Lembro da primeira manifestação de jovens com os rostos coloridos e vestidos de preto. Na época eu trabalhava no Banco do Brasil, era menor auxiliar de serviço de apoio e vivia mergulhada numa atmosfera de muita erudição e conhecimentos. Um funcionário entrou no setor esbaforido, dizendo que muitos jovens tinham tomado as ruas da Avenida Rio Branco e que eu precisava participar daquele movimento. Ele até pediu que quando eu saisse do trabalho, fosse até a Cidade Alta me juntar aos participantes. Naquele dia eu não tinha um título de eleitor na mão, mas tinha uma ideia na cabeça: o voto era a melhor expressão de nossa insatisfação diante de uma política defeituosa e nós poderíamos dar este tipo de resposta para o país e para o mundo nas próximas eleições.
Passaram-se muitos anos desde o movimento dos "caras pintadas". Muitas explicações surgiram para aquele fato e uma delas apontava para uma realidade bem interessante e típica de nossa cultura: o movimento tinha sido estimulado pelos meios de comunicação de massa, ou seja, TV e rádio. O que havia de espontâneo? talvez apenas a vontade individual de participar do evento, mas ainda não tinha sido forjado um espírito coletivo que gerasse o germe da mudança que tanto era ansiada, mas que nunca se concretizou.
Nos anos seguintes e nas eleições seguintes, o mesmo cenário político e os mesmos grupos familiares se revezavam no poder, a tradição de mandar no país é algo muito antigo e mais velha ainda é a hereditariedade. Desde as capitanias era assim, o modelo está na política: o cargo passa de pai para filho. E o povo pintado da década de 90? Continua alimentando este modelo de uma democracia imperfeita.
Ontem, muitos jovens ao redor do país fizeram a mesma coisa, mas não repetiram a mesma história, até porque são outros sujeitos sociais e além de tudo, a mobilização foi estimulada pelas novas mídias. Isso é mais do que compreensível quando vivenciamos uma nova sociedade na era da informação: são novos paradigmas.
O que não compreendo é o fato desta transformação não ter sido gestada ao longo dos últimos anos quando tivemos a maior arma na mão: um título de eleitor. Vejo em Natal a organização de marchas, passeatas, atos públicos exigindo a saída da atual prefeita. O movimento "Fora Micarla", está na boca de todos, mas não penetrou ainda as cabeças da maioria dos natalenses que, continuam ligando sua TV para ver e ouvir os porta-vozes da emissora controlada pela então gestora de nossa cidade. Como podemos exigir transparência e igualdade se alguns tem mais poder que outros? Como podemos pensar em programar a mudança se as políticas públicas ainda favorecem grupos políticos no controle dos meios de comunicação de massa?
É tempo de exigir mudanças estruturais e cada um fazer sua parte. Por favor, não me peçam para pintar meu rosto e vestir preto, eu voto de forma consciente para não precisar sair de casa no feriado de uma independência que nunca se consolidou para expor minha insatisfação através de tinta guache na cara. Tenho medo apenas do que dirão no futuro sobre esta geração que faço parte, e uma coisa é certa, eles julgarão que fizemos "muito barulho por nada".