Foi numa viagem para realizar o levantamento do patrimônio cultural, material e imaterial do município cearense de Paracuru, que acabei me deparando com verdadeiros "tesouros vivos" daquela cidade litorânea. A
cidade de Paracuru situa-se no litoral oeste do Ceará e sua formação foi
marcada pelas atividades tradicionais como a pesca no mar aberto e a
agropecuária para subsistência.
Recebi o contato de Dona Maria do Carmo Morais, mais
conhecida na cidade como Mariinha da Ló e a partir dela consegui perceber a força da cultura popular e sua luta diária para sobreviver em uma nova sociedade. A sua contribuição é a encenação do auto natalino chamado de Pastoril.
Segundo, o pesquisador da cultura popular, Deífilo Gurgel, o pastoril era o drama preferido em todo o litoral do Brasil
colonial. Herança do catolicismo português, desde o século XVI que o mesmo é
encenado nas terras brasileiras e segue ainda hoje misturando elementos da
cultura pastora com declamação de textos, cantigas e danças coreografadas.
Mario
de Andrade fez uma excelente etnografia sobre as chamadas danças dramáticas do
Brasil entre as décadas de 1920 e 1930. Em sua obra de três volumes, ele trata
também da decadência dessas encenações e como afirma Maria Laura Viveiros de
Castro Cavalcanti (2004:63), “A ideia da
degradação das danças está, portanto, presente desde o momento inicial do
texto, integrando a abordagem do assunto”.
Apesar
do movimento de degradação ser comentado na obra de Mario de Andrade desde a
primeira metade do século XX, no município de Paracuru a encenação do Pastoril
é um dos elementos mais vivos e dinâmicos da cultura local. Dona
Maria do Carmo Menezes Morais faz tudo com ajuda das filhas e neta e com o apoio da comunidade. As meninas da cidade são selecionadas a partir de alguns critérios e passam a integrar o grupo do pastoril.
Natural
do Trairi, Dona Mariinha da Ló, como é mais conhecida, disse que começou no
Pastoril ainda pequena, com 8 anos de idade. Tanto ela como a sua irmã
aprenderam a encenação com a sua mãe, Dona Luzia, ou Dona Ló, como era
conhecida no Trairi. Dona Mariinha da Ló chegou com dez anos em Paracuru e apenas
adulta lembrou que “já tinha feito essa
cultura, de brinquedo e de brincadeira”. Já casada e com suas filhas
começou a encenar o drama, como ela mesma chama, fazendo apresentações em
pátios de colégios e quintais das casas de famílias do município.
Sua importância como cultura viva é de valor inestimável e seu exemplo prova que muitos brasileiros participam ativamente da suas expressões artísticas e culturais, colocando apenas dois elementos: amor e vontade. Bom seria se existissem políticas públicas de incentivo à cultura que ajudassem projetos pessoais como o de Dona Mariinha da Ló, perpetuando assim, a cultura popular em seus traços mais verdadeiros.