domingo, 17 de abril de 2011

Um prefácio para a Semana Santa


            Lembro das minhas primeiras experiências na infância com a Semana Santa. Via a minha avó materna começar uma série de rituais a partir do Domingo de Ramos. Naquela época éramos todos católicos, embora morássemos no bairro de N.S. de Nazaré, participávamos das celebrações na Igreja Católica do bairro da Cidade da Esperança. Todo aquele tempo ritual começava quando íamos para a missa portando ramos verdes para serem abençoados pelo padre local. Muitas vezes levamos Capim Santo, planta existente na frente de casa. Minha avó materna guardava as folhas bentas, para usá-las num tempo de escuridão e trevas profundas, como ela bem ressaltava, e o qual eu torcia que nunca chegasse, apesar de saber a localização exata da bolsa que mantinha as palhinhas bentas, um cordão de São Francisco[2], caixas de fósforo e velas abençoadas.
            Durante a Semana Santa ela redobrava as rezas e a partir da quarta-feira dava início aos jejuns leves, até chegar às interdições do banho, da música laica, da carne vermelha e do doce na quinta-feira e na “sexta-feira maior”, termo que ela usava para definir a época na qual Jesus havia sido crucificado. Ligar a televisão e o rádio era proibido também para nós crianças, que acabávamos por achar aquele tempo também tedioso. Cresci neste ambiente católico e fui de pouca observância destes ritos pascais, mas de todos os eventos daquela Semana o que mais me chamava atenção era a Malhação do Judas.
                        No princípio não entendia o entusiasmo dos primos para aquela brincadeira tão agressiva para mim, desprovida de qualquer sentido prático. Percebia que as outras meninas – na maioria primas, pensavam de forma bem parecida. Na rua de cima, todos os meninos que eu conhecia entre 08 e 14 anos de idade corriam durante o dia inteiro para juntar mulambos e acessórios velhos que seriam utilizados na confecção do boneco do Judas. Malhar o Judas no bairro de N. S. de Nazaré era coisa para meninos, cabendo às meninas apenas o papel de expectadoras.
            O que mais marca a minha memória daquelas Semanas Santas é a parte dita laica que envolve o período: a algazarra que tomava conta de todos, crianças e adultos após a rasgação do boneco e a festa feita com o “romper do Sábado de Aleluia”. Minha família, bastante numerosa reunia-se na casa de um dos tios para festejar a chegada do Sábado de Aleluia, com direito a muita bebida, comida farta e galinhas roubadas[3] dos quintais dos vizinhos menos quistos. No meio de tudo surge uma questão: Mas quem estava lembrando os motivos oficiais daquele tempo ritual? Talvez apenas a minha avó, sentada na sua cama, rezando pelos seus falecidos e agradecendo a Deus pela morte do Judas e ressurreição do Cristo.
            A minha entrada no catolicismo começou aos seis meses de idade, ainda não tinha cabelo suficiente quando fui batizada na Igreja de São Pedro, no bairro do Alecrim. Fui introduzida nas aulas de catecismo ainda muito cedo, mas não demonstrava os mesmos sentimentos pios que as demais crianças nutriam em relação ao credo cristão. Nas vésperas da Primeira Eucaristia, quando orientada para confessar meus pecados ao padre, perguntei para a catequista se não poderia fazer a minha confissão com a árvore do pátio da Igreja, pois sabia que a mesma estava ausente de pecados, diferente do pároco local. Cresci procurando manter a fé raciocinada, mas permanecia sem compreender os motivos que levaram todos aqueles garotos e adultos a realizarem aquelas práticas da Semana Santa, inclusive a Malhação do Judas.
            Na adolescência, após receber o sacramento da Crisma, dei início ao meu afastamento da Igreja Católica e assim, comecei a procurar os sentidos dados pelas outras pessoas e também por mim ao fenômeno religioso.
            A apostasia veio quando cursava a pós-graduação em Antropologia Social[4], sendo o evento central para este fato o Simpósio Nacional de História sobre Inquisição. Com o distanciamento foi possível relativizar o meu próprio ponto de vista sobre o fenômeno religioso e investigar mais sobre as representações construídas em torno dos ritos da Semana Santa.
            Este trabalho assinala um reencontro meu com ritos há muito tempo vivenciados e com a experiência de bairro e de suas elaborações internas sobre os eventos sociais. O rito, de outrora incompreendido, é nesta dissertação analisado à luz da antropologia, buscando-se antes definir suas origens históricas e identificar as diversas interpretações dadas ao ritual pelos moradores de outro bairro da cidade de Natal: As Rocas.
            O bairro das Rocas é o espaço para a observação do rito e dos processos de identidade construídos em torno dele. Como a comunidade interpreta a Malhação do Judas e como a mesma define suas relações com o objeto ritual são alguns elementos abordados nesta pesquisa. Uma outra questão pode aparecer na mente do leitor: Por que não pesquisar o bairro de N.S. de Nazaré? Em Nazaré a Malhação do Judas perdeu sua força na medida que aqueles garotos cresciam e outros assuntos tomavam conta de suas vidas. Quando deixei o bairro de Nazaré - como é popularmente conhecido, no ano de 1991, a celebração da Semana Santa já mostrava sinais de enfraquecimento. Não se via mais grandes festas para o romper do Sábado de Aleluia ou a mesma ansiedade na montagem e depois, malhação do boneco do Judas. Nas Rocas o rito é socialmente aprendido na infância e as interpretações infanto-juvenis não diferem muito daquelas elaboradas pelos adultos do bairro. Por hora, introduzo o leitor neste reencontro meu com a Semana Santa.



















