Na sociedade da informação e do conhecimento é necessário uma análise sócio-antropológica sobre o processo de
implantação de uma nova mídia interativa: a TV digital.
Em
2003 o governo brasileiro anunciou a implantação da TV digital interativa no
Brasil, desde então algumas reflexões foram levantadas em torno desta nova
tecnologia midiática.
A
produção de ensaios, artigos e obras de análise sobre a TV digital é recente e
cresce na mesma medida que esta tecnologia é implantada em algumas das principais cidades
brasileiras. A partir de 2004 encontramos alguns trabalhos, como a tese de
Doutorado em Engenharia da Produção (UFSC-2004) de Fernando Antonio Crocomo,
intitulada TV digital e produção interativa: a comunidade recebe e manda
notícias. O trabalho de Crocomo
segue a perspectiva da inclusão digital com a produção da programação
televisiva a partir dos interesses das comunidades. Um outro trabalho numa
perspectiva voltada mais para a crítica da cultura é o de Luis Carlos
Cancellier de Olivo. Seu livro chama-se Reglobalização do Estado e da
sociedade em rede na era do acesso. Uma obra importante para a compreensão
do papel do governo na implantação desta nova tecnologia em consonância com os
contextos globais de desenvolvimento e interação. No mesmo ano
encontramos o trabalho de Ângelo Augusto Ribeiro, chamado A TV Digital como
Instrumento para a Universalização do Conhecimento. O autor aponta para a
possibilidade de produção de conhecimentos e a democratização dos saberes que
pode ser difundido a partir desta nova mídia. Por último o trabalho de Valdecir
Becker e Carloz Montez, chamado, TV Digital Interativa: conceitos, desafios
e perspectivas para o Brasil, nos fornece os primeiros subsídios
para uma análise crítica em torno desta primeira fase da TV digital no Brasil.
A TV digital é uma nova tecnologia midiática apresentada como um novo campo de interatividade entre o espectador e a programação da televisão. Ainda não se encontra consolidada em todo o território, entretanto a produção de discursos por parte do governo reconhece a TV digital como uma possível ferramenta de inclusão social, interação, produção de conhecimento e socialização dos saberes, ampliando as esferas de democratização a partir da cultura midiática. O elemento que mais nos chama atenção são as possibilidades de transformação do espectador em produtor de conhecimento e transmissor de saberes. Entretanto, após anos de estudos em diversos centros espalhados pelo Brasil, a maioria da população desconhece os benefícios dessa que seria a TV para democratizar os conteúdos.
Percebemos que as primeiras
reflexões foram realizadas pelos pesquisadores da região sul, entretanto, nos
últimos anos, a região nordeste apresenta o crescimento do interesse em torno
do mesmo tema, posto em análise pelas áreas da comunicação social, computação e
engenharias.
Nesta
região, o destaque é o Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LAVID)
criado em 2003 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente o LAVID é
uma referência nacional e internacional na área de desenvolvimento de
tecnologia para TV Digital. As pesquisas desenvolvidas são realizadas em
parceria com outras universidades, institutos de pesquisa e empresas da
iniciativa privada. Integrando pesquisadores das diversas áreas do saber na
análise dos processos de produção da TV digital, o LAVID tem como uma de suas
perspectivas a promoção de propostas de inclusão digital. No estado do Rio
Grande do Norte, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte amplia o seu olhar sobre esse novo objeto tendo como centro de estudos e aplicações as engenharias.
O nosso interesse é na relação entre as
culturas e as tecnologias digitais, pois uma de nossas preocupações são as dinâmicas sociais que são postas em prática a partir do
desenvolvimento desta nova tecnologia midiática.
É do nosso interesse conhecer estas novas práticas culturais como também
fazer uma análise crítica das representações produzidas em torno da TV digital.
Inicialmente levantamos algumas reflexões sobre a história social da mídia e é interessante que cada leitor lembre-se dos impactos dos novos meios em todas as sociedades, desde a invenção da imprensa até o advento das mídias interativas. Outro elemento interessante é buscar entender o processo de implantação da TV digital no Brasil,
analisando os discursos produzidos sobre esta nova mídia e realizando uma
reflexão crítica em torno da produção de sentidos e representações na “era do
acesso”. Apesar do discurso do estado apontar para a possibilidade de inclusão social através da transformação do espectador em
produtor de conhecimento e de saberes uma grande parte da população brasileira não tem acesso ainda ao computador, sendo categorizados com excluídos da cultura digital, como irão participar desse novo processo? Que políticas públicas estão sendo elaboradas para reduzir as fronteiras entre os que participam da cultura digital e aqueles que ainda vivem dentro de um sistema analógico? Lanço estas questões para provocar todos vocês.
