quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um pedido de natal para o próximo tempo: melhor educação para todos.

O ano de 2011 já está acabando e precisamos refletir sobre o que fizemos para melhorar a educação. Os leitores professores podem pensar que bastava ministrar boas aulas ou, como ainda dizem alguns, passar o conteúdo. Os leitores alunos imaginam que entregar as atividades em dia e garantir boas notas também seria suficiente. Já os leitores pais de alunos acreditam que ter incentivado as habilidades de seus filhos e acompanhado seu desenvolvimento na escola ou faculdade estava de bom tamanho.
Na verdade, precisamos lembrar que a educação é o mais forte elemento de mudança social, mas como preconiza Pierre Bordieu nos seus Escritos de educação, a educação ainda está longe de oferecer a mobilidade social que precisamos em todo mundo, principalmente nos países periféricos como o Brasil. Ela ainda é uma cultura aristocrática e que atinge de forma mais eficiente a classe média e a classe rica.
Podemos acompanhar esse cenário de pouca mobilidade quando nos remetemos às universidades públicas e escolas federais e notamos que grande parte do seu alunado é composta por uma camada que recebeu uma educação diferenciada, partilhando um "capital cultural" e um ethos familiar que favoreceram sua entrada no ensino público de qualidade.
É claro que não há nenhum mal nisso, o único problema é que enquanto algumas classes reforçam um tipo de atitude relativa ao processo de educação formal, valorizando os estudos e as formações complementares, uma grande parcela da população continua alheia a esses valores e esquece de desejar e exigir uma educação de qualidade.
Minhas palavras não são baseadas apenas nas teorias que li. Na minha breve passagem pelo ensino público estadual me deparei com alunos esforçados e comprometidos com sua formação e hoje fico feliz em vê-los cursando faculdades, tanto em universidades públicas quanto privadas. Mas também havia aqueles que achavam que a melhor expectativa de vida que poderiam almejar era terminar o ensino médio e serem absorvidos pelo comércio local ou pelo sistema fabril. Infelizmente essa camada era a maioria.
Mas como podemos alterar esse quadro? Segundo o próprio Bordieu, o desejo razoável de ascensão social não pode existir se não houver chances reais de sucesso. Em outras palavras, as pessoas precisam perceber que a educação formal  lhes dará uma certeza de ascensão social e de melhor qualidade de vida para si e para os outros. É nesse momento que precisamos reforçar a importância da elaboração de políticas públicas que possam garantir tanto um ensino público de qualidade para todos quanto um espaço para crescimento e desenvolvimento dentro da sociedade. Até porque a vida e o sonho são feitos dos mesmos materiais que tecem a realidade. O meu pedido de natal para o próximo tempo: melhor educação para todos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O padre, o latifundiário e a revolução.


