quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um pedido de natal para o próximo tempo: melhor educação para todos.

O ano de 2011 já está acabando e precisamos refletir sobre o que fizemos para melhorar a educação. Os leitores professores podem pensar que bastava ministrar boas aulas ou, como ainda dizem alguns, passar o conteúdo. Os leitores alunos imaginam que entregar as atividades em dia e garantir boas notas também seria suficiente. Já os leitores pais de alunos acreditam que ter incentivado as habilidades de seus filhos e acompanhado seu desenvolvimento na escola ou faculdade estava de bom tamanho.
Na verdade, precisamos lembrar que a educação é o mais forte elemento de mudança social, mas como preconiza Pierre Bordieu nos seus Escritos de educação, a educação ainda está longe de oferecer a mobilidade social que precisamos em todo mundo, principalmente nos países periféricos como o Brasil. Ela ainda é uma cultura aristocrática e que atinge de forma mais eficiente a classe média e a classe rica.
Podemos acompanhar esse cenário de pouca mobilidade quando nos remetemos às universidades públicas e escolas federais e notamos que grande parte do seu alunado é composta por uma camada que recebeu uma educação diferenciada, partilhando um "capital cultural" e um ethos familiar que favoreceram sua entrada no ensino público de qualidade.
É claro que não há nenhum mal nisso, o único problema é que enquanto algumas classes reforçam um tipo de atitude relativa ao processo de educação formal, valorizando os estudos e as formações complementares, uma grande parcela da população continua alheia a esses valores e esquece de desejar e exigir uma educação de qualidade.
Minhas palavras não são baseadas apenas nas teorias que li. Na minha breve passagem pelo ensino público estadual me deparei com alunos esforçados e comprometidos com sua formação e hoje fico feliz em vê-los cursando faculdades, tanto em universidades públicas quanto privadas. Mas também havia aqueles que achavam que a melhor expectativa de vida que poderiam almejar era terminar o ensino médio e serem absorvidos pelo comércio local ou pelo sistema fabril. Infelizmente essa camada era a maioria.
Mas como podemos alterar esse quadro? Segundo o próprio Bordieu, o desejo razoável de ascensão social não pode existir se não houver chances reais de sucesso. Em outras palavras, as pessoas precisam perceber que a educação formal  lhes dará uma certeza de ascensão social e de melhor qualidade de vida para si e para os outros. É nesse momento que precisamos reforçar a importância da elaboração de políticas públicas que possam garantir tanto um ensino público de qualidade para todos quanto um espaço para crescimento e desenvolvimento dentro da sociedade. Até porque a vida e o sonho são feitos dos mesmos materiais que tecem a realidade. O meu pedido de natal para o próximo tempo: melhor educação para todos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O padre, o latifundiário e a revolução.


