Era mais um dia de pegar transporte público para chegar ao trabalho. Enquanto eu ficava imaginando minhas justificativas para utilizar aquele sistema coletivo comecei a ouvir vozes bastante exaltadas nos bancos de trás do ônibus. E como boa antropóloga, aprendi a lição, "olhar, ouvir e escrever", assim, apurei o ouvido para acompanhar aquele diálogo. A conversa daqueles passageiros era sobre a eleição de 2010 e um deles estava muito empenhado em difamar os políticos das gestões atuais. Ele os chamava de falsos, enganadores e de corruptos. Por alguns segundos comecei a sentir simpatia por aquele homem e quando estava prestes a girar meu corpo no assento para lançar aquele olhar de cumplicidade que só nós eleitores tantas vezes enganados sabemos a hora correta de utilizar, aquele homem mudou o seu discurso.
Retomou sua fala dizendo que era natural do município de Parelhas, no interior do RN. E que um candidato local havia prometido ajudá-lo na reforma do seu banheiro. Segundo o homem, o cabo eleitoral passou na sua casa às vésperas da eleição e coletou o número do seu título de eleitor. Ficou a promessa que retornaria no dia da eleição com a ajuda para a tão necessitada reforma, e qual foi a surpresa daquele homem, quando o cabo eleitoral retornou com apenas meio saco de cimento. Como promessa é promessa, nada pode ser de fato cobrado, mas para aquele homem de Parelhas, seu voto valia a metade de um saco de cimento. Ele terminou sua fala dizendo "dei minha palavra por meio saco de cimento". E o silêncio voltou ao banco de trás do ônibus.
Fiquei imaginando o quanto um pouco de educação e informação podem fazer a diferença dentro de qualquer pleito eleitoral. Desde o século XVIII que os brasileiros lutam por participação política. Imagino os envolvidos na maior rebelião política brasileira, a Conjuração Baiana. Cipriano Barata e seus seguidores lutaram pelo direito à participação nos processos de decisão. Penso também nas revoltas do século XIX, como a Revolução de 1817. Era uma outra luta por igualdade, mas também por liberdade de expressão e mais uma vez, participação política.
Caso me permitam um salto no tempo, posso agora recordar da opressão imposta pelo regime militar e o movimento criado para derrubá-lo, seja a luta das guerrilhas urbanas, seja a reorganização da oposição no que ficou conhecido como "Diretas Já".
Quase 3 séculos de lutas e conquistas, mas o principal terreno continua sendo ocupado pela ignorância permissiva e passiva: a consciência do brasileiro.
Posso até criar o perfil daquele homem de Parelhas no ônibus e dizer que o mesmo deu a sua palavra "por meio de saco de cimento" por ser um trabalhador do campo, sem instrução e que ainda guarda muito da ingenuidade de tempos atrás. Seria uma justificativa muito leviana da minha parte.
Mas o que dizer de outros homens e mulheres, com diferentes níveis de formação educacional e cultural e moradores de todas as cidades deste imenso país que ainda trocam o seu voto por qualquer tipo de favorecimento?
Quando fiz 19 anos tirei o meu título de eleitor. De imediato recebi duas visitas: a primeira de um candidato a vereador, ele prometeu um cargo político para mim caso desse o meu apoio para ele. Ri daquela proposta e lhe disse que ainda era estudante universitária e não tinha nenhum interesse por administração pública. Em seguida, um parente muito próximo pediu para eu transferir meu título para uma cidade do interior e assim ajudá-lo a ser eleito. Minha recusa foi acompanhada de um sorriso para dizer que tenho a obrigação de participar da vida política do meu domicílio eleitoral, logo, não poderia atender sua solicitação.
Todos podemos ser convidados a vender, trocar ou barganhar nosso direito de escolha, mas todos devemos ser responsáveis pelas más escolhas que fazemos, levando em conta apenas nossas necessidades individuais e esquecendo que quatro anos de desastrosas políticas públicas significam quatro anos de atraso em setores estratégicos e vitais, como educação, saúde, transporte e moradia.
Precisamos reformar o pensamento, como já dizia Edgar Morin, e aproveitar para reformar as nossas instituições. A política é delas uma das principais, deve ser modificada para que sobreviva e nos conceda uma melhor vida no futuro.
Nossa palavra deve ser dada como garantia de um futuro melhor, até porque um vaso sanitário é fácil de encontrar, mas um bom político, precisa ser escolhido a dedo.
Um comentário:
o blogger ta legal, mas não tem como deixar o apolo inspirado sem por uma fotinha sua ali do lado, embaixo (não encima) dos seguidores. um abraço
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