Revoltas e revoluções: uma breve reflexão
            As aulas de história nas escolas brasileiras de algumas poucas décadas atrás privilegiavam os aspectos político e econômico do nosso processo histórico e pouco apresentavam do quadro social que compunha esse cenário. É importante destacar que era prática corrente o estudo sobre as revoltas brasileiras e a sua divisão, nos livros didáticos, entre revoltas nativistas e revoltas separatistas. Entretanto, o estudo destes movimentos políticos e reivindicatórios carecia tanto de uma análise aprofundada sobre os contextos locais, como também de uma visão que nos possibilitasse conhecer os atores sociais envolvidos nos processos.
            A partir deste ponto, é importante lembrar que nos livros didáticos, ainda é reservado um espaço limitado para a discussão sobre as revoltas de caráter emancipacionista do começo do século XIX, e que são essenciais para a compreensão do processo de independência e suas lutas nas diferentes regiões do Brasil. Uma das maiores revoltas no Brasil Joanino foi a Revolução Pernambucana, revolta de grande alcance e de importantes repercussões na história nacional. Apesar do caráter local de suas demandas, a Revolução de 1817 foi gestada a partir de um ideário nascido no velho mundo: o pensamento crítico iluminista.
Atmosfera de revolução
Os ventos revolucionários sopravam de longe e espalhavam ideais democráticos e valores igualitários por diferentes partes do mundo. Estamos falando de um período que foi chamado pelo historiador anglo-egípcio Eric Hobsbawm (2001) de a “Era das revoluções”. Esta fase que compreende o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX é decisiva para configuração do mundo contemporâneo.
O nascimento dos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” podem ser acompanhados nas obras dos filósofos da conhecida Ilustração europeia, este movimento é também chamado de Iluminismo e teve fortes repercussões no velho e no novo mundo. Fortes (2004) indica em sua obra que, o Iluminismo representou uma atitude cultural e espiritual que procurou elaborar uma nova doutrina política e social, disseminando como princípios a universalidade, a individualidade e autonomia do sujeito ou nação.
Podemos afirmar que o princípio da autonomia individual e da nação espalhou-se no ar após a Revolução Francesa de 1789, provocando o despertar de um sentimento de nacionalismo e a busca pela ruptura com o sistema colonial no novo mundo. Assim, no continente americano, explodiram diferentes revoltas, atestando a fragilidade do sistema colonial e os seus limites. Para os grupos revolucionários o Antigo Regime havia caído na França dos Bourbon e precisava ruir na América Latina também.  
O Nordeste no olho da tormenta
No século XVIII, o Brasil conheceu diferentes movimentos políticos, sendo dado um maior destaque na historiografia para a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, esta última com clara influência jacobina. Entretanto, no século XIX, explodiu nas capitanias nordestinas um grande movimento que almejava o fim do pacto colonial e a criação de uma república democrática: A revolução de 1817 ou Revolução pernambucana.
É interessante destacar que a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarve, no ano de 1808, nada alterou nas relações entre o Estado e as províncias nordestinas. A situação de exploração, taxações indevidas e descaso com os problemas locais apenas aprofundou os problemas da região, alguns deles agravados por longos períodos de estiagem.
Muitos dos relatos que conhecemos hoje sobre o período, encontram-se nas crônicas de viajantes e são de grande importância para a compreensão das transformações políticas, econômicas e sociais no Brasil do século XIX. Um exemplo interessante é a forma como podemos perceber a atmosfera pré-revolucionária (1815-1816) nas impressões do viajante inglês Henry Koster (1978). 
Koster afirma em seu livro Viagens ao Nordeste do Brasil, publicado em 1816 na Inglaterra, que a revolução pernambucana podia ser considerada como a maior insurreição no mundo luso-brasileiro. É importante lembrar que o cenário político da época apresentava ao mesmo tempo as profundas contradições do sistema colonial português e as ambiguidades presentes no processo de independência, como bem aponta Mota (1986).
O próprio Koster viajou por quase toda a região nordestina e esboçou um retrato de sua população e dos entraves econômicos que a mesma vivia em função do sistema colonial. Parte de suas observações foi sobre as relações econômicas nas suas capitanias, defendendo a importância do crescimento da população livre para incremento das transações comerciais.