[1] Prefácio da dissertação: Malhação do Judas: rito e identidade. UFRN, 2007.
[2]  Cordão adquirido numa viagem feita para um centro de romaria: Canindé de São Francisco-CE.
[3] Esta prática era realizada apenas pelos adolescentes e homens solteiros do bairro. Consistia no furto de aves de criação dos quintais e puleiros da vizinhança. O roubo era realizado quando muitas das pessoas encontravam-se nas comemorações pelo romper do Sábado de Aleluia. Apenas no Domingo da Ressurreição a comunidade ficava sabendo dos prejuízos causados aos criadores de aves. Os ladrões nunca eram denunciados pois a prática caracterizava-se dentro do grupo, como uma espécie de brincadeira.
[4] Especialização em Antropologia Social/UFRN (2003-2004).

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Matar crianças: um novo esporte ou uma antiga prática?

Lembro da leitura que fiz anos atrás do livro A assustadora História da maldade. O título tinha o objetivo de despertar o interesse, mas de certa maneira nos preparava para uma discussão no campo da moral e ética ao longo do tempo.
A partir desta leitura e de outros materiais que tive a oportunidade de estudar, principalmente sobre história antiga, percebi que a morte de crianças foi uma prática mais comum do que provavelmente a sociedade pós-moderna que vivemos poderia desejar, entretanto, mesmo quando esta prática era institucionalizada, havia uma função social que prescrevia tal tratamento para crianças. A morte se aplicava para crianças  com defeitos físicos, órfãos e pequenos transgressores. Muitas vezes era uma morte ritual, uma encenação de um rito de sacrifício.
O crime ocorrido na escola do Realengo, no Rio de Janeiro me trouxe para uma nova reflexão, desta vez, não encarando o ato cometido como perpetrado por uma mente doente e fria, mas pensando mesmo em uma ação coletiva, fruto da omissão da sociedade civil e descaso do estado.
Todos os dias crianças são assassinadas no Brasil. Sejam junto às suas famílias, sejam nas casas de correção, como o CEDUC Pitimbu. Este foi cenário recente de um crime bárbaro contra um adolescente de 13 anos, mas pouco comentado e lamentado pelos meus cidadãos que acompanham ávidos as notícias fabricadas pela mídia sobre as vítimas do massacre do Realengo.
Até quando vamos voltar o olhar para o outro lado do muro e não veremos a sujeira em nosso quintal?
Precisamos de ações organizadas para garantir a todas as crianças brasileiras o direito à vida, educação e saúde. Assim, reduziremos as estatísticas e estaremos construindo um mundo mais seguro de direito e de fato para os filhos do Brasil.