Revoltas e revoluções: uma breve reflexão
            As aulas de história nas escolas brasileiras de algumas poucas décadas atrás privilegiavam os aspectos político e econômico do nosso processo histórico e pouco apresentavam do quadro social que compunha esse cenário. É importante destacar que era prática corrente o estudo sobre as revoltas brasileiras e a sua divisão, nos livros didáticos, entre revoltas nativistas e revoltas separatistas. Entretanto, o estudo destes movimentos políticos e reivindicatórios carecia tanto de uma análise aprofundada sobre os contextos locais, como também de uma visão que nos possibilitasse conhecer os atores sociais envolvidos nos processos.
            A partir deste ponto, é importante lembrar que nos livros didáticos, ainda é reservado um espaço limitado para a discussão sobre as revoltas de caráter emancipacionista do começo do século XIX, e que são essenciais para a compreensão do processo de independência e suas lutas nas diferentes regiões do Brasil. Uma das maiores revoltas no Brasil Joanino foi a Revolução Pernambucana, revolta de grande alcance e de importantes repercussões na história nacional. Apesar do caráter local de suas demandas, a Revolução de 1817 foi gestada a partir de um ideário nascido no velho mundo: o pensamento crítico iluminista.
Atmosfera de revolução
Os ventos revolucionários sopravam de longe e espalhavam ideais democráticos e valores igualitários por diferentes partes do mundo. Estamos falando de um período que foi chamado pelo historiador anglo-egípcio Eric Hobsbawm (2001) de a “Era das revoluções”. Esta fase que compreende o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX é decisiva para configuração do mundo contemporâneo.
O nascimento dos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” podem ser acompanhados nas obras dos filósofos da conhecida Ilustração europeia, este movimento é também chamado de Iluminismo e teve fortes repercussões no velho e no novo mundo. Fortes (2004) indica em sua obra que, o Iluminismo representou uma atitude cultural e espiritual que procurou elaborar uma nova doutrina política e social, disseminando como princípios a universalidade, a individualidade e autonomia do sujeito ou nação.
Podemos afirmar que o princípio da autonomia individual e da nação espalhou-se no ar após a Revolução Francesa de 1789, provocando o despertar de um sentimento de nacionalismo e a busca pela ruptura com o sistema colonial no novo mundo. Assim, no continente americano, explodiram diferentes revoltas, atestando a fragilidade do sistema colonial e os seus limites. Para os grupos revolucionários o Antigo Regime havia caído na França dos Bourbon e precisava ruir na América Latina também.  
O Nordeste no olho da tormenta
No século XVIII, o Brasil conheceu diferentes movimentos políticos, sendo dado um maior destaque na historiografia para a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, esta última com clara influência jacobina. Entretanto, no século XIX, explodiu nas capitanias nordestinas um grande movimento que almejava o fim do pacto colonial e a criação de uma república democrática: A revolução de 1817 ou Revolução pernambucana.
É interessante destacar que a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarve, no ano de 1808, nada alterou nas relações entre o Estado e as províncias nordestinas. A situação de exploração, taxações indevidas e descaso com os problemas locais apenas aprofundou os problemas da região, alguns deles agravados por longos períodos de estiagem.
Muitos dos relatos que conhecemos hoje sobre o período, encontram-se nas crônicas de viajantes e são de grande importância para a compreensão das transformações políticas, econômicas e sociais no Brasil do século XIX. Um exemplo interessante é a forma como podemos perceber a atmosfera pré-revolucionária (1815-1816) nas impressões do viajante inglês Henry Koster (1978). 
Koster afirma em seu livro Viagens ao Nordeste do Brasil, publicado em 1816 na Inglaterra, que a revolução pernambucana podia ser considerada como a maior insurreição no mundo luso-brasileiro. É importante lembrar que o cenário político da época apresentava ao mesmo tempo as profundas contradições do sistema colonial português e as ambiguidades presentes no processo de independência, como bem aponta Mota (1986).
O próprio Koster viajou por quase toda a região nordestina e esboçou um retrato de sua população e dos entraves econômicos que a mesma vivia em função do sistema colonial. Parte de suas observações foi sobre as relações econômicas nas suas capitanias, defendendo a importância do crescimento da população livre para incremento das transações comerciais.
Em um trecho de seu livro, Koster trata da dependência dos nordestinos dos produtos manufaturados ingleses (1978, p.161): “[...] os artigos de rouparia europeus só as pessoas ricas podiam adquiri-los. Contudo, abertos os portos do Brasil ao comércio estrangeiro, as mercadorias inglesas fizeram seu caminho por todo país e os negociantes são numerosos”. Em outro trecho, ele revela sua estadia no engenho Cunhaú (idem, p.169), no Rio Grande, de propriedade de André de Albuquerque e Maranhão, futuro líder político da revolução nas terras potiguares.
Na obra 1822: dimensões, do historiador Carlos Guilherme Mota, percebemos que o envolvimento dos membros da Igreja católica no movimento foi grande. O próprio Koster, testemunha dos primeiros momentos revolucionários, era amigo do sacerdote João Ribeiro Pessoa de Melo Monte Negro, um dos líderes principais do movimento na província pernambucana. A revolução contava ainda com o padre Pedro de Souza Tenório, de Itamaracá e o padre natalense Miguel Joaquim de Almeida Castro, também conhecido como Frei Miguelinho e figura de destaque dentro do movimento.
Cada sociedade elabora os heróis que acredita melhor representá-la, entretanto, quando tratamos do quadro revolucionário que agitou o nordeste brasileiro na primeira metade do século XIX, vemos que entre as principais lideranças dos diferentes movimentos existiam participantes de uma elite intelectual, educada dentro dos valores liberais e engajada em outro tipo de luta contra a repressão e o obscurantismo presentes no pensamento político do regime monárquico.
Entretanto, não só de padres se fez a participação na revolução, ela contou também com a participação de diferentes grupos sociais, todos eles ligados às elites, como comerciantes, proprietários rurais e militares de quatro diferentes capitanias do nordeste: Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. O aspecto em comum  era o descontentamento diante da crise da economia colonial e a opressão exercida pelo governo monárquico.
A revolta espalhou-se a partir de Recife e Olinda. O historiador Flávio Guerra (1994, p.90) em sua obra História de Pernambuco, afirma que na época, a capitania era governada pelo general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, o que despertava grande descontentamento na população principalmente pela cobrança de altos impostos. A inventividade do povo do Recife criou uma quadrinha muito conhecida pela tradição oral para o governador: “era Caetano no nome, Pinto na falta de coragem, Monte na altura do físico e Negro nas ações”.
Muitos pesquisadores atestam que a partir de 1800, sociedades secretas promoviam os ideais liberais nas terras brasileiras. Fazia parte de seu programa, a defesa da liberdade e o fim da fim da opressão política, a adoção do republicanismo, com a elaboração de uma constituição que limitava os poderes e declarava os direitos dos cidadãos. Dentro deste processo, é importante destacar o papel das lojas maçônicas, do Seminário de Olinda e do convento Madre de Deus, no Recife, na propagação das ideias iluministas.
O Rio Grande não diferiu desta composição. Os seus nomes de destaque são do padre Miguelinho e do latifundiário André de Albuquerque e Maranhão. Segundo Monteiro (2007, p.82-83), o próprio líder político do movimento, era: “proprietário do engenho Cunhaú e coronel de cavalaria miliciana”. Mas, quem são essas figuras e quais papéis exerceram de fato dentro do movimento nas terras potiguares?
O padre e o latifundiário
Por sua vez, a capitania do Rio Grande era governada pelo capitão-mor José Inácio Borges desde dezembro de 1816. Para o tradicional historiador Tavares de Lyra, a eclosão da Revolução de 1817 pode ser considerada: “uma explosão de revolta contra o absolutismo português”. (LYRA, p.216).
Como já foi dito acima, a revolta contou com a participação de importantes membros religiosos da igreja, agrupados em torno do Seminário de Olinda (SOUZA, 1999, p.60-61). Dentre eles, o destaque local é Miguel Joaquim de Almeida Castro, o padre Miguelinho.
Miguelinho nasceu em Natal, no ano de 1768 e aos 12 anos foi para Recife completar os seus estudos juntamente com alguns de seus irmãos. Foi ordenado pelos carmelitas, tornando-se primeiramente Frei Miguelinho de São Bonifácio mas em 1800 solicitou sua secularização, tornando-se padre. Em viagem pela Europa, conheceu o bispo D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, fundador do Seminário de Olinda.
O bispo o convidou para ensinar no Seminário de Olinda onde ocupou a cadeira de retórica. No seminário aproximou-se mais das ideias liberais e passou a frequentar sociedades secretas e reuniões que tratavam sobre o ideal de independência. Sua importância no movimento em Recife é relevante, já que participou ativamente, sendo nomeado secretário do governo provisório.
Apesar da relevância de sua participação na Revolução de 1817, poucos historiadores locais reconhecem o papel do padre Miguelinho como mentor intelectual do movimento e reservam o destaque principal para o latifundiário André de Albuquerque.  O desfecho de sua participação ocorreu com a sua prisão em sua residência e envio para a Bahia, onde foi julgado e condenado ao fuzilamento no dia 12 de junho, na cidade de Salvador.
No Rio Grande, além dos abusos e desmandos cometidos pelo capitão-mor, havia ainda um grande descontentamento local pelo fato da capitania viver subordinada à Pernambuco.  Na defesa do princípio de autonomia, as elites locais se agruparam em torno de André de Albuquerque Maranhão, figura controvertida que aparece dentro da historiografia tradicional como o herói e mártir do movimento.
 André era um rico proprietário de terras e ocupava naquela época o cargo de coronel das milícias. Vários historiadores apontam sua proximidade com as doutrinas liberais, principalmente pelo fato do mesmo participar da maçonaria, porém, o que deve ser destacado é que outras leituras são feitas hoje em torno do seu papel dentro da revolução e aos poucos fica evidente o caráter elitista da sua participação dentro do movimento.
O próprio movimento em si não contava com o apoio popular, pois o povo foi excluído da pauta de discussões sobre os problemas políticos e econômicos que a província atravessava. O governador Inácio Borges, quando informado da eclosão do movimento, emitiu uma proclamação condenando o movimento. Alguns trechos de sua proclamação revelam a sua percepção em torno dos primeiros ventos da revolta: “tumulto popular”, “lamentável acontecimento”, “sedição”, “facciosos”, “rebeldia”, “usurpado”, “espantosa anarquia”.
Mesmo André de Albuquerque sendo feito líder da revolução no Rio Grande, o historiador Tavares de Lyra (2008, p.234) afirma que ele não tinha aptidão política e que o mesmo não apresentava capacidade suficiente para liderar um governo revolucionário. André instalou seu governo provisório em 29 de março de 1817, não encontrando resistência de tipo algum. O historiador argumenta que a própria composição do gabinete revolucionário atesta a falta de experiência e força para garantir o triunfo dos ideais da revolta.
Apesar da revolução em Pernambuco ter sido encerrada em 21 de maio de 1817, com a delação e repressão por parte do almirante Rodrigo José Ferreira Lobo, no Rio Grande, o governo revolucionário teve uma breve duração e o movimento não durou mais do que 30 dias.
Os contrarrevolucionários surpreenderam André de Albuquerque em seu gabinete, que funcionava no prédio do atual Memorial Câmara Cascudo e no dia 25 de abril, André foi deposto por um grupo liderado pelo seu partidário Antonio Germano. O líder da revolução morreu no calabouço da Fortaleza dos Reis Magos em decorrência de um ferimento provocado durante a sua deposição. Com André de Albuquerque morria no centro da capitania o ideal liberal, entretanto, a luta continuou na Serra de Martins e em Portalegre, quando finalmente foi debelada toda resistência ao governo monárquico na capitania.
José Inácio Borges foi restituído ao seu cargo de governador e ordenou a ocupação do engenho Cunhaú. Ocorreu em seguida a prisão dos revolucionários com a perseguição e repressão aos partidários de André de Albuquerque. Muitos deles eram membros de sua família, o que levou alguns historiadores caracterizarem o movimento no Rio Grande como “a revolta dos Albuquerque e Maranhão”.
Sobre o desfecho do movimento na capitania, Monteiro (2007, p.84) afirma: “No Rio Grande, os que aderiram ao movimento tiveram suas penas abrandadas, não tendo a Coroa portuguesa aplicado a pena de morte ou de degredo a nenhum deles, ao contrário do que ocorreu em outras províncias.”
Assim, encerra-se uma página revolucionária nordestina: um padre iluminista e um latifundiário liberal emprestaram sua força para um dos mais importantes movimentos de emancipação da história do Brasil. Entretanto esta tradição revolucionária ainda ofereceria resistência nos anos seguintes ao autoritarismo do império.
Para saber mais:
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O iluminismo e os reis filósofos. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO. Centro de estudos e pesquisas Juvenal Lamartine. Personalidades históricas do Rio Grande do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1999.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de educação e cultura, 1978.
LYRA, Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3ª ed. Natal: EDUFRN, 2008.
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à história do Rio Grande do Norte. 3ª ed. Natal: EDUFRN, 2007.
MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986.
SOUZA, Itamar de. A revolução de 1817 no RN: André de Albuquerque e o padre Miguelinho. Natal: Editora O Diário S/A, 1999. Coleção Diário do Rio Grande do Norte. Fascículo 3.