Em um trecho de seu livro, Koster trata da dependência dos nordestinos dos produtos manufaturados ingleses (1978, p.161): “[...] os artigos de rouparia europeus só as pessoas ricas podiam adquiri-los. Contudo, abertos os portos do Brasil ao comércio estrangeiro, as mercadorias inglesas fizeram seu caminho por todo país e os negociantes são numerosos”. Em outro trecho, ele revela sua estadia no engenho Cunhaú (idem, p.169), no Rio Grande, de propriedade de André de Albuquerque e Maranhão, futuro líder político da revolução nas terras potiguares.
Na obra 1822: dimensões, do historiador Carlos Guilherme Mota, percebemos que o envolvimento dos membros da Igreja católica no movimento foi grande. O próprio Koster, testemunha dos primeiros momentos revolucionários, era amigo do sacerdote João Ribeiro Pessoa de Melo Monte Negro, um dos líderes principais do movimento na província pernambucana. A revolução contava ainda com o padre Pedro de Souza Tenório, de Itamaracá e o padre natalense Miguel Joaquim de Almeida Castro, também conhecido como Frei Miguelinho e figura de destaque dentro do movimento.
Cada sociedade elabora os heróis que acredita melhor representá-la, entretanto, quando tratamos do quadro revolucionário que agitou o nordeste brasileiro na primeira metade do século XIX, vemos que entre as principais lideranças dos diferentes movimentos existiam participantes de uma elite intelectual, educada dentro dos valores liberais e engajada em outro tipo de luta contra a repressão e o obscurantismo presentes no pensamento político do regime monárquico.
Entretanto, não só de padres se fez a participação na revolução, ela contou também com a participação de diferentes grupos sociais, todos eles ligados às elites, como comerciantes, proprietários rurais e militares de quatro diferentes capitanias do nordeste: Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. O aspecto em comum  era o descontentamento diante da crise da economia colonial e a opressão exercida pelo governo monárquico.
A revolta espalhou-se a partir de Recife e Olinda. O historiador Flávio Guerra (1994, p.90) em sua obra História de Pernambuco, afirma que na época, a capitania era governada pelo general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, o que despertava grande descontentamento na população principalmente pela cobrança de altos impostos. A inventividade do povo do Recife criou uma quadrinha muito conhecida pela tradição oral para o governador: “era Caetano no nome, Pinto na falta de coragem, Monte na altura do físico e Negro nas ações”.
Muitos pesquisadores atestam que a partir de 1800, sociedades secretas promoviam os ideais liberais nas terras brasileiras. Fazia parte de seu programa, a defesa da liberdade e o fim da fim da opressão política, a adoção do republicanismo, com a elaboração de uma constituição que limitava os poderes e declarava os direitos dos cidadãos. Dentro deste processo, é importante destacar o papel das lojas maçônicas, do Seminário de Olinda e do convento Madre de Deus, no Recife, na propagação das ideias iluministas.
O Rio Grande não diferiu desta composição. Os seus nomes de destaque são do padre Miguelinho e do latifundiário André de Albuquerque e Maranhão. Segundo Monteiro (2007, p.82-83), o próprio líder político do movimento, era: “proprietário do engenho Cunhaú e coronel de cavalaria miliciana”. Mas, quem são essas figuras e quais papéis exerceram de fato dentro do movimento nas terras potiguares?
O padre e o latifundiário
Por sua vez, a capitania do Rio Grande era governada pelo capitão-mor José Inácio Borges desde dezembro de 1816. Para o tradicional historiador Tavares de Lyra, a eclosão da Revolução de 1817 pode ser considerada: “uma explosão de revolta contra o absolutismo português”. (LYRA, p.216).
Como já foi dito acima, a revolta contou com a participação de importantes membros religiosos da igreja, agrupados em torno do Seminário de Olinda (SOUZA, 1999, p.60-61). Dentre eles, o destaque local é Miguel Joaquim de Almeida Castro, o padre Miguelinho.
Miguelinho nasceu em Natal, no ano de 1768 e aos 12 anos foi para Recife completar os seus estudos juntamente com alguns de seus irmãos. Foi ordenado pelos carmelitas, tornando-se primeiramente Frei Miguelinho de São Bonifácio mas em 1800 solicitou sua secularização, tornando-se padre. Em viagem pela Europa, conheceu o bispo D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, fundador do Seminário de Olinda.
O bispo o convidou para ensinar no Seminário de Olinda onde ocupou a cadeira de retórica. No seminário aproximou-se mais das ideias liberais e passou a frequentar sociedades secretas e reuniões que tratavam sobre o ideal de independência. Sua importância no movimento em Recife é relevante, já que participou ativamente, sendo nomeado secretário do governo provisório.
