Na última disciplina do doutorado em Ciências Sociais, assistimos o filme de Sérgio Bianchi, Quanto vale ou é por quilo? (2005). A discussão na turma girava em torno da avaliação das políticas públicas e alguns colegas acharam interessante trabalhar este filme para exemplificar um pouco a teoria que estava sendo vista em sala.
Caso o professor tivesse solicitado uma resenha crítica sobre o filme do Sérgio Bianchi, acho que a minha seria num tom muito mais crítico do que analítico, e falo isso tanto do ponto de vista da história quanto a partir de alguns elementos da semiótica, que aprendi a duras penas.
Quanto vale ou é por quilo? é um filme que apresenta uma narrativa fragmentada, entrecortada por relatos, depoimentos, narrador intruso e descontinuidade mostrada nos recortes que são feitos dentro da trama sem continuidade ou linearidade. O recurso parecia ser uma boa ideia, chegando a me lembrar um pouco o cinema russo na década de 1920, mas depois de alguns minutos percebemos que não existe uma linha narrativa que possa ser interpretada ou compreendida pelo espectador.
O filme tenta fazer uma crítica sobre a mobilização dos diferentes atores sociais em torno de alguns problemas que deverião ser tratados pelas políticas públicas, neste caso pelas políticas sociais. O recorte temporal procura transitar entre o período colonial de nossa história até os dias de hoje.
É neste aspecto que identifiquei muitas questões que fazem o vídeo parecer uma sucessão de anacronismos. Por exemplo, o filme procura discutir as condições impostas aos negros durante o regime escravagista procurando fazer uma ponte com os trabalhadores urbanos super explorados dos dias atuais. O maior problema desta tentativa é não levar em consideração que o sistema capitalista de hoje não pode ser utilizado como lente para enxergar as políticas econômicas e sociais dos séculos XVIII e XIX.
Até a primeira parte, pensava que trataria então do problema racial no Brasil e que iria abordar as poucas políticas sociais que são voltadas para a população negra brasileira e seus descendentes, entretanto o curso do filme se altera e vemos um novo ator social em cena: o empresariado interessado em investir nos projetos sociais do governo.
Neste segundo momento, temos uma crítica sobre a política de inclusão digital e social propagada pelo governo federal. O filme mostra os empresários instalando computadores ultrapassados numa escola da periferia e a rebelião dos novos usuários diante dos equipamentos, com uma cena que lembrava as imagens sobre os ludistas nos livros de história.
A problemática que podemos apontar no vídeo é uma crítica as medidas paliativas que a sociedade civil realiza como: distribuição de comida e cobertores para os moradores de rua, brinquedos baratos para as crianças carentes, tratamento caro e estadia em hotel de luxo para doentes de câncer em fase terminal. A crítica é voltada principalmente para a classe burguesa mas também é direcionada para a classe popular, tanto no seu engajamento rápido nestas medidas, quanto pela inércia diante de determinadas situações.
A crítica que o filme faz ao sistema penitenciário é outro aspecto que merece nossa atenção. O preso que é representado por um homem negro filho de uma mulher branca, em sua fala afirma que o que vale é ter liberdade para consumir. A crise do estado capitalista é pontuada, no que concerne aos gastos com acumulação (consumo social) e os gastos com a legitimação, ou seja, aceitação do sistema.
Finalizando nosso esboço de resenha, posso destacar que o filme não tem uma temática muito clara, apesar de ser caracterizado como drama, em muitas cenas vemos o tom de comicidade na forma que determinadas situações são exploradas dentro da narrativa.
E a primeira questão apresentada no filme? Onde ficam os negros nesta história? O filme não foge dos estereótipos. Os negros continuam sendo representados na sociedade brasileira como escravos, pobres e empregados domésticos, deixando claro para todos que: negro sem educação, sem emprego e morando na periferia, só pode virar marginal.
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