O suicídio: estudo de sociologia


Resumo: Este artigo trata o suicídio enquanto fenômeno social a partir dos estudos realizados por Émile Durkheim na Europa do final do século XIX. A relevância desta discussão encontra-se associada à importância da classificação elaborada por Durkheim e que pode ser utilizada para compreender este fato dentro das sociedades modernas. Na primeira parte do artigo, apresentaremos o ponto de vista de Raymond Aron sobre a obra de Durkheim e em seguida, traremos nossa percepção sobre a obra, definindo o suicídio, apresentando uma breve contextualização e finalmente analisando os tipos de suicídios.
Palavras-chave: anomia, Durkheim, fato social, suicídio.

1- As etapas do pensamento sociológico
Na obra As etapas do pensamento sociológico, Raymond Aron realiza uma análise sobre a obra de Durkheim. Segundo Aron, é possível afirmar que este trabalho está diretamente ligado ao estudo que Émile Durkheim fez sobre a divisão do trabalho. Em Da divisão do trabalho social, Durkheim faz a apresentação do conceito de anomia na obra, caracterizando o fenômeno como uma patologia social e define anomia como a ausência ou desintegração das normas sociais. (2002, p. 474).
As duas obras estão relacionadas quando Durkheim percebe de uma forma positiva a divisão orgânica do trabalho, entretanto constata que o homem não está muito feliz, apesar de todo progresso material que a divisão do trabalho pode trazer. O fato dos homens se acharem infelizes é para Durkheim um dos indicativos para o aumento do número de suicídio nas sociedades modernas.
2- Anomia: conceito-chave da obra de Émile Durkheim
Na obra O Suicídio, Émile Durkheim discute as causas para anomia, elegendo determinados fatores como: fenômenos patológicos, crises econômicas, incapacidade dos trabalhadores de se adaptarem às suas ocupações, a violência das reivindicações dos indivíduos com relação à coletividade, o desenvolvimento do individualismo.
Apesar dos diferentes fatores apontados como causas, o sociólogo francês aponta para uma solução: organização de grupos profissionais que favoreçam a integração dos indivíduos na coletividade. (2002, p.474-476).
3- Uma análise sobre a obra O suicídio.
Raymond Aron realiza uma análise pontual da obra de Durkheim, principalmente ao revelar a relação que ele estabelece entre o indivíduo e a coletividade. Para ele, inicialmente Émile Durkheim procura fazer a definição do fenômeno suicídio, em seguida busca refutar as interpretações anteriores, numa revisão sobre o tema e por último, estabelece uma tipologia e realizando o desenvolvimento de uma teoria geral para o suicídio, que é a marca principal de seu trabalho. Uma definição para suicídio dada pelo próprio Durkheim: “todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado”. (DURKHEIM, apud ARON, 2002, p.477).
Uma das contribuições principais de Durkheim é apontar que a taxa de suicídio não varia arbitrariamente, mas em função de múltiplas circunstâncias. (2002, p.477-478), o que determina uma diferenciação entre suicídio, enquanto fenômeno individual e a taxa de suicídio como um fenômeno social.
A tese central de Durkheim é que a força que determina o suicídio não é psicológica, mas sim social. Ele encontra uma oposição entre predisposição psicológica e determinação social e faz a utilização do método clássico das variações concomitantes para analisar os dados obtidos. Ao contrário de outros pesquisadores da época, inclusive psicólogos, Durkheim demonstra que não há uma correlação entre as disposições hereditárias e a taxa de suicídio e também afasta a possibilidade de suicídio como fenômeno de imitação. (2002, p.478-479).
4- Contextualizando o suicídio.
A definição para a palavra suicídio vem do latim, onde sui significa próprio e caedere significa matar- ato intencional de matar a si mesmo. Atualmente no mundo ocorrem anualmente 1 milhão de suicídios por ano e 10 a 20 milhões de tentativas. Segundo os dados, a faixa etária global inclui principalmente jovens com menos de 35 anos. No Brasil ocorre as menores médias de suicídio do mundo, mas países europeus lideram as estatísticas, um exemplo é a França, que já havia sido estudada na obra de Durkheim, e nos dias de hoje aparece com a 4ª maior taxa de suicídio do mundo.
Os dados mais recentes apontam que a taxa de suicídio no Brasil (2008) fica em torno de 18%. O Estado do Rio Grande do Norte aparece nas estatísticas com o perfil do suicida: os indivíduos são em sua maioria do gênero masculino, estão na faixa etária de 20 – 40 anos e a maiores ocorrências de Causa morte são por enforcamento e arma de fogo. Os dados pesquisados indicam que a  na época natalina registra-se a maior taxa de suicídios na capital; no último período natalino (24 – 25 de dezembro de 2009) ocorreram 8 casos de suicídio registrados pela PM e ITEP na capital potiguar.