VERSÃO ORIGINAL DA MATÉRIA PUBLICADA NA REVISTA LEITURAS DA HISTÓRIA. Nº 45, SETEMBRO/2011. ISSN: 1982-2464.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Historiando as mídias

A produção do sentido a partir das relações da sociedade com a mídia é uma antiga preocupação das ciências humanas. Estudiosos das ciências sociais, filosofia e comunicação como Walter Benjamim, Theodor Adorno, Pierre Bourdieu e Umberto Eco foram os primeiros a suscitarem sérias reflexões acerca da “era da reprodutibilidade técnica” (BENJAMIN, 1996), construindo uma crítica substantiva sobre a indústria cultural (ADORNO, 2002) e o “mercado de bens simbólicos” (BOURDIEU, 1974), além de auxiliarem na elaboração de uma teoria da comunicação (ECO, 2009).


A “era da reprodutibilidade técnica” transformou-se no século XXI na “era do acesso”, principalmente a partir do advento da rede mundial de computadores no final do século XX. Segundo Walter Benjamin: “No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência”. (1996:169). Acompanhamos cada dia não somente o avanço da tecnologia e das formas de comunicação e informação, mas a própria transformação da sociedade ocidental e o surgimento de um novo paradigma.

Dito isto, a tarefa de construção desse texto constitui-se num esforço para aproximar as Ciências Sociais da História, projeto antigo e que havia sido debatido por Fernand Braudel e antes dele por François Simiand (BRAUDEL, 1982). Nesse capítulo, pretendemos discutir como o homem inicia o seu processo comunicacional, inserindo nele as práticas de ensinagem. Pretendemos ainda tratar do aparecimento dos meios de comunicação estabelecendo a relação entre as mídias e a educação na atual sociedade.

O trabalho do pesquisador da cultura é identificar as formas de elaboração das representações, sentidos e significados conferidos pelos homens e mulheres ao longo do tempo às suas dinâmicas culturais e práticas sociais (PESAVENTO, 2005). Entre essas práticas encontra-se a educação, organizada em um processo de ensino-aprendizagem, existente desde as culturas tradicionais, com o conjunto de saberes transmitido através da história oral e nas sociedades complexas e letradas.

Com o desenvolvimento das primeiras sociedades em aproximadamente 3.500 antes da era comum, podemos perceber que em diferentes partes do mundo, os homens iniciaram o processo de registro da sua oralidade com o aparecimento da escrita, seja ela pictográfica, ideográfica, hieroglífica ou alfabética; para isso, utilizaram diferentes tipos de materiais de acordo com a disponibilidade de recursos naturais, modificando suas formas de percepção em torno da realidade.

Refletindo sobre as transformações que acompanham a humanidade ao longo de sua trajetória, Gontijo nos indica que (2004:399-400):

O objeto central dessas mudanças é o próprio ser humano e sua capacidade simbólica. As sociedades se estruturam através de um tecido simbólico cujos fios são a língua e todos os diferentes aspectos da cultura, inclusive as religiões. A capacidade de comunicar articulando sons providos de significado é o que distingue dos outros animais, e a nossa linguagem é o resultado da habilidade de raciocinar a respeito de nós mesmos.
O aparecimento da escrita é considerado por muitos pesquisadores, o evento fundador da ideia de civilização na antiguidade (BURNS, LERNER, MEACHAM, 2005). Entretanto, é preciso relativizar esta questão, principalmente por reconhecermos o valor que deve ser atribuído às outras sociedades que se desenvolveram ao longo dos séculos, desconhecendo, ou até mesmo desconsiderando o papel da escrita.

Ao mesmo tempo que várias sociedades descobriram diferentes processos para realizar os registros escritos de suas culturas, outros povos na atualidade permanecem fazendo uso de outros sistemas de transmissão de conhecimento, principalmente aqueles baseados na tradição oral. Amadou Hampatê Bâ (2010:221) nos indica em passagem de seu artigo:

Quando falamos de tradição em relação à história africana, referimo-nos à tradição oral, e nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos povos africanos terá validade a menos que se apóie nessa herança de conhecimentos de toda espécie, pacientemente transmitidos de boca a ouvido, de mestre a discípulo ao longo dos séculos. Essa herança ainda não se perdeu e reside na memória da última geração de grandes depositários, de quem se pode dizer, são a memória viva da África.

Esta discussão pode ser ampliada em outro momento, pensando dentro da sociedade da informação com as novas mídias e o cenário de convergência.



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Um pouco de história e relativismo cultural faz muito bem

Anos atrás fui acusada de admirar muito a raça humana. Disseram até que eu tinha mais fé no homem do que na divindade. Naquele momento me senti mais humanista e antropocentrista do que nunca. Eu já estava atuando no campo da antropologia social, mas ainda me espantava com o meu próprio etnocentrismo e preconceitos.
Mas mesmo assim, acreditava muito na nossa raça e a cada dia sentia mais curiosidade por estudar as suas dinâmicas e práticas culturais. Entretanto, me deparei com um lado bastante obscuro da nossa humanidade: a intolerância diante do diferente e quanto mais investigava sobre as culturas, mais me assombrava com o crescimento de atitudes que já deviam ter sido banidas de nossa esfera social.
Quando me tornei professora de Antropologia, no ano de 2008, firmei um compromisso comigo de que sempre trataria dos perigos que existem em uma sociedade que apresenta uma postura etnocêntrica. Enquanto historiadora, procurei também apresentar exemplos contextualizados historicamente do estranhamento do homem diante do próprio homem e das crises, genocídios e terror que isso provocou durante a nossa trajetória no planeta.
Ultimamente não precisamos recorrer aos clássicos da antropologia ou até mesmo aos manuais de história para comentar sobre o enfrentamento que as sociedades travam contra aquilo que é julgado diferente. Infelizmente os grupos que abandonam o exercício do relativismo demonstram um comportamento que é danoso para a sua própria elaboração mas acima de tudo no seu reconhecimento enquanto participante de uma identidade planetária.
Os tristes episódios que estamos acompanhando na internet contra os nordestinos apenas reforçam a necessidade de se pensar em uma política pública de combate ao preconceito e a intolerância  e de valorização das diversas identidades regionais e culturais que permeiam a nossa sociedade.
Em um país multicultural e de formação étnica tão diversificada, não podemos deixar de exigir uma revisão de nossa história nacional. Quando este projeto foi pensado, ainda no século XIX, privilegiou-se determinados setores e atores sociais e apresentou outros sujeitos históricos como participantes menores. Esta visão histórica ainda predomina e quanto maior o desconhecimento sobre os processos que nos formaram enquanto povo, mais o preconceito e a violência ganham espaço na cultura.
Um exemplo disso são os livros do jornalista Leandro Narloch. Sua visão estreita, limitada e estereotipada de nossa história tem provocado debates inúteis e acima de tudo, promovido uma desconstrução das contribuições de uma historiografia séria e atuante.
Em um país no qual a ignorância e os baixos índices de escolaridade são tão gritantes, aquele que consegue projetar na mídia falsas verdades acaba por provocar um prejuízo ainda maior em uma visão crítica em torno dos papéis históricos que outros grupos étnicos que nos formaram, como negros e indígenas. Mais uma vez, o ciclo de preconceito, intolerância e violência é alimentado e acreditamos que diante de tudo isso um pouco de história e relativismo cultural faz muito bem.

domingo, 30 de outubro de 2011

Os desafios da prática do professor profissional:


Autora: Andreia Regina Moura Mendes
@AndreiaReginaBr
atenasregina@yahoo.com.br

COMO CITAR ESSE ARTIGO?

MENDES, Andreia Regina Moura. Os desafios da prática do professor profissional: quais competências e habilidades? In: FARIA, Tereza Cristina Leandro. Práticas pedagógicas em debate. Natal (RN): Infinita Imagem, 2010. ISBN: 978-85- 63118-00-4


RESUMO



O presente artigo discute os desafios da prática do professor, levantando uma discussão sobre quais as competências e quais as habilidades que devem fazer parte da formação de um professor profissional e como o mesmo deve articular a teoria com a sua prática docente. Utilizamos além da pesquisa bibliográfica, uma entrevista aberta com os alunos da 2ª série do curso de licenciatura de História da Universidade Potiguar, numa atividade realizada na disciplina de Didática Geral.





PALAVRAS-CHAVE

Competências- Desafios- Educação- Habilidades- Formação profissional- Professor



INTRODUÇÃO





O século XXI exige novas competências e habilidades dos profissionais da educação para lidar com o ensino em todos os níveis. Outros desafios configuram-se a cada novo tempo e precisamos debater sobre a profissionalização do professor e as competências que norteiam a sua prática de ensino. Muitos teóricos já debruçaram-se sobre a formação docente, mas ainda persistem algumas questões, sendo a mais importante, para este trabalho, a reflexão sobre as competências e habilidades necessárias para a preparação de profissionais capazes de organizar situações de aprendizagem.