Apesar da relevância de sua participação na Revolução de 1817, poucos historiadores locais reconhecem o papel do padre Miguelinho como mentor intelectual do movimento e reservam o destaque principal para o latifundiário André de Albuquerque.  O desfecho de sua participação ocorreu com a sua prisão em sua residência e envio para a Bahia, onde foi julgado e condenado ao fuzilamento no dia 12 de junho, na cidade de Salvador.
No Rio Grande, além dos abusos e desmandos cometidos pelo capitão-mor, havia ainda um grande descontentamento local pelo fato da capitania viver subordinada à Pernambuco.  Na defesa do princípio de autonomia, as elites locais se agruparam em torno de André de Albuquerque Maranhão, figura controvertida que aparece dentro da historiografia tradicional como o herói e mártir do movimento.
 André era um rico proprietário de terras e ocupava naquela época o cargo de coronel das milícias. Vários historiadores apontam sua proximidade com as doutrinas liberais, principalmente pelo fato do mesmo participar da maçonaria, porém, o que deve ser destacado é que outras leituras são feitas hoje em torno do seu papel dentro da revolução e aos poucos fica evidente o caráter elitista da sua participação dentro do movimento.
O próprio movimento em si não contava com o apoio popular, pois o povo foi excluído da pauta de discussões sobre os problemas políticos e econômicos que a província atravessava. O governador Inácio Borges, quando informado da eclosão do movimento, emitiu uma proclamação condenando o movimento. Alguns trechos de sua proclamação revelam a sua percepção em torno dos primeiros ventos da revolta: “tumulto popular”, “lamentável acontecimento”, “sedição”, “facciosos”, “rebeldia”, “usurpado”, “espantosa anarquia”.
Mesmo André de Albuquerque sendo feito líder da revolução no Rio Grande, o historiador Tavares de Lyra (2008, p.234) afirma que ele não tinha aptidão política e que o mesmo não apresentava capacidade suficiente para liderar um governo revolucionário. André instalou seu governo provisório em 29 de março de 1817, não encontrando resistência de tipo algum. O historiador argumenta que a própria composição do gabinete revolucionário atesta a falta de experiência e força para garantir o triunfo dos ideais da revolta.
Apesar da revolução em Pernambuco ter sido encerrada em 21 de maio de 1817, com a delação e repressão por parte do almirante Rodrigo José Ferreira Lobo, no Rio Grande, o governo revolucionário teve uma breve duração e o movimento não durou mais do que 30 dias.
Os contrarrevolucionários surpreenderam André de Albuquerque em seu gabinete, que funcionava no prédio do atual Memorial Câmara Cascudo e no dia 25 de abril, André foi deposto por um grupo liderado pelo seu partidário Antonio Germano. O líder da revolução morreu no calabouço da Fortaleza dos Reis Magos em decorrência de um ferimento provocado durante a sua deposição. Com André de Albuquerque morria no centro da capitania o ideal liberal, entretanto, a luta continuou na Serra de Martins e em Portalegre, quando finalmente foi debelada toda resistência ao governo monárquico na capitania.
José Inácio Borges foi restituído ao seu cargo de governador e ordenou a ocupação do engenho Cunhaú. Ocorreu em seguida a prisão dos revolucionários com a perseguição e repressão aos partidários de André de Albuquerque. Muitos deles eram membros de sua família, o que levou alguns historiadores caracterizarem o movimento no Rio Grande como “a revolta dos Albuquerque e Maranhão”.
Sobre o desfecho do movimento na capitania, Monteiro (2007, p.84) afirma: “No Rio Grande, os que aderiram ao movimento tiveram suas penas abrandadas, não tendo a Coroa portuguesa aplicado a pena de morte ou de degredo a nenhum deles, ao contrário do que ocorreu em outras províncias.”
Assim, encerra-se uma página revolucionária nordestina: um padre iluminista e um latifundiário liberal emprestaram sua força para um dos mais importantes movimentos de emancipação da história do Brasil. Entretanto esta tradição revolucionária ainda ofereceria resistência nos anos seguintes ao autoritarismo do império.
Para saber mais:
FORTES, Luiz Roberto Salinas. O iluminismo e os reis filósofos. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO. Centro de estudos e pesquisas Juvenal Lamartine. Personalidades históricas do Rio Grande do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1999.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de educação e cultura, 1978.
LYRA, Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3ª ed. Natal: EDUFRN, 2008.
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à história do Rio Grande do Norte. 3ª ed. Natal: EDUFRN, 2007.
MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986.
SOUZA, Itamar de. A revolução de 1817 no RN: André de Albuquerque e o padre Miguelinho. Natal: Editora O Diário S/A, 1999. Coleção Diário do Rio Grande do Norte. Fascículo 3.