O suicídio é um assunto tabu na sociedade brasileira. Na imprensa do Rio Grande do Norte não há muitos registros sobre os casos de suicídio, apenas são noticiados os casos que tornaram públicos.
5- O suicídio: estudo de sociologia.
Este artigo apresenta uma reflexão sobre a obra O suicídio: um estudo de sociologia, dedicando-se ao Livro II intitulado: Causas sociais e tipos sociais.
Émile Durkheim, após analisar os dados disponíveis na época sobre as taxas de suicídio na Europa pós Revolução Industrial, determinou os seguintes tipos:
1- Suicídio egoísta: que apresenta uma correlação entre a taxa de suicídio e os contextos sociais integradores como a família e a religião;
2- Suicídio altruísta: com um imperativo social interiorizado;
3- Suicídio anômico: revela-se pela correlação estatística entre a frequência do suicídio e as fases do ciclo econômico, atingindo os indivíduos devido às condições de vida nas sociedades modernas.
Durkheim conseguiu identificar a existência de dois tipos de “correntes suicidógenas”: os que se afastam demais do grupo social e os que estão demasiadamente presos ao grupo. (2000, p.482-485). Sua pesquisa é centrada em torno de um grupo social pois acreditava que apenas dentro desta condição poderia observar as tendências específicas ao suicídio. Inicialmente ele procura eliminar a influência da constituição orgânico-psíquica nas taxas de suicídio, fazendo o mesmo com a ideia corrente na época de influência do meio ambiente para explicar as causas do suicídio.
Os objetivos deste estudo são demonstrar que a tendência suicida depende de causas sociais, constituindo-se como fenômeno coletivo e estudar as taxas de suicídio social. Émile Durkheim utiliza-se de uma metodologia específica para investigar o objeto, o chamado método sociológico. Este é um aspecto importante dentro da obra, pois Durkheim não apenas apresenta um novo objeto de estudo para as ciências sociais, como também define qual o caminho metodológico que deve ser trilhado para realizar uma análise sobre o objeto.
Alguns aspectos importantes para destaque, primeiro Durkheim define os tipos sociais de suicídio a partir das suas causas. Também apresenta uma morfologia dos suicídios, identificando um tipo de suicídio corresponde à determinada classe. Ele aponta como variantes para o suicídio: a religião, a família, a sociedade política, os grupos profissionais. Identifica ainda o método para determinar os tipos de suicídio
Parafraseando Durkheim, existe para cada grupo social uma tendência específica ao suicídio que não é explicada nem pela constituição orgânico-psíquica dos indivíduos nem pela natureza do meio físico. Ela deve depender necessariamente de causas sociais e constitui por si mesma um fenômeno coletivo
6- Estratégias para explicar o suicídio.
Segundo Durkheim existem duas estratégias para estudar os suicídios. A primeira consiste em observar e fazer a descrição do maior número possível de suicídios, em seguida, identificar quais são as características essenciais que podem reunir os suicídios dentro de uma mesma classe, em seguida, apontar quais são as características diferentes, determinando assim uma tipologia dos suicídios. Mas segundo o próprio Durkheim, para a realização desse tipo de pesquisa seriam necessárias muitas descrições e um conhecimento sobre a vida psíquica do indivíduo no momento da ação.
Uma segunda estratégia seria inverter a ordem da pesquisa, já que só pode haver tipos diferentes de suicídios na medida em que as causas a que estão ligados sejam diferentes e depois partir para a análise dos resultados.
Durkheim concluiu que: toda distinção específica constatada entre as causas implica, portanto, uma distinção semelhante entre os efeitos, e procurou classificar os suicídios não de acordo com suas características essenciais, mas procurando identificar as causas que os produzem, fazendo o que chamam de uma classificação etiológica dos suicídios.
7- Os tipos de suicídio.
7.1. O suicídio egoísta: a sociedade religiosa
O contexto histórico-social para análise é a Europa do século XIX. Desde a segunda metade do século XVIII que profundas transformações ocorreram na Europa tanto do ponto de vista do progresso material, quanto institucional. As chamadas revoluções burguesas provocaram a quebra dos modelos anteriores de sociabilidades e estabeleceram uma nova ordem econômica. Mesmo com os progressos advindos da industrialização e com o fim do Antigo Regime, Durkheim identificou um aumento relativo nas taxas de suicídios dos países europeus, mas também observou que o índice de suicídio era maior nos países protestantes.
Ele aponta apenas uma exceção na Alemanha protestante: Baviera. Isto se deve pela concentração maior de católicos neste território (2000, p. 179). As conclusões iniciais de Durkheim são as seguintes:
1- As áreas católicas apresentam quatro a cinco vezes menos suicídios do que os territórios protestantes, seja qual for o país investigado.
2- Os protestantes fornecem mais suicídios que os fiéis de outros cultos. As taxas mínimas são de 20 a 30% e máxima de 300%. (2000, p. 180).
Entretanto, fato que merece nossa atenção, é que quando o protestante torna-se minoria, a tendência ao suicídio diminui. (2000, p.183). Sobre este aspecto, a conclusão principal de Émile Durkheim é a seguinte: “(...) a superioridade do protestantismo do ponto de vista do suicídio provém do fato de ele ser uma Igreja menos fortemente integrada do que a Igreja Católica”.” (2000, p.187-188)
3- Os judeus tem uma disposição menor para o suicídio do que protestantes e inferior aos católicos. (2000, p.182). Segundo Durkheim, a explicação para este fato é que os judeus são o grupo com menor taxa de suicídio por viverem obrigatoriamente mais unidos diante das hostilidades dos grupos que os cercam. (2000, p.188-189).
Analisando a Inglaterra, outro país protestante, Durkheim verificou a sua taxa de suicídio é a menor entre estes países, isto é explicado pelo fato da Inglaterra possuir um nível de instrução que a aproxima dos países católicos. (2000, p.195-196).
Trabalhando com um olhar sobre os gêneros, Durkheim conseguiu identificar que apesar da mulher suicidar-se menos do que o homem ela também é menos instruída. O que levou Durkheim aproximar o grau de instrução das tendências ao suicídio. (2000, p.197-198). A partir do que foi apontado por Émile Durkheim, podemos entender que o suicídio progride com a ciência: “o homem procura se instruir e se mata porque a sociedade religiosa de que ele faz parte perdeu sua coesão”. (2000, p.201).
7.2. O suicídio egoísta e a sociedade familiar
Um segundo tipo de suicídio é o chamado suicídio egoísta. Analisando os dados, Émile Durkheim percebeu que as pessoas casadas se matam menos do que as solteiras, em algumas idades, essa relação se inverte excepcionalmente, apontando para uma relação estreita entre a formação familiar e a preservação da vida. (2000 p.207-210). Ele indica ainda que o celibato agrava a tendência ao suicídio.(2000, p.209), e determina as leis principais:
1ª. Os casamentos demasiado precoces têm uma influência agravante sobre o suicídio, sobretudo no que se refere aos homens: os casamentos prematuros determinam um estado moral cuja ação é nociva, sobretudo para os homens. (2000, p.214-216).
2ª A partir de 20 anos, os casados dos dois sexos se beneficiam de um coeficiente de preservação com relação aos solteiros. (2000, p.216-217).
3ª O coeficiente de preservação dos casados com relação aos solteiros varia de acordo com os sexos: o sexo mais favorecido no estado de casamento varia, por sua vez, conforme a natureza do sexo mais favorecido. (2000, p.217).
4ª A viuvez diminui o coeficiente dos casados dos dois sexos, porém, na maioria das vezes, não o suprime completamente. Os viúvos matam-se mais do que os homens casados, mas, de modo geral, menos do que os solteiros. (2000, p.217).
7.3.  A sociedade familiar
Émile Durkheim afirma que é na constituição do grupo familiar que podemos encontrar a causa principal para o suicídio. (2000, p.224). Outro aspecto digno de atenção é que quando o casal tem filhos, o coeficiente de preservação quase dobra. (2000, p.226). Entretanto, a sociedade conjugal tem uma participação pequena na imunidade dos homens casados. (2000, p.226) No caso da viuvez, o funcionamento da sociedade doméstica fica entravado, faltando uma engrenagem essencial, que é a figura da mãe, assim, homens viúvos tendem a cometer mais suicídios do que os homens casados; o esfacelamento do laço favorece o suicídio (2000, p.229).
Para as mulheres é a própria sociedade conjugal que agrava sua tendência ao suicídio. (2000, p.229). E porque os casados suicidam-se menos do que os solteiros? Segundo Durkheim, a imunidade dos indivíduos casados deve-se à sociedade familiar. (2000, p.230).
8- O suicídio e as crises políticas e nacionais
É interessante notar a existência de uma regressão da taxa de suicídio quando há maior integração do grupo durante a crise. O que levou Durkheim a defender que existe uma relação direta entre o suicídio e o grau de integração dos grupos sociais: ou seja a sociedade é necessária ao indivíduo. Mas quando o vínculo que une indivíduo e coletividade se enfraquece, o suicídio se desenvolve. Assim, podemos concluir que:
1- o suicídio varia em razão inversa ao grau de integração da sociedade religiosa;
2. o suicídio varia em razão inversa ao grau de integração da sociedade doméstica;
3. O suicídio varia em razão inversa ao grau de integração da sociedade política.

