terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Centro Histórico e Corredor Cultural de Natal: um roteiro para as férias

A história das cidades confunde-se com o processo de civilização da humanidade e desde a fundação de Jericó que elas são imortalizadas tanto pela sua trajetória quanto pela cultura que as permeia. E não é preciso viajar por estradas milenares ou caminhar em ruas centenárias para entender do que falo. Cada cidade tem dinâmicas sociais próprias que a caracterizam e a diferenciam de todas as outras. Com a cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte não é diferente.
Fundada ainda no século XVI, Natal nasceu como reflexo das conquistas da União Ibérica diante do assédio de corsários e piratas. A sua origem seguindo um traçado urbano medievo-renascentista, muito diferenciava-se dos aldeamentos indígenas que preexistiam e também já sinalizava para as mudanças que a conquista ibérica provocaria no território do Rio Grande.
Apesar dos historiadores tradicionais, entre eles Câmara Cascudo insistirem que os primeiros habitantes do Rio Grande foram exterminados na Guerra dos Bárbaros ou fugiram para os territórios vizinhos diante do avanço da cana e do gado, hoje sabemos que o estado passa por um movimento de emergência étnica bem forte e que as ações afirmativas ganham terreno, trazendo mais luz para as questões que envolvem a formação do povo potiguar e aqui penso nos norte-riograndenses indígenas, negros, pardos e brancos.
A cidade é um tema privilegiado tanto nos estudos históricos quanto dentro da antropologia, mas é preciso que cada habitante também a conceba como um lugar de memória. A tarefa começa na escola com os estudos sobre a origem da cidade e seu desenvolvimento ao longo dos séculos, entretanto, é necessário que todos possam se deparar com sua historicidade e senti-la para que exista um processo de identificação que terá como resultado a compreensão da urgência de preservação e manutenção tanto de nossa cidade, quanto das práticas culturais que nela se expressam.
Convido você para fazer um roteiro diferente nas suas férias e conhecer mais o centro histórico e visitar o Corredor Cultural da cidade de Natal. Lembrando que todos somos sujeitos sociais e que a construção de nossa história é feita cotidianamente, por essa razão, conheça a sua cidade e defenda sua preservação.
Para começar o roteiro, sugiro a visita a mais antiga construção militar do Rio Grande do Norte e uma das mais bem preservadas do Brasil: A Fortaleza dos Reis Magos. Em 06 de janeiro de 1598 começou a ser edificada a construção da fortificação na boca da barra do rio Potengi. A primeira construção foi de pau-a-pique com varas. O engenheiro e padre Gaspar de Samperes é o responsável pela planta arquitetônica do projeto atual, com influência de estilo renascentista, a fortaleza tem sua planta assemelhada a uma estrela de cinco pontas. Francisco Frias de Mesquita foi o arquiteto-mor designado para supervisão da construção. A fortaleza dos Reis Magos é a primeira construção portuguesa erguida no Rio Grande do Norte.
A atual Praça André de Albuquerque é o lócus de fundação da cidade de Natal em 25 de dezembro de 1599. O centro da cidade seguiu um traçado urbano com as ruas estendendo-se ao redor da igreja matriz. Demorou bastante para Natal ter uma população maior do que muitas vilas do interior da província. Apenas no ano de 1902 ocorreu o povoamento da zona norte da cidade e da Ribeira. Em 1929 o então prefeito de Natal Omar O’ Grady convidou o arquiteto italiano Giacomo Palumbo para elaborar um plano de sistematização da expansão urbana de Natal. Nesta época a Ribeira despontava como o principal centro cultural e comercial da cidade e a Cidade Alta só retomaria seu papel privilegiado nas dinâmicas da cidade durante a segunda guerra mundial, ou seja, entre 1942 e 1945. Entretanto, os efeitos da presença das tropas aliadas no bairro e na cidade foram sentidas ao longo de muito tempo. A praça abriga um obelisco em homenagem aos revolucionários de 1817 entre eles, André de Albuquerque Maranhão, aristocrata potiguar que participou ativamente desta revolução, o mesmo encontra-se sepultado no interior da Igreja Matriz.
