sexta-feira, 1 de outubro de 2010

"Dei minha palavra por meio saco de cimento"

Era mais um dia de pegar transporte público para chegar ao trabalho. Enquanto eu ficava imaginando minhas justificativas para utilizar aquele sistema coletivo comecei a ouvir vozes bastante exaltadas nos bancos de trás do ônibus. E como boa antropóloga, aprendi a lição, "olhar, ouvir e escrever", assim, apurei o ouvido para acompanhar aquele diálogo. A conversa daqueles passageiros era sobre a eleição de 2010 e um deles estava muito empenhado em difamar os políticos das gestões atuais. Ele os chamava de falsos, enganadores e de corruptos. Por alguns segundos comecei a sentir simpatia por aquele homem e quando estava prestes a girar meu corpo no assento para lançar aquele olhar de cumplicidade que só nós eleitores tantas vezes enganados sabemos a hora correta de utilizar, aquele homem mudou o seu discurso.
Retomou sua fala dizendo que era natural do município de Parelhas, no interior do RN. E que um candidato local havia prometido ajudá-lo na reforma do seu banheiro. Segundo o homem, o cabo eleitoral passou na sua casa às vésperas da eleição e coletou o número do seu título de eleitor. Ficou a promessa que retornaria no dia da eleição com a ajuda para a tão necessitada reforma, e qual foi a surpresa daquele homem, quando o cabo eleitoral retornou com apenas meio saco de cimento. Como promessa é promessa, nada pode ser de fato cobrado, mas para aquele homem de Parelhas, seu voto valia a metade de um saco de cimento. Ele terminou sua fala dizendo "dei minha palavra por meio saco de cimento". E o silêncio voltou ao banco de trás do ônibus.
Fiquei imaginando o quanto um pouco de educação e informação podem fazer a diferença dentro de qualquer pleito eleitoral. Desde o século XVIII que os brasileiros lutam por participação política. Imagino os envolvidos na maior rebelião política brasileira, a Conjuração Baiana. Cipriano Barata e seus seguidores lutaram pelo direito à participação nos processos de decisão. Penso também nas revoltas do século XIX, como a Revolução de 1817. Era uma outra luta por igualdade, mas também por liberdade de expressão e mais uma vez, participação política.
Caso me permitam um salto no tempo, posso agora recordar da opressão imposta pelo regime militar e o movimento criado para derrubá-lo, seja a luta das guerrilhas urbanas, seja a reorganização da oposição no que ficou conhecido como "Diretas Já".
Quase 3 séculos de lutas e conquistas, mas o principal terreno continua sendo ocupado pela ignorância permissiva e passiva: a consciência do brasileiro.
Posso até criar o perfil daquele homem de Parelhas no ônibus e dizer que o mesmo deu a sua palavra "por meio de saco de cimento" por ser um trabalhador do campo, sem instrução e que ainda guarda muito da ingenuidade de tempos atrás. Seria uma justificativa muito leviana da minha parte.
Mas o que dizer de outros homens e mulheres, com diferentes níveis de formação educacional e cultural e moradores de todas as cidades deste imenso país que ainda trocam o seu voto por qualquer tipo de favorecimento?
Quando fiz 19 anos tirei o meu título de eleitor. De imediato recebi duas visitas: a primeira de um candidato a vereador, ele prometeu um cargo político para mim caso desse o meu apoio para ele. Ri daquela proposta e lhe disse que ainda era estudante universitária e não tinha nenhum interesse por administração pública. Em seguida, um parente muito próximo pediu para eu transferir meu título para uma cidade do interior e assim ajudá-lo a ser eleito. Minha recusa foi acompanhada de um sorriso para dizer que tenho a obrigação de participar da vida política do meu domicílio eleitoral, logo, não poderia atender sua solicitação.
Todos podemos ser convidados a vender, trocar ou barganhar nosso direito de escolha, mas todos devemos ser responsáveis pelas más escolhas que fazemos, levando em conta apenas nossas necessidades individuais e esquecendo que quatro anos de desastrosas políticas públicas significam quatro anos de atraso em setores estratégicos e vitais, como educação, saúde, transporte e moradia.
Precisamos reformar o pensamento, como já dizia Edgar Morin, e aproveitar para reformar as nossas instituições. A política é delas uma das principais, deve ser modificada para que sobreviva e nos conceda uma melhor vida no futuro.
Nossa palavra deve ser dada como garantia de um futuro melhor, até porque um vaso sanitário é fácil de encontrar, mas um bom político, precisa ser escolhido a dedo.

Um comentário:

Anônimo disse...

o blogger ta legal, mas não tem como deixar o apolo inspirado sem por uma fotinha sua ali do lado, embaixo (não encima) dos seguidores. um abraço

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