Minha primeira inquietação é pensar como uma nova tecnologia midiática subsidiada
pelo governo em parceria com a iniciativa privada pode tornar-se um mecanismo
de inclusão social e democratização do acesso? Eu ainda não tenho a chave para responder esta pergunta, mas acredito que dentro das ciências sociais pode surgir novos estudos e debates em torno desta nova tecnologia midiática.
A importância dessa discussão se insere na urgência de debates e reflexões em
torno das perspectivas levantadas por diferentes grupos em torno da implantação
da TV digital interativa na região nordeste, como também pela necessidade da
análise das dinâmicas sociais que poderão ser produzidas a partir desta nova
mídia.
Cabe ressaltar que a produção de
sentidos a partir das relações da sociedade com a mídia é uma antiga
preocupação das ciências humanas. Estudiosos das ciências sociais, filosofia e
comunicação como Walter Benjamim, Theodor Adorno, Pierre Bordieu e Umberto Eco
foram os primeiros a suscitarem sérias reflexões acerca da “era da
reprodutibilidade técnica” (BENJAMIN, 1996), construindo uma crítica
substantiva sobre a indústria cultural (ADORNO, 2002) e o “mercado de bens
simbólicos” (BORDIEU, 1974), além de auxiliarem na elaboração de uma teoria da
comunicação (ECO, 2009).
A
“era da reprodutibilidade técnica” transformou-se no século XXI na “era do
acesso”, principalmente a partir do advento da rede mundial de computadores no
final do século XX. Segundo Walter Benjamin:
No
interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades
humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. (1996, p.
169).
Atualmente
percebe-se um movimento no sentido da construção de uma antropologia da
comunicação visual (CANEVACCI, 2001), e de uma crítica à cultura das mídias
(SANTAELLA, 2003). A construção da realidade social na modernidade perpassa o
papel da cultura da mídia (CORCUFF, 2001), entretanto, a própria sociedade não
está passiva diante da produção de sentidos e representações realizada por esta
cultura (KELLNER, 2001), ela mesma cria dispositivos que podem ser acionados no
sentido de realização de uma crítica midiática (BRAGA, 2006).
Neste
contexto, é necessário ressaltar alguns aspectos em torno do tema dessa discussão. A TV digital configura-se como uma nova forma de se
fazer televisão. Esta tecnologia utiliza-se de um novo sistema de codificação
baseado numa plataforma de estruturação interativa alimentada pela rede mundial
de computadores.
Atualmente
existem três sistemas de transmissão da TV digital no mundo: o sistema ATSC,
produzido nos Estados Unidos, o sistema DVB, de origem européia e finalmente o
sistema ISDBT, criado pelos japoneses. Desde 1998 a Universidade de São Paulo
estuda novas tecnologias para a transcodificação do modelo da TV analógica para
a TV digital.
O
governo brasileiro fez a opção de utilizar-se do padrão japonês para a
construção da plataforma da TV digital no território nacional. O padrão
brasileiro é conhecido como SBTDT, sendo o Brasil o primeiro país do bloco BRIC
a lançar a TV digital interativa. É interessante conhecer as motivações políticas de adoção desse sistema que de acordo com o trabalho de Renato Cruz, favoreceu diretamente os radiodifusores.
Vários
são os discursos produzidos em torno da TV digital interativa no Brasil. Cabe
aqui ressaltar o discurso do estado que apresenta um prognóstico positivo em
torno da implantação da TV digital, caracterizando-a como uma importante
ferramenta de inclusão social, ressaltando ainda o desenvolvimento do “governo
eletrônico”, o que poderá democratizar o acesso da sociedade brasileira aos
serviços e bens culturais produzidos pelo estado.
A provocação foi feita, sugiro aos interessados buscar os artigos e livros produzidos e descobrir um pouco mais sobre essa mídia interativa além dos aspectos técnicos e potencialidade para o consumo de bens e serviços. O olhar sobre a TV digital precisa ser crítico, ressaltando que se todos reclamam da TV aberta e de suas mazelas e desserviço, o modelo que está proposto não será muito diferente. Espero que o refrão da música dos Titãs não se concretize com a nova mídia em tempo ainda incerto.
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