O que percebemos é que o professor que ingressa nas diversas áreas do saber universitário, com exceção das licenciaturas e educação, pouco ou nenhum contato tiveram com as disciplinas da área pedagógica, desconhecendo a teoria da educação, os elementos que compõem a didática e a docência, como as estratégias de ensino mais eficazes de acordo com cada programa e currículo, além de o mesmo não travar conhecimento sobre os debates estabelecidos sobre o processo de ensino- aprendizagem e quais rumos os educadores devem tomar diante das novas demandas que a educação nos coloca.

A primeira questão que deve ser reformulada é a necessidade de um programa de formação contínua para os professores universitários. Algumas IES dedicam-se à elaboração de encontros regulares nas equipes para discutir aspectos ligados ao ensino e novas metodologias, mas ainda inexiste na maioria das universidades brasileiras um trabalho voltado para a discussão mais aprofundada das competências e habilidades que fazem um bom professor.

Para a formação de um professor profissional é preciso muito mais do que muni-lo de truques ou gestos performáticos que possam ser utilizados diante de uma sala de aula. Este artigo tratará justamente dos desafios da formação do professor e dos quais as competências e habilidades que são esperadas deste profissional.



O professor enquanto sujeito de sua formação profissional

O panorama atual apresenta a evolução dos profissionais das ciências humanas. Muitos professores voltam para a academia para complementar sua formação inicial e buscam em cursos de pós-graduação uma nova área de reflexão, ou aprofundar aspectos que desejavam fazê-lo na época da graduação nos seus respectivos cursos. Estamos diante de um quadro de transição de um professor executante de conteúdos para o profissional mais comprometido com a prática pedagógica e o processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, esta realidade ainda não é a ideal, faltam políticas institucionais voltadas para sanar as dificuldades e preencher as lacunas deixadas pela formação deficitária destes professores.

Inicialmente precisamos descentralizar um pouco a responsabilidade sobre a formação docente. Reconhecidas as limitações nos cursos de graduação que formam os professores brasileiros, é preciso ainda lembrar que a IES na qual este docente está vinculado não pode sozinha assumir o papel de refazer as posturas deste professor e ajudá-lo na aquisição de novas habilidades e descobertas de suas competências.

O próprio docente precisa se auto-avaliar e conhecer melhor suas capacidades. O comprometimento com a formação contínua, cria no professor a necessidade do estudo lhe fazendo obter um novo status, aprimorando as habilidades e competências, desta forma, estando preparado para utilizar-se de ações, de forma autônoma e responsável, desenvolvendo metodologias que possam auxiliar na busca dos objetivos propostos.

A prática do professor profissional exige que o mesmo saiba analisar as situações de ensino que se configuram enquanto complexas, embasando sua ação numa reflexão sobre um quadro amplo de referências diversas. Daí a importância do estudo e conhecimento dos teóricos da pedagogia.

Um professor profissional possui o instrumental necessário para fazer a opção de maneira rápida e refletida por estratégias adequadas aos objetivos e às exigências da sua função, sejam elas didáticas, teóricas ou éticas.

Quando atribuímos ao professor a responsabilidade pela sua formação profissional, ele encara de maneira crítica suas ações e resultados, buscando avaliar sua prática e também o seu papel neste processo. A avaliação contínua é um aspecto motivacional importante nesta tomada de ação, a prática pedagógica está sempre sendo reavaliada e reelaborada.

Segundo Philipe Perrenoud (2001), o profissionalismo de um professor não é caracterizado apenas pelo domínio de conhecimentos profissionais diversos, mas também pelas formas que o mesmo percebe, analisa, decide, planeja e avalia a sua própria prática e a sala de aula

Numa aula de Didática geral, interpelei a turma de 70 alunos sobre as qualidades de um bom professor. Eles foram solicitados a pensarem em até duas características e comentarem o porquê da escolha. Organizamos as características apontadas pelos alunos da 2ª série do curso de Licenciatura em História e percebemos a recorrência que cada uma delas foi citada na turma. O quadro abaixo serve para ilustrar os resultados desta atividade.







AMIZADE 2 COMPROMISSO 1 DINÂMICA 3 HUMANIDADE 1 RIGIDEZ 1

AMOR 3 COMUNICAÇÃO 1 DOMÍNIO 2 IMAGINAÇÃO 1 SEGURANÇA 1

ATENÇÃO 2 CONCENTRAÇÃO 1 DRAMATIZAÇÃO 1 OBJETIVIDADE 1 SENSUALIDADE 1

AUTONOMIA 1 CONDUÇÃO 1 ENTUSIASMO 1 PACIÊNCIA 3 SERIEDADE 1

BRINCADEIRA 2 CUIDADO 1 EXIGÊNCIA 1 PESQUISA 1 TRANSMISSÃO 1

CARISMA 3 DEDICAÇÃO 10 EXTROVERSÃO 2 RACIONALISMO 1 VALORES 4

CLAREZA 1 DESAFIADOR 1 FASCÍNIO 1 RESPEITO 1 VOCAÇÃO 2

COMPETÊNCIA 1 DIDÁTICA 4 GOSTO 1 RESPONSABILIDADE 3 Total 70



Tabela 1: Características de um bom professor.

Atividade aplicada na disciplina de Didática Geral no dia 03 de agosto de 2009.



Analisando a tabela acima, percebe-se que as características ligadas ao domínio dos conteúdos são apontadas por três alunos como importantes na prática do professor: o saber e a mediação destes conteúdos. Outras características sinalizam para o tipo de postura que o professor deve manter diante do conhecimento, como o espírito de pesquisa, a objetividade para lidar com os dados e o senso racionalista. Segundo os alunos, um perfil psicológico aberto e sensível também é fundamental para o ofício do professor, pois 50% das características apontadas pelos estudantes estão relacionadas com os aspectos da personalidade e com o compromisso pessoal do docente diante de sua profissão. Por último, notamos que as formas de organização dos conteúdos e as metodologias utilizadas também são recorrentes na fala dos alunos.





Refletindo sobre as respostas dadas pelos alunos, podemos verificar que existem algumas posturas necessárias ao ofício do professor. Para Perrenoud (2001), a convicção na educabilidade é essencial. Quando o professor estabelece um ambiente de confiança e motivação, ele acredita que os seus alunos podem apreender os saberes postos em cada disciplina, respeitando ainda as singularidades que envolvem o processo individual da aprendizagem.

O professor deve conhecer a si mesmo e compreender as próprias representações. A representação é a categoria central do pensamento humano, ela envolve as formas que percebemos e identificamos os objetos a nossa volta, como os reconhecemos, classificamos e legitimamos alguns, excluindo outros de acordo com nossos pontos de vista e orientações ideológicas. O professor deve ficar atento sobre a forma que aciona estas representações durante o exercício de seu ofício, pois as representações são portadoras do simbólico, já que carregam sentidos não revelados, que são construídos social e historicamente, internalizando-se no inconsciente coletivo e se apresentando como naturais, dispensando a reflexão.

Outra postura apontada por Perrenoud relaciona-se com o domínio das emoções. Senso de equilíbrio e senso do próprio valor são fundamentais para uma boa prática docente. O profissional que conhece os seus limites e sabe manter-se no controle dos seus sentimentos diante de situações conflituosas ou delicadas transmite segurança para seus alunos, sem jamais perder a sua autonomia.

Abertura à colaboração é um dos maiores desafios para os professores. Um professor profissional valoriza o trabalho em grupo, confia na pedagogia dos projetos, torna seu aluno um colaborador neste processo e alcança os seus objetivos com maior facilidade.

O engajamento profissional reflete-se no compromisso com a profissão e na responsabilidade no exercício do ofício. A educação exige seriedade, diante dos desafios que se apresentam. As demandas da prática educativa são muitas, mas a dedicação e a crença na educabilidade podem ser as chaves para um professor cada vez mais profissional e confiante na sua prática.

As competências do ofício do professor.