8.1. O suicídio egoísta nas sociedades políticas
Tomando a história ocidental como ponto de análise, podemos afirmar que o suicídio é raro nas sociedades jovens, mas multiplica-se na medida que as mesmas se desintegram. (2000, p.250). Como exemplos podemos citar: a decadência da Grécia após o  invasão dos romanos, a desintegração do Império Romano do ocidente e o fim do Antigo Regime, na França revolucionária. Cada aspecto citado acima merece uma análise mais aprofundada, entretanto não é este o objetivo deste artigo. Quanto ao tipo de suicídio egoísta nas sociedades políticas, Durkheim aponta que o suicídio se reduz tanto mais grave e longa foi a crise e que simples crises eleitorais provocam o mesmo resultado: um exemplo é a  França em 1877.(2000, p.252).
As grandes guerras nacionais têm a mesma influência nas taxas de suicídio que os distúrbios políticos, levando Durkheim a acreditar que o suicídio: “se reproduz tanto entre os vencedores quanto entre os vencidos, tanto entre os invasores, quanto entre os invadidos.” (2000, p.254). Apenas as crises políticas ou nacionais que excitam as paixões afetam as taxas de suicídio, como a Guerra Franco-Prussiana, de 1870-1871, na qual a França perdeu importantes territórios para a nascente Alemanha (2000, p.255). Um aspecto que foi observado aponta que na França, durante os anos de 1870-1871, o suicídio só diminuiu nas cidades. (2000, p.256). Segundo Durkheim (2000, p.258-259):
Se, portanto, conviermos chamar de egoísmo esse estado em que o eu individual se afirma excessivamente diante do eu social e às expensas deste último, poderemos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que resulta de uma individuação descomedida.
                      