VERSÃO ORIGINAL DA MATÉRIA PUBLICADA NA REVISTA LEITURAS DA HISTÓRIA. Nº 45, SETEMBRO/2011. ISSN: 1982-2464.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Historiando as mídias

A produção do sentido a partir das relações da sociedade com a mídia é uma antiga preocupação das ciências humanas. Estudiosos das ciências sociais, filosofia e comunicação como Walter Benjamim, Theodor Adorno, Pierre Bourdieu e Umberto Eco foram os primeiros a suscitarem sérias reflexões acerca da “era da reprodutibilidade técnica” (BENJAMIN, 1996), construindo uma crítica substantiva sobre a indústria cultural (ADORNO, 2002) e o “mercado de bens simbólicos” (BOURDIEU, 1974), além de auxiliarem na elaboração de uma teoria da comunicação (ECO, 2009).


A “era da reprodutibilidade técnica” transformou-se no século XXI na “era do acesso”, principalmente a partir do advento da rede mundial de computadores no final do século XX. Segundo Walter Benjamin: “No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência”. (1996:169). Acompanhamos cada dia não somente o avanço da tecnologia e das formas de comunicação e informação, mas a própria transformação da sociedade ocidental e o surgimento de um novo paradigma.

Dito isto, a tarefa de construção desse texto constitui-se num esforço para aproximar as Ciências Sociais da História, projeto antigo e que havia sido debatido por Fernand Braudel e antes dele por François Simiand (BRAUDEL, 1982). Nesse capítulo, pretendemos discutir como o homem inicia o seu processo comunicacional, inserindo nele as práticas de ensinagem. Pretendemos ainda tratar do aparecimento dos meios de comunicação estabelecendo a relação entre as mídias e a educação na atual sociedade.

O trabalho do pesquisador da cultura é identificar as formas de elaboração das representações, sentidos e significados conferidos pelos homens e mulheres ao longo do tempo às suas dinâmicas culturais e práticas sociais (PESAVENTO, 2005). Entre essas práticas encontra-se a educação, organizada em um processo de ensino-aprendizagem, existente desde as culturas tradicionais, com o conjunto de saberes transmitido através da história oral e nas sociedades complexas e letradas.

Com o desenvolvimento das primeiras sociedades em aproximadamente 3.500 antes da era comum, podemos perceber que em diferentes partes do mundo, os homens iniciaram o processo de registro da sua oralidade com o aparecimento da escrita, seja ela pictográfica, ideográfica, hieroglífica ou alfabética; para isso, utilizaram diferentes tipos de materiais de acordo com a disponibilidade de recursos naturais, modificando suas formas de percepção em torno da realidade.

Refletindo sobre as transformações que acompanham a humanidade ao longo de sua trajetória, Gontijo nos indica que (2004:399-400):

O objeto central dessas mudanças é o próprio ser humano e sua capacidade simbólica. As sociedades se estruturam através de um tecido simbólico cujos fios são a língua e todos os diferentes aspectos da cultura, inclusive as religiões. A capacidade de comunicar articulando sons providos de significado é o que distingue dos outros animais, e a nossa linguagem é o resultado da habilidade de raciocinar a respeito de nós mesmos.
O aparecimento da escrita é considerado por muitos pesquisadores, o evento fundador da ideia de civilização na antiguidade (BURNS, LERNER, MEACHAM, 2005). Entretanto, é preciso relativizar esta questão, principalmente por reconhecermos o valor que deve ser atribuído às outras sociedades que se desenvolveram ao longo dos séculos, desconhecendo, ou até mesmo desconsiderando o papel da escrita.