Cada área do saber apresenta as suas competências. Elas são compostas por um conjunto diversificado de conhecimentos profissionais traduzidos em esquemas de ação e de posturas mobilizadas para o ofício. O saber fazer é um dos aspectos principais destas competências. O saber fazer não está dissociado do saber conhecer, a relação entre ambos é refletida na ordem prática.

As competências de ordem cognitiva dizem respeito aos conhecimentos específicos que são mobilizados dentro de cada área. O professor profissional compreende que a produção do conhecimento dar-se num espaço cada vez mais amplo e transdisciplinar, incentivando os seus alunos para uma reflexão sobre o saber conhecer, ensinando-os a estabelecerem pontes, jamais barreiras diante do conhecimento.

Quanto às competências de ordem afetiva, elas estão ligadas aos aspectos do saber ser. São competências relacionadas às percepções internas, como traduzimos nossa relação conosco, com os outros e com o mundo. São características das competências a inteligência, a sensibilidade, a criticidade, a responsabilidade e a espiritualidade, não necessariamente voltada para a religiosidade. O desenvolvimento das competências afetivas cria indivíduos mais tolerantes e comprometidos com a condição ternária do homem. (MORIN, 1999).



Os pilares da educação

As características analisadas acima podem ser tomadas em conjunto, aproximando-se dos pilares do conhecimento, propostos por Jacques Delors (1998). Eles são:

1- Aprender a conhecer

2- Aprender a fazer

3- Aprender a viver juntos

4- Aprender a ser



Aprender a conhecer

Esta habilidade está relacionada com a aquisição de saberes específicos para a área de atuação. Conhecer pressupõe o domínio dos instrumentos do conhecimento e a utilização dos mesmos enquanto finalidade de vida e forma de compreender o mundo.

A habilidade do conhecer envolve prazer na apreensão do conhecimento, compreensão, descoberta e pesquisa. O professor que aciona esta habilidade ele chama a atenção dos alunos para a relação que os mesmos devem estabelecer com o meio ambiente, despertando a sua curiosidade sobre o mundo a sua volta, estimulando de forma autônoma o senso crítico, assim,oportunizando o acesso à metodologia científica

O conhecimento ultrapassa os limites postos pelas diferentes disciplinas e avança no sentido da transdisciplinaridade. Ensinar ao aluno saber conhecer o estimula a ligar os saberes com a experiência, ensinando-o a ser co-participante de sua aprendizagem.

Aprender a fazer

Para Delors, conhecer e fazer são indissociáveis, principalmente quando tratamos das competências e habilidades para um professor profissional em todos os níveis. Também faz-se necessário uma reflexão sobre o ensino técnico ou a chamada aprendizagem profissional.

Num mundo cada vez mais marcado pela globalidade, é preciso adaptar a educação ao trabalho no futuro. Apesar da era de incertezas (HOBSBAWM, 2001) que vivenciamos, alguns aspectos ligados ao saber fazer devem ser levantados, entre eles está a noção de qualificação relacionada com a noção de competência. O mercado de trabalho exige cada dia um maior domínio técnico e cognitivo, valorizando os profissionais pelo conjunto de conhecimentos e informações que o mesmo dispoe para transitar de forma mais livre sobre diversas áreas e atividades.

Um profissional bem qualificado deve apresentar além da formação técnica, um comportamento social adequado, mostrando-se capaz de comunicar-se bem, além da aptidão para o trabalho em equipe. Espera que ele tenha iniciativa e o gosto pelo risco dispondo ainda de uma capacidade para gerenciar e resolver conflitos.





Aprender a viver juntos

A ética em funcionamento no século XXI está de acordo com o individualismo e o hedonismo. Aspectos centrais como a convivência humana, o espírito pacifista e o respeito ao meio ambiente são pouco refletidos nos dias de hoje.O que temos hoje?

A partir desta observação, devemos pensar qual é a escola que queremos e qual é a função social do ensino. A indissociabilidade do desenvolvimento pessoal, nas relações que se estabelecem com os outros e com a realidade social é um dos aspectos principais para o aprender a viver juntos.

A escola deve ser capaz de formar cidadãos e cidadãs autônomos e plenamente desenvolvidos, auxiliando os indivíduos a estabelecerem vínculos e relações que os ajudem a compreender melhor o mundo e a si mesmos. A descoberta progressiva do outro e o respeito pela alteridade devem ser o foco de uma educação mais cidadã e centrada na percepção de que eu me observo quando observo aquele que é diferente de mim.

Uma das formas de propiciar este tipo de aprendizagem é a promoção da participação em projetos comuns, nos quais possam existir possibilidades de diálogos voltados para os objetivos em comum. Projetos motivadores que envolvem práticas de esporte e outras formas de lazer coletivo podem enriquecer as atividades sociais, fortalecendo o grupo e o auxiliando na resolução de conflitos. A relação professor-aluno é um excelente laboratório de observação para esta aprendizagem.

Aprender a ser

Desenvolver um pensamento autônomo, crítico e livre de juízo de valor são aspectos fundamentais para o aprender a ser. Esta competência estimula o dialógo, incentiva a autonomia fornece instrumentais intelectuais que conduzem a uma liberdade de pensamento, provocando além do discernimento uma percepção mais compreensiva da diversidade.

A sala de aula transforma-se no espaço do estímulo à autonomia, do espírito de iniciativa, da provocação e criatividade. A imaginação associada ao espírito de descobertas cria no aluno o gosto pela experimentação nos diversos campos. O enxerga-se dentro de um compromisso consigo, com a coletividade e com o planeta, sonhando e realizando-se completamente enquanto humanidade. Pois, como já dizia Freire (ano): “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.

Considerações finais

A partir do que expomos, acreditamos que as práticas de formação devem ser fundamentadas e refletidas, por esta razão existe a necessidade de articulação dos conhecimentos com recursos cognitivos, integrando teoria e prática na busca por um saber que seja produto da experiência. O professor aqui é visto como agente de sua própria mudança e multiplicador, quando permite que através das competências que adquiriu, possa desenvolver melhor as habilidades de seus alunos, contribuindo desta maneira para a construção de um processo educativo mais significativo para o aluno e para a sociedade em geral.





Referências bibliográficas



DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir: São Paulo: Cortez, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 1999.

PAQUAY, Léopold. PERRENOUD, Philippe. ALTET, Marguerite. CHARLIE, Évelyne. Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências? Porto Alegre: Artmed, 2001.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.



quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Caras pintadas? Muito barulho por nada.

Lembro da primeira manifestação de jovens com os rostos coloridos e vestidos de preto. Na época eu trabalhava no Banco do Brasil, era menor auxiliar de serviço de apoio e vivia mergulhada numa atmosfera de muita erudição e conhecimentos. Um funcionário entrou no setor esbaforido, dizendo que muitos jovens tinham tomado as ruas da Avenida Rio Branco e que eu precisava participar daquele movimento. Ele até pediu que quando eu saisse do trabalho, fosse até a Cidade Alta me juntar aos participantes. Naquele dia eu não tinha um título de eleitor na mão, mas tinha uma ideia na cabeça: o voto era a melhor expressão de nossa insatisfação diante de uma política defeituosa e nós poderíamos dar este tipo de resposta para o país e para o mundo nas próximas eleições.
Passaram-se muitos anos desde o movimento dos "caras pintadas". Muitas explicações surgiram para aquele fato e uma delas apontava para uma realidade bem interessante e típica de nossa cultura: o movimento tinha sido estimulado pelos meios de comunicação de massa, ou seja, TV e rádio. O que havia de espontâneo? talvez apenas a vontade individual de participar do evento, mas ainda não tinha sido forjado um espírito coletivo que gerasse o germe da mudança que tanto era ansiada, mas que nunca se concretizou.
Nos anos seguintes e nas eleições seguintes, o mesmo cenário político e os mesmos grupos familiares se revezavam no poder, a tradição de mandar no país é algo muito antigo e mais velha ainda é a hereditariedade. Desde as capitanias era assim, o modelo está na política: o cargo passa de pai para filho. E o povo pintado da década de 90? Continua alimentando este modelo de uma democracia imperfeita.
Ontem, muitos jovens ao redor do país fizeram a mesma coisa, mas não repetiram a mesma história, até porque são outros sujeitos sociais e além de tudo, a mobilização foi estimulada pelas novas mídias. Isso é mais do que compreensível quando vivenciamos uma nova sociedade na era da informação: são novos paradigmas.
O que não compreendo é o fato desta transformação não ter sido gestada ao longo dos últimos anos quando tivemos a maior arma na mão: um título de eleitor. Vejo em Natal a organização de marchas, passeatas, atos públicos exigindo a saída da atual prefeita. O movimento "Fora Micarla", está na boca de todos, mas não penetrou ainda as cabeças da maioria dos natalenses que, continuam ligando sua TV para ver e ouvir os porta-vozes da emissora controlada pela então gestora de nossa cidade. Como podemos exigir transparência e igualdade se alguns tem mais poder que outros? Como podemos pensar em programar a mudança se as políticas públicas ainda favorecem grupos políticos no controle dos meios de comunicação de massa?
É tempo de exigir mudanças estruturais e cada um fazer sua parte. Por favor, não me peçam para pintar meu rosto e vestir preto, eu voto de forma consciente para não precisar sair de casa no feriado de uma independência que nunca se consolidou para expor minha insatisfação através de tinta guache na cara. Tenho medo apenas do que dirão no futuro sobre esta geração que faço parte, e uma coisa é certa, eles julgarão que fizemos "muito barulho por nada".

