terça-feira, 15 de julho de 2008

Venha Ver

Celebrar a lembrança é um dos hábitos mais importantes, pois garante a perpetuação da memória. Com um passado revisitado constantemente criamos novos olhares sobre os fatos e guardamos com maior atenção momentos e práticas sociais que nos tornam mais humanos. Com a perspectiva de descobrir um pouco sobre os "lugares da memória", visitamos a cidade de Venha Ver, um dos mais novos municípios do extremo oeste do RN. Fomor acolhidos com grande atenção e procuramos saber quem eram os guardiões destas lembranças. A lista era extensa e decidimos começar por dois moradores: Mãe Caboca e o Senhor Raimundo Dantas. Sentamos e conversamos com aqueles que guardam o passado na pele e nos olhos.
Em conversas regadas com bastante café preto, fomos percebendo o quanto faz necessário dar ouvidos à história viva. Em cada dedo de prosa, nos era revelado um conjunto de crenças e valores que remontam a um tempo distante, porém, presente nas narrativas orais daquelas pessoas.
Andando pelas comunidades próximas ao centro de Venha Ver, observamos a força da religiosidade, representada na cruz latina traçada com palha de coqueiro e afixada em diversas casas. Quando perguntamos sobre a origem daquele objeto, tanto Mãe Caboca quanto Raimundo falaram que era coisa do tempo antigo, dos seus tataravós e avós e que cresceram vendo os mais velhos colocarem aqueles sinais nas portas e depositar nos mesmos toda confiança na proteção de tempestades, ventos fortes e mau olhado.
Foi interessante esta observação, pois há alguns anos, um rabino durante a elaboração de sua tese afirmou que tratava-se de uma referência ao mezuzá judaico. Estariam os venhaveenses de fato divididos entre um passado marrano e um presente cristão? Como a primeira identidade foi apagada, dando lugar a um novo modo de encarar a vida e a outra relação com o mundo espiritual? Estas são questões que vão render muitas visitas ao pequeno, porém rico lugar da memória: as lembranças dos homens e mulheres de Venha Ver. Que possamos estabelecer o resgate do passado através de um real interesse sobre a história de vida destes idosos, e assim construir um banco de dados sobre a memória de nosso povo.
* Artigo publicado no Jornal de Hoje/ Opinião. Natal, sábado/domingo, 27 e 28 de dezembro de 2003. p. 2.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O terror à espreita

O dia 11 de setembro de 2001 jamais será esquecido por qualquer povo que viva em países democráticos. Apesar de todo avanço tecnológico e científico que desfrutamos atualmente, assistimos atos que nos chocaram pela agressividade que foram planejados: os ataques terroristas no território norte-americano às duas torres do World Trade Center (Nova Iorque) e ao Centro Militar Americano, o Pentágono (Virgínia).

Ainda não se conhece exatamente o número das vítimas e a totalização dos prejuízos, entretanto algo ficou evidente: os Estados Unidos não é mais inatingível e não há necessidade do mesmo idealizar um escudo antimíssil, chamado pelo presidente George W. Bush de "guerra nas estrelas", quando na realidade, os terroristas seqüestraram aviões comerciais (dois da United e dos da American Airlines) e os lançaram sobre os alvos que representavam o poder econômico e o poderio militar do povo americano; desta forma matando inocentes e ferindo outros milhares.

O que teria motivado um ataque deste impacto aos Estados Unidos? Por que cidadãos nova-iorquinos, tão distantes dos centros de poder, sofreram os atentados? Quais os riscos que estamos correndo? Qual posição o Brasil tomari em caso de conflito mundial?

Estas questões me foram feitas e, lendo o Jornal Folha de São Paulo pude compreender que estamos diante de uma das maiores crises globais. Esta tensão é resultado direto do imperialismo americano e do status de superpotência que o mesmo alcançou, após a Segunda Guerra, muitas vezes, tripudiando sobre os países de economia mais frágil.

A iminência de um conflito mundial não pode ser descartada, basta lembrar que a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial deu-se, após o bombardeio aéreo dos Kamikases japoneses à base militar do Pacífico de Pearl Harbour.

O furor que o governo vai investir contra os responsáveis pelos atentados não pode ser desconsiderado; é só levar em consideração todos os esforços bélicos dos norte-americanos em conflitos que não lhe diziam respeito, como o Vietnã e o Golfo.