Ao mesmo tempo que várias sociedades descobriram diferentes processos para realizar os registros escritos de suas culturas, outros povos na atualidade permanecem fazendo uso de outros sistemas de transmissão de conhecimento, principalmente aqueles baseados na tradição oral. Amadou Hampatê Bâ (2010:221) nos indica em passagem de seu artigo:

Quando falamos de tradição em relação à história africana, referimo-nos à tradição oral, e nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos povos africanos terá validade a menos que se apóie nessa herança de conhecimentos de toda espécie, pacientemente transmitidos de boca a ouvido, de mestre a discípulo ao longo dos séculos. Essa herança ainda não se perdeu e reside na memória da última geração de grandes depositários, de quem se pode dizer, são a memória viva da África.

Esta discussão pode ser ampliada em outro momento, pensando dentro da sociedade da informação com as novas mídias e o cenário de convergência.



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Um pouco de história e relativismo cultural faz muito bem

Anos atrás fui acusada de admirar muito a raça humana. Disseram até que eu tinha mais fé no homem do que na divindade. Naquele momento me senti mais humanista e antropocentrista do que nunca. Eu já estava atuando no campo da antropologia social, mas ainda me espantava com o meu próprio etnocentrismo e preconceitos.
Mas mesmo assim, acreditava muito na nossa raça e a cada dia sentia mais curiosidade por estudar as suas dinâmicas e práticas culturais. Entretanto, me deparei com um lado bastante obscuro da nossa humanidade: a intolerância diante do diferente e quanto mais investigava sobre as culturas, mais me assombrava com o crescimento de atitudes que já deviam ter sido banidas de nossa esfera social.
Quando me tornei professora de Antropologia, no ano de 2008, firmei um compromisso comigo de que sempre trataria dos perigos que existem em uma sociedade que apresenta uma postura etnocêntrica. Enquanto historiadora, procurei também apresentar exemplos contextualizados historicamente do estranhamento do homem diante do próprio homem e das crises, genocídios e terror que isso provocou durante a nossa trajetória no planeta.
Ultimamente não precisamos recorrer aos clássicos da antropologia ou até mesmo aos manuais de história para comentar sobre o enfrentamento que as sociedades travam contra aquilo que é julgado diferente. Infelizmente os grupos que abandonam o exercício do relativismo demonstram um comportamento que é danoso para a sua própria elaboração mas acima de tudo no seu reconhecimento enquanto participante de uma identidade planetária.
Os tristes episódios que estamos acompanhando na internet contra os nordestinos apenas reforçam a necessidade de se pensar em uma política pública de combate ao preconceito e a intolerância  e de valorização das diversas identidades regionais e culturais que permeiam a nossa sociedade.
Em um país multicultural e de formação étnica tão diversificada, não podemos deixar de exigir uma revisão de nossa história nacional. Quando este projeto foi pensado, ainda no século XIX, privilegiou-se determinados setores e atores sociais e apresentou outros sujeitos históricos como participantes menores. Esta visão histórica ainda predomina e quanto maior o desconhecimento sobre os processos que nos formaram enquanto povo, mais o preconceito e a violência ganham espaço na cultura.
Um exemplo disso são os livros do jornalista Leandro Narloch. Sua visão estreita, limitada e estereotipada de nossa história tem provocado debates inúteis e acima de tudo, promovido uma desconstrução das contribuições de uma historiografia séria e atuante.
Em um país no qual a ignorância e os baixos índices de escolaridade são tão gritantes, aquele que consegue projetar na mídia falsas verdades acaba por provocar um prejuízo ainda maior em uma visão crítica em torno dos papéis históricos que outros grupos étnicos que nos formaram, como negros e indígenas. Mais uma vez, o ciclo de preconceito, intolerância e violência é alimentado e acreditamos que diante de tudo isso um pouco de história e relativismo cultural faz muito bem.

Dia de Reis e os sentidos desse evento para nossa história

 Dia de Reis Magos e os sentidos desse evento para nossa história Está escrito no Evangelho de Mateus, 2:1, (...) eis que magos vieram do Or...