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Uma reflexão a partir do filme O show de Truman

A disciplina de férias prometia muita coisa, mas não tínhamos tempo para discutir todas as relações estabelecidas entre as sociedades e as mídias ao longo dos últimos setenta anos. Entretanto, as discussões e debates nas turmas Comunicação e Sociedade I e Comunicação e Sociedade II foram extremamente férteis e quem dera que tantos mais pudessem fazer este tipo de reflexão em torno da era da informação e da sociedade do consumo.
De todas as resenhas produzidas, escolhi a reflexão proposta por Júlio César e acredito que vocês também vão pensar alguns aspectos apontados por ele em seu provocante texto. Agora para vocês, uma reflexão a partir do filme O show de Truman, por Júlio César dos Santos Pais:

“Vida louca, vida, vida breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve...”.

Vivenciamos hoje uma sociedade pautada pelo espetáculo. A grande massa da população, por algum motivo ainda não bem explicado, se tornou passiva diante de suas escolhas, deixando na mão de outros, decisões importantes em áreas como a cultura e educação.

Ela, sem perceber, acabou escrava do audiovisual, onde o que dita moda deve obrigatoriamente estar ou passar na TV. O roteiro da vida das pessoas, em certo ponto, acaba se entrelaçando com o de personagens criados meramente para entreter. Não é difícil ver pelas ruas a discussão sobre as atitudes da personagem A ou B. Há aqueles que até discutem com a TV enquanto assistem a algum fato que irá “prejudicar” a vida desta personagem, como se pudesse preveni-lo de sofrer com algo. Em contrapartida, pouco ou nada se ouve da população discutindo sobre temas que deveriam ser pertinentes como a má educação oferecida pelas escolas públicas ou a atual política econômica que incide no grande número de desempregados do país.

As histórias sempre ocorrem num período cíclico. Acaba uma, inicia outra, que vai utilizar a mesma forma: a luta do bem contra o mal, releituras da vingança de Medéia contra Jasão. A parcela mais pobre da população vivendo feliz e politicamente correta em contraste com os mais ricos e suas sucessivas perdas.

A indústria do entretenimento acaba criando verdades universais. Para provar isto, basta ler alguma das histórias retratadas por algumas produtoras e comparar os produtos. Casos como a história de Pinóquio são gritantes. O livro aborda um “menino” um tanto perverso e egoísta, que é capaz de matar seu amigo. Já na animação ele demonstra seu lado egoísta, mas é subtraída sua perversidade, transpondo um ar mais ingênuo à personagem. Agora vá dizer isso a uma criança, ou mesmo um adulto que está acostumado com a versão açucarada consagrada pela Disney e Cia.

Alguns pensadores dizem que a TV foi pensada de forma capitalista, cujo objetivo maior seria comercializar produtos, contudo, sabendo que só a venda não atrairia atenção contínua, criaram os programas, levando assim o consumidor pensar exatamente o contrário: que o comercial surgiu para manter a produção dos programas.

Todos esses assuntos abordados estão presentes no filme “O show de Truman: o show da vida”, que mostra como o ser humano pode ser fútil e egoísta, acompanhando o sofrimento velado de Truman Burbank em sua vida pré-programada.

Estamos tão acostumados a ver essa exploração que, aos poucos, isso acaba ganhando status de normalidade. A idiotização do gosto da população está abrindo espaço para que cada vez mais isso seja consagrado como correto, fazendo assim o errado ser quem não acompanha a tendência. Quem não participa de assuntos relacionados a esse tipo de cultura está virando um “analfabeto cultural”.

Durante o filme, das muitas frases de efeito, duas chamaram mais minha atenção pela força que elas ganharam não só no contexto do filme, com também na vida real.

"(...) aceitamos a realidade do mundo no qual estamos presentes...".

"(...) lá fora, a verdade é igual a do mundo que criei para você. As mesmas mentiras, as mesmas decepções...".

Será que estamos realmente predestinados aceitar a realidade que nos é apresentada como única?!

“Sim, ele é Deus, e eu sou louco, mas ninguém desconfia, pois disfarçamos muito bem, somos imortais, somos imortais (...) Deus, por favor, apareça na televisão...”.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O bom livro às mãos do seu leitor retorna

Minha experiência com os livros aconteceu em minha casa bem antes de ser alfabetizada. Na década de 1980 existia uma categoria muito interessante chamada de "vendedores de livros". Eles saiam batendo de porta em porta e oferecendo clássicos da literatura infanto-juvenil divididos em várias parcelas, o que era o ideal para famílias de pouco recurso como a minha.

Nossa mãe então comprou a primeira coleção de livros infantis. Eles eram ricamente ilustrados e com capa dura. Mesmo sem saber ler, os livros que pareciam enormes para serem carregados por mim e meu irmão mais novo, estavam sempre nas nossas mãos e aos poucos, eu particularmente, fui me interessando por eles. Desta coleção, lembro que existia o exemplar da Branca de Neve, mas não consigo me recordar dos outros títulos.
Então, fomos alfabetizados. Meu irmão aprendeu a ler primeiro do que eu, o que me deixou muito angustiada por não conseguir ter acesso ao que estava sendo dito naqueles livros. Na ocasião, minha mãe comprou nossa segunda coleção de livros infanto-juvenis. Com a chegada deles, aumentou mais ainda minha vontade de aprender a ler e na 1ª série, hoje 2º ano, deslanchei e nunca mais abandonei um livro.
Os livros foram meus melhores amigos na adolescência e estiveram ao meu lado em momentos marcantes de minha formação como pessoa e quanto sujeito social. Acredito inclusive que existem livros mais interessantes do que pessoas, apesar de nem sempre os autores serem pessoas interessantes, não é mesmo?
Enfim, todos nós já perdemos amigos e livros amigos em nossas vidas. Eu me ressentia muito pela perda de um livro-amigo especificamente: O último cabalista de Lisboa, um romance histórico de Richard Zimler, que comprei em minha última noite de viagem pela antiga Olisopônia.
Em linhas gerais, o livro trata do período de governo de D. Manuel, o venturoso e da perseguição que aconteceu aos judeus durante a inquisição portuguesa. É de uma escrita densa e rica em detalhes, mas mesmo sendo um romance, é possível descortinar aquele cenário e pensar nos horrores perpetrados pelos cristãos velhos contra a população judaica naquele dantesco pogrom.
Lembro que comecei a leitura do livro ainda durante o vôo Lisboa-Recife e não larguei mais dele até finalizá-lo. Foi a sua leitura que me aproximou da História Moderna e principalmente da inquisição, definindo muitas das minhas leituras e áreas de interesse de pesquisa e estudo.
Pouco tempo depois de ter lido O último cabalista de Lisboa, ousei emprestá-lo, e aqui relembro de uma máxima de minha vó materna: quem empresta nem para si presta. Resultado, perdi o livro e mesmo procurando em bancas e livrarias locais ou em Recife, não o achava.
Mas ontem, minha amiga e também devota leitora me presenteou com o romance de Richard Zimler. Foi grande a emoção, principalmente porque confirmei que o bom livro às mãos do seu leitor retorna.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um esboço de uma resenha: quanto vale ou é por quilo?

