outros? A seriedade com que ele tratava a amizade entre as pessoas. Um dia, ele me enviou duas pedras, e disse que eram as “pedras da fortuna”, retiradas da área do Mar Morto. Segundo Stelios, enquanto dois amigos mantivessem suas pedras consigo, a amizade deles existiria para sempre, mesmo que fosse apenas na memória e no coração.
Continuo com as minhas pedras bem perto de mim. É a única maneira de lembrar deste amigo, que perdi o contato desde que a violência entre judeus e palestinos se intensificou em Israel. A última carta que recebi dele foi em junho de 2002, e dizia que a situação em Jerusalém estava insuportável com os constantes atentados e as sucessivas mortes de seus amigos e colegas de trabalho.
Quando li aquela carta, eu chorei. Sabia que meu amigo Stelios Odeh estava se despedindo de mim. Escrevi para ele em seguida, mas não obtive resposta por muitos anos. Dele sempre lembro, praticamente todas as vezes que toco nas nossas pedras dos amigos, mas lembrei dele de forma especial quando reencontrei uma antiga carta, a partir dela me veio a lembrança do valor da amizade.
Não precisamos deixar as pessoas sumirem de nossas vidas para dizermos o quanto elas são especiais. A amizade é um bem precioso e deve ser construída dentro de nós, de forma que ela possa se transformar numa riqueza, do tipo que faça sentido apenas para duas pessoas, uma riqueza mais valiosa que duas pedras frias retiradas de um mar que nem vida tem.
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