E conclui da seguinte maneira:
(...) na medida em que o crente duvida, ou seja, sente-se menos solidário da confissão religiosa de que participa e se emancipa dela, na medida em que a família e cidade tornam-se estranhas ao indivíduo, ele se torna um mistério para si mesmo, e então não pode escapar à pergunta irritante e angustiante: para quês? (2000, p.263)

Os únicos tipos de suicídio que devem interessar ao estudo de Durkheim são os suicídios que contribuem para a formação de uma taxa social de suicídios em função das quais ela varia.
9. Suicídio Altruísta
Chamaremos de suicídio altruísta aquele que resulta de um altruísmo intenso. Embora não imponha o suicídio formalmente, a opinião publica não deixa de lhe ser favorável. A tristeza altruísta imoderada provém do fato de o indivíduo lhe parecer destituído de toda realidade.  Desta forma, o altruísta se desliga da vida porque tem um objetivo, mas situado fora desta vida, que lhe aparece como um obstáculo. Émile Durkheim identificou três tipos de suicídio altruísta (2000, p.270):
1- Suicídio altruísta obrigatório: ligado à moral brutal que não dá valor a nada que interesse apenas ao indivíduo;
2- Suicídio altruísta facultativo: é solidário da ética refinada que tanto exalta a personalidade humana, que ela não pode mais se subordinar a nada.
3- Suicídio altruísta agudo: o suicídio místico é seu modelo perfeito. Neste caso, podemos indicar como exemplos as seitas religiosas que exigem um suicídio individual ou coletivo para atingir os fins espirituais.
10-  Suicídio Anômico
O último tipo de suicídio analisado por Émile Durkheim é chamado de suicídio anômico. Já comentamos acima que este é um conceito muito caro dentro da teoria sociológica durkheimiana. Segundo o autor, a sociedade é um poder que regula os sentimentos e a atividade dos indivíduos, exercendo a chamada coesão social. Entretanto, quando este laço torna-se fraco e o elo é quebrado ocorre o afastamento do indivíduo da sociedade e ele procura deixar de existir dentro dela através do suicídio.
Durkheim analisando os dados na Áustria e na França percebeu que o número de falências era um barômetro que refletia com sensibilidade suficiente as variações por que passava a vida econômica, determinando o aumento da taxa de suicídios.  
Assim, ele chegou a conclusão que não é o crescimento da miséria que provoca o crescimento dos suicídios, mas também as crises favoráveis, cujo efeito é aumentar bruscamente a prosperidade de um país, agem sobre o suicídio do mesmo modo que desastres econômicos (exemplo a conquista de Roma, por Vitor Emanuel em 1870, unificando a Itália (2000, p. 306).
Outro aspecto de relevância é que a depressão econômica não tem a influência agravante que muitas vezes lhe foi atribuída, é o fato de que ela produz antes o efeito contrário. Durkheim cita como exemplo a Irlanda, destacando que apesar da miséria na qual o camponês está mergulhado, as pessoas se matam muito pouco (2000, p.309).
Desta forma, é importante destacar que a anomia é, portanto, em nossas sociedades modernas, um fato regular e específico de suicídios, e uma das fontes em que se alimenta o contingente anual. O suicídio anômico tem como causa o fato de sua atividade se desregrar e eles sofrerem com isso (2000, p.329).
Durkheim conclui que as crises industriais ou econômicas ajudam a elevar as taxas de suicídios, não é por empobrecerem a sociedade, mas principalmente por serem crises, ou seja, perturbações da ordem coletiva e causas para o enfraquecimento da coesão social.
q  Fontes:
q  Referências bibliográficas:
q  ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 474-496
q  DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de caso. São Paulo: Martins Fontes, 2000.