Na última disciplina do doutorado em Ciências Sociais, assistimos o filme de Sérgio Bianchi, Quanto vale ou é por quilo? (2005). A discussão na turma girava em torno da avaliação das políticas públicas e alguns colegas acharam interessante trabalhar este filme para exemplificar um pouco a teoria que estava sendo vista em sala.
Caso o professor tivesse solicitado uma resenha crítica sobre o filme do Sérgio Bianchi, acho que a minha seria num tom muito mais crítico do que analítico, e falo isso tanto do ponto de vista da história quanto a partir de alguns elementos da semiótica, que aprendi a duras penas.
Quanto vale ou é por quilo? é um filme que apresenta uma narrativa fragmentada, entrecortada por relatos, depoimentos, narrador intruso e descontinuidade mostrada nos recortes que são feitos dentro da trama sem continuidade ou linearidade. O recurso parecia ser uma boa ideia, chegando a me lembrar um pouco o cinema russo na década de 1920, mas depois de alguns minutos percebemos que não existe uma linha narrativa que possa ser interpretada ou compreendida pelo espectador.
O filme tenta fazer uma crítica sobre a mobilização dos diferentes atores sociais em torno de alguns problemas que deverião ser tratados pelas políticas públicas, neste caso pelas políticas sociais. O recorte temporal procura transitar entre o período colonial de nossa história até os dias de hoje.
É neste aspecto que identifiquei muitas questões que fazem o vídeo parecer uma sucessão de anacronismos. Por exemplo, o filme procura discutir as condições impostas aos negros durante o regime escravagista procurando fazer uma ponte com os trabalhadores urbanos super explorados dos dias atuais. O maior problema desta tentativa é não levar em consideração que o sistema capitalista de hoje não pode ser utilizado como lente para enxergar as políticas econômicas e sociais dos séculos XVIII e XIX.
Até a primeira parte, pensava que trataria então do problema racial no Brasil e que iria abordar as poucas políticas sociais que são voltadas para a população negra brasileira e seus descendentes, entretanto o curso do filme se altera e vemos um novo ator social em cena: o empresariado interessado em investir nos projetos sociais do governo.
Neste segundo momento, temos uma crítica sobre a política de inclusão digital e social propagada pelo governo federal. O filme mostra os empresários instalando computadores ultrapassados numa escola da periferia e a rebelião dos novos usuários diante dos equipamentos, com uma cena que lembrava as imagens sobre os ludistas nos livros de história.
A problemática que podemos apontar no vídeo é uma crítica as medidas paliativas que a sociedade civil realiza como: distribuição de comida e cobertores para os moradores de rua, brinquedos baratos para as crianças carentes, tratamento caro e estadia em hotel de luxo para doentes de câncer em fase terminal. A crítica é voltada principalmente para a classe burguesa mas também é direcionada para a classe popular, tanto no seu engajamento rápido nestas medidas, quanto pela inércia diante de determinadas situações.
 A crítica que o filme faz ao sistema penitenciário é outro aspecto que merece nossa atenção. O preso que é representado por um homem negro filho de uma mulher branca, em sua fala afirma que o que vale é ter liberdade para consumir. A crise do estado capitalista é pontuada, no que concerne aos gastos com acumulação (consumo social) e os gastos com a legitimação, ou seja, aceitação do sistema. 
Finalizando nosso esboço de resenha, posso destacar que o filme não tem uma temática muito clara, apesar de ser caracterizado como drama, em muitas cenas vemos o tom de comicidade na forma que determinadas situações são exploradas dentro da narrativa.  
E a primeira questão apresentada no filme? Onde ficam os negros nesta história? O filme não foge dos estereótipos. Os negros continuam sendo representados na sociedade brasileira como escravos, pobres e empregados domésticos, deixando claro para todos que: negro sem educação, sem emprego e morando na periferia, só pode virar marginal.
  

terça-feira, 14 de junho de 2011

O jovem e o mercado de trabalho: dilemas e desafios atuais

Lembro quando tinha 14 anos de idade e participei de uma seleção para trabalhar no Banco do Brasil. Foi um momento muito especial, pois, eu era apenas uma adolescente recém ingressa no ensino médio e finalmente tinha conquistado a primeira página assinada de minha carteira de trabalho. Naquela época (anos 90), muitas empresas investiam no que hoje chamamos de “primeiro emprego” e não havia tantas exigências, bastava estar matriculado e frequentar as aulas.

O século XXI trouxe novas demandas e também novas exigências para os jovens. Atualmente, não basta cursar o ensino médio ou ter concluído esta etapa, faz-se necessário ter outras capacitações e possuir alguns certificados na mão. A mudança é um sinal dos novos tempos, com a competição acirrada entre os mercados, é preciso manter um time qualificado e pronto para os novos desafios que esta “sociedade da informação” pede de todos nós. Cursar uma boa faculdade é uma nova exigência que reforça o “sinal dos tempos.”

E quais são os desafios atuais? Cada dia o jovem é impelido a fazer mais cedo a escolha por sua carreira e definir o quanto antes que área deseja atuar, buscando intensamente qualificar-se para conseguir novas colocações dentro do mercado de trabalho.

Numa conversa com alguns alunos anos atrás eu lhes dizia que décadas atrás, você podia terminar o ensino médio e afirmar que tinha concluído os estudos. Na primeira década do século XXI percebemos que é preciso manter-se em formação constante, indo além da faculdade e buscando a pós-graduação para marcar o seu diferencial no mundo do trabalho.

Os dilemas são muitos, os desafios são inúmeros, mas o jovem de hoje precisa compreender que o mundo mudou e com ele as relações de trabalho ficaram mais “líquidas”, exigindo que a juventude se mobilize no sentido de superar estas barreiras e encontrar o seu “lugar ao sol”.
* Texto publicado na Revista Mil Olhares, Parnamirim, Ano 1- Nº 2, Maio de 2011. p.11.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Se o povo não tem ônibus, que vá de taxi.

O que proponho é fazer um breve paralelo, tendo cuidado com os anacronismos, entre duas populações de duas distintas cidades: Paris pré-revolucionária e Natal grevista.  Ambas sofriam o mesmo mal: eram governados por cabeças ineptas. E como se não bastasse,  apesar das duas cidades possuírem muitas belezas, o seu povo estava entregue aos ratos (Paris) e ao mosquito da dengue (Natal).
Os leitores podem pensar que existem poucos aspectos em comum que ligam as histórias de lugares tão distantes no tempo e no espaço, mas podemos afirmar que tanto os parisienses do século XVIII quanto os natalenses do século XXI possuem o mesmo problema: a  insatisfação com a política local.
Ao contrário dos parisienses, que insuflados pela burguesia, pegaram nas armas e lutaram com sua força para deter os desmandos da dinastia francesa, nós natalenses podemos utilizar de outras armas, tão eficazes quanto as antigas e já ultrapassadas baionetas e canhões. Nossa arma é a mobilização política.
Os franceses revoltosos de séculos atrás reuniam-se no Campo de Marte para discutir a ausência de um diálogo entre o governo e os súditos prejudicados, naquele caso representados pelo 3º estado. E os natalenses? Onde devem se reunir? Em cada rua, cada esquina, cada canto que exija uma ação política eficaz.
Mesmo que tenha sido inventada pelo povo a anedota  que a rainha da França Maria Antonieta, diante dos pedidos do povo por pão, teria dito que comessem brioches, Natal inteira sabe que a prefeita decretou que todos os transportes particulares fizessem um cadastramento para amenizar os prejuízos da população da capital com a greve dos motoristas e cobradores dos transportes públicos. E como a monarca francesa, a prefeita eleita por todas as classes sociais da capital potiguar ri de nossas dificuldades e internamente diz: "Se o povo não tem ônibus, que vá de taxi".

domingo, 1 de maio de 2011

O "bullying" é coisa de gente grande?