A segunda construção da cidade foi provavelmente a capela primitiva erguida no sítio no qual se encontra a antiga catedral de Natal. A Igreja Matriz Nossa Senhora da Apresentação foi o primeiro templo religioso construído na cidade. Sua fundação está associada ao surgimento da cidade no ano de 1599. Passou por várias reformas: em1619 estava pronta para abrigar os católicos moradores da cidade; De 1633 até 1654 foi transformada em templo calvinista em função da invasão holandesa.  No ano de 1694 sofreu uma nova reforma, após o incêndio provocado pelos holandeses. Em 1786 a igreja sofreu uma nova ampliação, relacionada ao crescimento da população da cidade. O ano de 1862 assinala a última ampliação e conclusão da atual fachada. Após minucioso processo de restauração na década de 1990, a igreja retomou suas feições barrocas. A visitação é bastante dificultada pois a igreja abre apenas no final da tarde para os ofícios religiosos, mas vale a pena observar sua fachada e identificar os elementos que foram utilizados em sua estrutura e que foram deixados em evidência para os interessados em sua história.
Com o crescimento da vida econômica no Rio Grande e o desenvolvimento da indústria açucareira, o tráfico de africanos e sua escravização também fez parte da história da antiga capitania. A presença de africanos escravizados e seus descendentes fazia parte do contexto social da época, como também as tentativas de aproximá-los do credo católico. Por essa razão, a segunda construção religiosa da cidade de Natal foi a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos: foi construída na cidade provavelmente no ano de 1714, erguida com as contribuições dos escravos. Em estilo barroco, é considerada um marco da arquitetura colonial e expressão da fé católica entre os cativos da capitania e de suas irmandades religiosas.
A Igreja de Santo Antonio foi a terceira igreja católica construída na cidade de Natal, na segunda metade do século XVIII. Sua arquitetura segue o estilo barroco e apresenta um para-raio em forma de galo, sendo esta razão de também ser conhecida popularmente como Igreja do Galo.
Outro lugar de memória do centro histórico da cidade de Natal é o Memorial Câmara Cascudo: abrigou a antiga tesouraria de fazenda, entretanto, o prédio que vemos restaurado hoje  foi construído em 1875 em estilo neoclássico, onde antes havia o edifício do Real Erário no século XVIII. Funciona o Memorial em homenagem ao pesquisador e etnográfo Luis da Câmara Cascudo desde o ano de 1987. Cascudo foi uma das figuras que lutaram pela preservação e restauração do antigo prédio. Hoje encontra-se em exposição permanente obras, homenagens e iconografias do folclorista Câmara Cascudo.
O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte ocupa o edifício construído em 1906 no estilo neoclássico. É a mais antiga instituição cultural do RN. Na sua entrada encontramos o pelourinho da cidade que data de 1732, e que ficava na antiga Rua Grande. Encontramos também os brasões do império e república em sua fachada. Outro artefato de grande importância é a Coluna Capitolina, doada pelo duce Benito Mussolini em comemoração ao reide aéreo realizado pelos pilotos italianos Carlo Del Prete e Arturo Ferrarin na década de 1930.
Na rua da Conceição encontra-se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: O IPHAN. É o órgão federal responsável pela preservação e defesa do patrimônio cultural nacional. O prédio é uma construção em estilo colonial, considerado o melhor exemplar de arquitetura civil da cidade. O edifício atual ocupa o espaço do antigo Armazém real da Capitania do Rio Grande (século XVIII). É importante destacar que a construção já abrigou várias funções sendo seu último morador ilustre o Padre João Maria. A praça por trás da igreja Matriz N.S. da Apresentação possui uma hermida em homenagem ao padre e a sua atuação caridosa na cidade no começo do século XX.
O Museu Café Filho ocupa o sobradinho da rua Conceição que é uma construção tombada desde 1963. O prédio foi construído entre 1816-1820, pelo Capitão-Mor de milícias José Alexandre Gomes de Melo. É o primeiro sobrado particular erguido em Natal, sendo considerado um belo exemplar de arquitetura civil do período colonial. Popularmente é conhecido como véu de noiva graças ao telhado. Atualmente o prédio abriga o Museu Café Filho. Café Filho foi advogado envolvido com movimento sindicalista no estado e apoiou diretamente a Revolução de 1930. Amigo pessoal de Getúlio Vargas, foi seu vice-presidente e após seu suicídio, foi presidente do Brasil por um curto espaço de tempo. O museu apresenta parte de seu acervo, homenagens, condecorações, mobiliários e imagens de momentos marcantes de sua vida pessoal e da sua trajetória política.
