sábado, 22 de agosto de 2009

"Miséria, miséria em qualquer canto"

De todas as misérias humanas, aquela que mais agride tem cheiro, mas não ter cor ou forma. O cheiro desta miséria é nauseabundo e provoca o desejo de fuga daquele lugar impregnado pelo odor da pobreza de dignidade.
Sempre pensei que a pobreza fazia os homens mais brutos e próximos dos animais, mas nunca havia visto algo que pudesse ilustrar, vergonhosamente, este pensamento.
Na sexta-feira de agosto tive a minha visão do cheiro da miséria. Estava sentada num transporte público, voltando de uma reunião na universidade, quando tive minhas narinas invadidas pelo odor de sujeira, urina, fezes e lama. Uma ânsia percorreu meu corpo e quando estava prestes à julgar a origem daquele cheiro, tive a visão do que infestava o ônibus, e para meu espanto, apesar do cheiro de coisa morta, era um ser vivo que se arrastava pelo corredor, com uma narrativa brava e repleta de indignação pela própria condição que o aflingia.
No início eu queria proteger meus sentidos de todas aquelas mensagens desagradáveis que me atingiam e a todos os que se encontravam ali, entretanto após uma reflexão, pensei que a pior situação não era a minha, mas daquele homem que com um sotaque cortado por monossilábicos "meu", esbravejava contando uma história sobre a reação dele diante de um assalto e que o teria deixado naquela condição.
É claro que a dúvida sobre a veracidade daquela narrativa me ocorreu primeiro do que qualquer sentimento piedoso, que o pouco cristianismo que absorvi poderia provocar.
Ao passar ao lado do meu banco ele me olhou com olhos injetados e disse: "a beleza não dura para sempre". E essa é a grande lição. A miséria está em qualquer canto, não apenas naquela figura sem nenhuma dignidade, mas dentro de cada um de nós, na nossa apatia diante da vida dos outros e no nosso excesso de interesse pela banalidade. O nosso descaso social gera a miséria e enquanto não abrirmos nossa mente para a necessidade de um engajamento maior da sociedade civil, ainda seremos envolvidos pelo odor da miséria e, o cheiro da pobreza vai nos acompanhar até nossa casa não apenas nas noites de sexta-feira de agosto, mas em todos os dias e meses dos anos que teremos.

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