O governo americano não compreendeu as razões dos ataques, entretanto tem esquecido o quanto o processo de globalização coontribui para aprofundar as desigualdades regionais, disseminando a miséria, a fome e o fanatismo religioso em países pobres e dependentes de um sistema injusto e corporativista.

Como conseqüências imediatas devemos esperar uma profunda recessão na economia americana como também em todos os países que dependem de suas políticas econômicas. Além do mais, o preço do barril do petróleo já disparou e o dolar continua a subir, não tardará para sentirmos os efeitos no Brasil.

Devemos abolir a prática terrorista e procurar anular sistemas que propiciem todo tipo de escravidão cultural. Porém, como fazer isto se o próprio regime imposto pelos americanos permite a generalização da ignorância? De fato, ou os americanos revêem suas posturas econômicas e sócio-culturais para os demais países e abandonam sua pose de egocentrista ou o mundo mergulhará no mais sombrio conflito já visto pela humanidade, talvez o último.
* Artigo publicado no Jornal de Hoje/Opinião. Natal- sábado/domingo, 22 e 23 de setembro de 2001.

Relativizando o nosso olhar

A escolha do tema integrador 2006: "Diversidade cultural: humanos sim; iguais não", responde a uma necessidade global: encontrar caminhos para lidar com a alteridade.
O que parece tão simples na verdade, configura-se como um grande desafio do século XXI. Num mundo tão polifônico ainda persiste a repressão sobre muitas vozes, que a cada dia rompem à barreira imposta pelo silêncio e ressurgem reinvidicando seus espaços sociais e o reconhecimento de suas identidades.
Movimentos de etnogênese e de afirmação identitária eclodem em todos os continentes e cabe a todo cidadão volver os olhos para esta questão, praticando um exercício conhecido pela antropologia como relativismo.
Na concepção do antropólogo Bronislaw Malinowski, relativizar o olhar apresenta-se quando: "(...) o hábito mental que nos permite tratar as crenças e valores de outro homem do seu próprio ponto de vista".
Relativizando a maneira de enxergar o Outro se estabelece um campo aberto para o diálogo entre as diferentes concepções de pensar a cultura como também, cria-se uma ponte para as diversas formas de viver cada realidade humana.
A diversidade cultural brasileira aparece como referência para ampliar a discussão em torno do respeito e valorização das diferenças culturais dos diversos grupos étnicos que compõem o nosso país.
Basta uma atenção maior ao nosso falar cotidiano e perceberemos quanto elementos diferentes participam de nossa língua: termos indígenas, palavras emprestadas de dialetos africanos e a presença do estrangeirismo.
Na nossa relação com a esfera religiosa, o catolicismo popular nos apresenta diversas interpretações sobre o sagrado e o profano. As festas dos santos católicos são uma demonstração clara dos diferentes elementos simbólicos partilhados pelo povo brasileiro.
E o que falar das religiões com origens nos ritos africanos? A umbanda evoca seu orixá Iansã na figura de Santa Bárbara. O que os primeiros cristãos consideravam a comemoração da apresentação de Jesus de Nazaré ao templo, configura-se como um rito de passagem.
A nossa composição étnica e o processo de mestiçagem que sofremos já foram utilizados pelos cientistas evolucionistas como origens para nosso atraso. Hoje a discussão é bem outra. Somos uma nação da diversidade e precisamos abraçar o desafio que é a compreensão de nossa polifonia e multiculturalismo, partindo do exercício proposto acima: o relativismo.
Enquanto formos meros observadores, elaboraremos estereótipos e idéias pré-concebidas sobre a nossa diversidade cultural; Entretanto, quando compreendemos a condição de sujeitos desta sociedade, o olhar será abrandado e surgirá uma nova compreensão sobre o perigo de construir-se pré-conceitos para toda e qualquer categoria social ou grupo humano.
É necessário que experimentemos o exercício do relativismo em duas posições: em primeiro lugar, como observadores distantes e objetivos; em segundo, enquanto nativos, sujeitos sociais e participativos do sistema cultural em debate.
Com essa experiência, concluímos que: relativizar a forma de ver cada homem e mulher é o que nos possibilita o encontro no mesmo destino. Convidamos todos para estarem cá e lá, como já havia sugerido o antropólogo Clifford Geertz e assim, estabelecer diálogos construtivos em torno da nossa humanidade e diversidade brasileira.
* Artigo publicado na revista Ceia Cultural, ano II, n° 4, dezembro de 2006. página 11.

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