Diante da Praça Sete de Setembro, também conhecida como praça dos três poderes, está o Palácio Potengi, conhecido como Palácio da Cultura. Construído em estilo neoclássico entre os anos de 1866-1873, por determinação do Presidente de Província Olinto José Meira para abrigar a Assembléia Legislativa e Tesouraria Provincial até 1902,  o prédio foi o palácio do governo de vários governantes entre eles Alberto Maranhão, Aluízio Alves e Wilma de Faria. Atualmente abriga a Pinacoteca do Estado. Este monumento é tombado desde 1965 e é o melhor exemplar do estilo neoclássico da cidade.
Do outro lado da praça avista-se o Palácio Felipe Camarão, sede da  Prefeitura de Natal. O prédio foi construído em 1922 em alusão ao centenário da Independência do Brasil no espaço da antiga Intendência Municipal. Apresenta estilo eclético, sendo também conhecido como bolo de noiva devido ao exagero de decorativismo.
No corredor da Junqueira Aires temos a Ordem dos advogados do Brasil. O prédio foi um projeto do arquiteto Herculano Ramos encomendado pelo então governador Alberto Maranhão. Sua construção teve  início no começo do século XX em estilo Art Nouveau para sediar o Congresso Legislativo do Estado. No ano de 1938 foi cedido pela Interventoria Federal para sediar o Tribunal de Justiça e desde o ano de 1978 é a sede da OAB no estado.
Ainda na Junqueira Aires surge a fachada da Capitania das Artes. No século XIX o prédio abrigou a sede da Capitania dos Portos e a Escola de Aprendizes Marinheiros até 1972. O edifício ficou abandonado por 20 anos. Apenas na década de 1990 houve uma restauração e recuperação da fachada original. Hoje é uma instituição cultural de relevância para a cidade de Natal.
A Casa de Câmara Cascudo foi construída pelo industrial Afonso Saraiva Maranhão em 1900 e vendida para o sogro de Cascudo em 1910. A casa é em estilo de chalé com influências do neoclássico. Nesta casa, Cascudo morou com sua esposa e filhos. Hoje abriga um centro de visitação de importante referência sobre a vida do estudioso potiguar: o Instituto Ludovicus.
Aproximando-se da Ribeira surge o Solar Bela Vista, uma construção do início do século XX, concebido como uma residência, e que foi sede provisória do Tribunal de Justiça do Estado, em seguida Hotel Bela Vista. Apresenta características do estilo neogótico e desde 1958 o prédio foi comprado pelo Sesi sendo hoje sede de um centro de cultura e lazer.
E finalizamos o roteiro na praça Augusto Severo, onde temos várias construções de destaque para a história tanto do bairro da Ribeira quanto para a história da cidade de Natal. A primeira construção é o Teatro Alberto Maranhão: obra iniciada pelo governador Ferreira Chaves no ano de 1898 foi concluído em 24 de março de 1904 com o nome de Teatro Carlos Gomes. Em 1910, o então governador Alberto Maranhão convidou o arquiteto Herculano Ramos para as obras de reforma do prédio. Nessa construção observamos a predominância do estilo eclético. O teatro foi reinaugurado em 19 de julho de 1912, apesar de uma grave crise econômica que se abatia sobre o estado do Rio Grande do Norte. Nele encontramos no frontão uma escultura realizada pelo francês Mathurin Moreau, simbolizando a arte. Em 1957 o teatro recebeu o nome de Alberto Maranhão.
No espaço antes ocupado pela antiga rodoviária surgiu o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão. A construção original é no estilo arte decó e  guarda um rico acervo da cultura potiguar. Sua visita encerra o roteiro proposto mas não finaliza os modos de conhecer a cidade e a construção de uma identidade histórica, cultural e social.

Bibliografia consultada:

Fundação José Augusto. Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine. Personalidades históricas do Rio Grande do Norte. Século XVI a XIX. Natal: Fundação José Augusto, Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine, 1999.

MIRANDA, João Maurício Fernandes. Evolução Urbana de Natal e 400 anos: 1599-1999. Natal: João Maurício Fernandes Miranda, 1999.

NESI, Jeanne Fonseca Leite. OLIVEIRA, Hélio. Almeida, Ângela Maria de. Caminhos da arte. Natal: Cosern, 2001.

IPHAN. Patrimônio Cultural do Rio Grande do Norte. Natal: 4a SR;/3a SubR, s/ano



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