sexta-feira, 1 de abril de 2011

Termine seus estudos em 30 dias

Fico imaginando os demorados processos que levavam todos a crer que determinada pessoa tinha atingido o patamar de um sábio. Isso geralmente levava décadas ou até mesmo a vida inteira para que alguém fosse reconhecido como detentor de um saber maior e diferenciado.
Nas sociedades de tradição oral, o mestre levava anos ensinando aos seus discípulos suas histórias e percepções sobre a realidade que os circundava. Cada discípulo tinha por missão continuar esta tarefa, que caracterizava um tempo demasiado longo de formação e transmissão.
Já o advento da escrita em muitas sociedades, possibilitou organizar a produção cultural de cada povo e criar centros para estudo, preservação e discussão destas criações.
A formação das primeiras escolas, tanto laicas quanto de orientação religiosa, serviram para dar continuidade a esta prática social e a instrução transformou-se em um bem de grande importância social e simbólica.
E as universidades? Ainda no período conhecido na Europa como Idade Média, foram centros florescentes de uma cultura humanista, apesar do teocentrismo tão marcadamente presente na época.
No Brasil, o ensino público foi instituído na fase imperial, mas a universidade foi uma invenção do século XX.
Mas, o que tudo isso tem a ver com o início do texto? Vejamos: passados mais de 23 séculos desde a invenção da escrita, no que hoje conhecemos por Oriente Médio, assistimos uma nova forma de instrução, que é característica da sociedade líquida que vivemos. Agora, qualquer pessoa que não tenha concluído os seus estudos na escola básica brasileira pode em apenas 30 dias, condensar todas as produções e conhecimentos produzidos, registrados e legitimados pela sociedade ocidental nos últimos 2 mil anos!
Eu chamaria de saber instantâneo. Entretanto, todos sabemos que a construção do conhecimento é processo lento e demorado, e como a própria dinamicidade histórica, apresenta seus avanços, mas também possui fases de recuo. A aquisição do conhecimento, seja formal ou informal ( só para lembrar Moacir Gadotti) deve ser feita na relação entre os sujeitos e na apreensão dos conteúdos a partir de uma perspectiva dialógica.
Uma instituição que legitima este tipo de prática, apenas reforça em todos nós a ideia que a educação tornou-se um produto cultural massificado e de baixo custo. O diploma é garantido, basta que você possa desembolsar  algumas centenas de reais; quanto ao conhecimento, não há qualquer garantia.
Particularmente, todas as vezes que me deparo com este tipo de propaganda, que geralmente é feita com faixas espalhadas pela Grande Natal, numa espécie de divulgação do mapa do tesouro do saber, sinto que cada dia permitimos que nossa sociedade torne-se mais ignorante, mais intolerante, mais permissiva.
Enquanto deixamos que façam a venda de diplomas, acompanhamos a formação de uma sociedade parecida com aquela pensada por George Orwell, em seu famoso livro 1984. O "Big Brother" quer que estejamos todos alheios e alienados e uma forma de concretizar esta situação é limitando a produção e a circularidade do conhecimento.
Bons eram os outros tempos, nos quais os sábios levavam décadas para serem formados e podiam ter a certeza que seus discípulos continuariam com a transmissão e transformação do que lhes foi confiado.



Dia de Reis e os sentidos desse evento para nossa história

 Dia de Reis Magos e os sentidos desse evento para nossa história Está escrito no Evangelho de Mateus, 2:1, (...) eis que magos vieram do Or...