Hoje recebi uma tarefa complicada: falar sobre o bullying em sala de aula. Demorei um pouco para responder a primeira pergunta e depois percebi que minha relutância em pressionar a primeira tecla estava justamente atrelada ao que impede todos nós de seguir adiante no debate deste tema: a vergonha.
É claro que quando criança sofri alguns tipos de humilhações e agressões que hoje são denominadas de "bullying". Aliás, poderíamos começar justamente substituindo este termo por outro mais realista e bem conhecido em nosso idioma: violência.
O "bullying" se traduz numa violência que tanto pode ser física, quanto verbal ou simbólica. E antes mesmo de acreditar que nossa juventude vive uma nova fase de desconhecimento em torno de alguns valores como respeito e tolerância, podemos recorrer à nossa memória e lembrarmos de algumas situações que vivemos em nossa vida escolar e que foram marcadas pela chacota diante de alguma limitação nossa, da atribuição de apelidos, de pequenas agressões realizadas às escondidas e bem longe dos olhos dos adultos. Nas escolas que passei tanto na década de 1980 quanto na década de 1990, pude assistir muito desta violência gratuita e consentida.
Procurando um distanciamento da problemática e pensando um pouco como antropóloga e historiadora, acredito que o que nos falta é mais relativismo. A palavra pode parecer muito academicista, mas é bastante reveladora de nossa primeira necessidade: precisamos respeitar e entender o outro. O que vemos é o quanto o etnocentrismo nos envolve ao ponto de marcarmos a diferença pelo braço forte da agressão.
Os estudantes que praticam esta violência escolhem sempre aquele que eles julgam ser  diferente do seu grupo, quando na verdade, as semelhanças são o que mais temos em comum enquanto grupos humanos.
 Não preciso aqui fazer uso dos estereótipos, até porque todos nós os conhecemos, mas precisamos alertar as famílias, as escolas e as autoridades políticas que é necessário uma cultura do respeito e da tolerância à diferença. Enquanto não nos enxergarmos dentro de nossa humanidade, continuaremos agindo pelo pré-conceito e plantando o ódio e a violência. "Bullying" não é coisa de gente grande, mas precisa ser debatido por todos nós e banido de nossa sociedade.

domingo, 17 de abril de 2011

Um prefácio para a Semana Santa


            Lembro das minhas primeiras experiências na infância com a Semana Santa. Via a minha avó materna começar uma série de rituais a partir do Domingo de Ramos. Naquela época éramos todos católicos, embora morássemos no bairro de N.S. de Nazaré, participávamos das celebrações na Igreja Católica do bairro da Cidade da Esperança. Todo aquele tempo ritual começava quando íamos para a missa portando ramos verdes para serem abençoados pelo padre local. Muitas vezes levamos Capim Santo, planta existente na frente de casa. Minha avó materna guardava as folhas bentas, para usá-las num tempo de escuridão e trevas profundas, como ela bem ressaltava, e o qual eu torcia que nunca chegasse, apesar de saber a localização exata da bolsa que mantinha as palhinhas bentas, um cordão de São Francisco[2], caixas de fósforo e velas abençoadas.
            Durante a Semana Santa ela redobrava as rezas e a partir da quarta-feira dava início aos jejuns leves, até chegar às interdições do banho, da música laica, da carne vermelha e do doce na quinta-feira e na “sexta-feira maior”, termo que ela usava para definir a época na qual Jesus havia sido crucificado. Ligar a televisão e o rádio era proibido também para nós crianças, que acabávamos por achar aquele tempo também tedioso. Cresci neste ambiente católico e fui de pouca observância destes ritos pascais, mas de todos os eventos daquela Semana o que mais me chamava atenção era a Malhação do Judas.
                        No princípio não entendia o entusiasmo dos primos para aquela brincadeira tão agressiva para mim, desprovida de qualquer sentido prático. Percebia que as outras meninas – na maioria primas, pensavam de forma bem parecida. Na rua de cima, todos os meninos que eu conhecia entre 08 e 14 anos de idade corriam durante o dia inteiro para juntar mulambos e acessórios velhos que seriam utilizados na confecção do boneco do Judas. Malhar o Judas no bairro de N. S. de Nazaré era coisa para meninos, cabendo às meninas apenas o papel de expectadoras.
            O que mais marca a minha memória daquelas Semanas Santas é a parte dita laica que envolve o período: a algazarra que tomava conta de todos, crianças e adultos após a rasgação do boneco e a festa feita com o “romper do Sábado de Aleluia”. Minha família, bastante numerosa reunia-se na casa de um dos tios para festejar a chegada do Sábado de Aleluia, com direito a muita bebida, comida farta e galinhas roubadas[3] dos quintais dos vizinhos menos quistos. No meio de tudo surge uma questão: Mas quem estava lembrando os motivos oficiais daquele tempo ritual? Talvez apenas a minha avó, sentada na sua cama, rezando pelos seus falecidos e agradecendo a Deus pela morte do Judas e ressurreição do Cristo.
            A minha entrada no catolicismo começou aos seis meses de idade, ainda não tinha cabelo suficiente quando fui batizada na Igreja de São Pedro, no bairro do Alecrim. Fui introduzida nas aulas de catecismo ainda muito cedo, mas não demonstrava os mesmos sentimentos pios que as demais crianças nutriam em relação ao credo cristão. Nas vésperas da Primeira Eucaristia, quando orientada para confessar meus pecados ao padre, perguntei para a catequista se não poderia fazer a minha confissão com a árvore do pátio da Igreja, pois sabia que a mesma estava ausente de pecados, diferente do pároco local. Cresci procurando manter a fé raciocinada, mas permanecia sem compreender os motivos que levaram todos aqueles garotos e adultos a realizarem aquelas práticas da Semana Santa, inclusive a Malhação do Judas.
            Na adolescência, após receber o sacramento da Crisma, dei início ao meu afastamento da Igreja Católica e assim, comecei a procurar os sentidos dados pelas outras pessoas e também por mim ao fenômeno religioso.
            A apostasia veio quando cursava a pós-graduação em Antropologia Social[4], sendo o evento central para este fato o Simpósio Nacional de História sobre Inquisição. Com o distanciamento foi possível relativizar o meu próprio ponto de vista sobre o fenômeno religioso e investigar mais sobre as representações construídas em torno dos ritos da Semana Santa.
            Este trabalho assinala um reencontro meu com ritos há muito tempo vivenciados e com a experiência de bairro e de suas elaborações internas sobre os eventos sociais. O rito, de outrora incompreendido, é nesta dissertação analisado à luz da antropologia, buscando-se antes definir suas origens históricas e identificar as diversas interpretações dadas ao ritual pelos moradores de outro bairro da cidade de Natal: As Rocas.
            O bairro das Rocas é o espaço para a observação do rito e dos processos de identidade construídos em torno dele. Como a comunidade interpreta a Malhação do Judas e como a mesma define suas relações com o objeto ritual são alguns elementos abordados nesta pesquisa. Uma outra questão pode aparecer na mente do leitor: Por que não pesquisar o bairro de N.S. de Nazaré? Em Nazaré a Malhação do Judas perdeu sua força na medida que aqueles garotos cresciam e outros assuntos tomavam conta de suas vidas. Quando deixei o bairro de Nazaré - como é popularmente conhecido, no ano de 1991, a celebração da Semana Santa já mostrava sinais de enfraquecimento. Não se via mais grandes festas para o romper do Sábado de Aleluia ou a mesma ansiedade na montagem e depois, malhação do boneco do Judas. Nas Rocas o rito é socialmente aprendido na infância e as interpretações infanto-juvenis não diferem muito daquelas elaboradas pelos adultos do bairro. Por hora, introduzo o leitor neste reencontro meu com a Semana Santa.



















[1] Prefácio da dissertação: Malhação do Judas: rito e identidade. UFRN, 2007.
[2]  Cordão adquirido numa viagem feita para um centro de romaria: Canindé de São Francisco-CE.
[3] Esta prática era realizada apenas pelos adolescentes e homens solteiros do bairro. Consistia no furto de aves de criação dos quintais e puleiros da vizinhança. O roubo era realizado quando muitas das pessoas encontravam-se nas comemorações pelo romper do Sábado de Aleluia. Apenas no Domingo da Ressurreição a comunidade ficava sabendo dos prejuízos causados aos criadores de aves. Os ladrões nunca eram denunciados pois a prática caracterizava-se dentro do grupo, como uma espécie de brincadeira.
[4] Especialização em Antropologia Social/UFRN (2003-2004).

Dia de Reis e os sentidos desse evento para nossa história

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