sexta-feira, 17 de maio de 2013

Mariinha da Ló: um encontro entre a arte e a cultura nas terras de Paracuru

Foi numa viagem para realizar o levantamento do patrimônio cultural, material e imaterial do município cearense de Paracuru, que acabei me deparando com verdadeiros "tesouros vivos" daquela cidade litorânea. A cidade de Paracuru situa-se no litoral oeste do Ceará e sua formação foi marcada pelas atividades tradicionais como a pesca no mar aberto e a agropecuária para subsistência. 
Recebi o contato de Dona Maria do Carmo Morais, mais conhecida na cidade como Mariinha da Ló e a partir dela consegui perceber a força da cultura popular e sua luta diária para sobreviver em uma nova sociedade. A sua contribuição é a encenação do auto natalino chamado de Pastoril.



Segundo, o pesquisador da cultura popular, Deífilo Gurgel, o pastoril era o drama preferido em todo o litoral do Brasil colonial. Herança do catolicismo português, desde o século XVI que o mesmo é encenado nas terras brasileiras e segue ainda hoje misturando elementos da cultura pastora com declamação de textos, cantigas e danças coreografadas.
Mario de Andrade fez uma excelente etnografia sobre as chamadas danças dramáticas do Brasil entre as décadas de 1920 e 1930. Em sua obra de três volumes, ele trata também da decadência dessas encenações e como afirma Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (2004:63), “A ideia da degradação das danças está, portanto, presente desde o momento inicial do texto, integrando a abordagem do assunto”.

Apesar do movimento de degradação ser comentado na obra de Mario de Andrade desde a primeira metade do século XX, no município de Paracuru a encenação do Pastoril é um dos elementos mais vivos e dinâmicos da cultura local. Dona Maria do Carmo Menezes Morais faz tudo com ajuda das filhas e neta e com o apoio da comunidade. As meninas da cidade são selecionadas a partir de alguns critérios e passam a integrar o grupo do pastoril.
Natural do Trairi, Dona Mariinha da Ló, como é mais conhecida, disse que começou no Pastoril ainda pequena, com 8 anos de idade. Tanto ela como a sua irmã aprenderam a encenação com a sua mãe, Dona Luzia, ou Dona Ló, como era conhecida no Trairi. Dona Mariinha da Ló chegou com dez anos em Paracuru e apenas adulta lembrou que “já tinha feito essa cultura, de brinquedo e de brincadeira”. Já casada e com suas filhas começou a encenar o drama, como ela mesma chama, fazendo apresentações em pátios de colégios e quintais das casas de famílias do município.




Sua importância como cultura viva é de valor inestimável e seu exemplo prova que muitos brasileiros participam ativamente da suas expressões artísticas e culturais, colocando apenas dois elementos: amor e vontade. Bom seria se existissem políticas públicas de incentivo à cultura que ajudassem projetos pessoais como o de Dona Mariinha da Ló, perpetuando assim, a cultura popular em seus traços mais verdadeiros.


terça-feira, 14 de maio de 2013

Quem vai vigiar e quem vai punir: violência e crime no RN

É impressionante a escalada da violência no estado, especialmente na cidade de Natal. As polícias civil e militar não conseguem segurar a onda de crimes que devasta nossa cidade e atinge nossas famílias e amigos. Para mim, a solução é o aumento e treinamento dos efetivos, novos equipamentos e viaturas, mas enquanto os potiguares pagam aos bandidos com seu dinheiro e alguns, com sua vida, a governadora investe numa copa que é para todo o mundo, menos para os norte-riograndenses. O clima de desconforto e insegurança é tão grande que não podemos nos consultar nas clínicas da capital, frequentar os restaurantes ou até mesmo passear nos grandes shoppings sem a ameaça de um roubo, assalto ou até detonação de uma bomba.


Enquanto milhares de homens e mulheres desejam servir ao seu estado combatendo a violência que se instalou desde os últimos três anos, a governadora despreza os apelos e os dados crescentes e não realiza a abertura de um concurso para ambas as polícias. Já passou da hora da sociedade civil mobilizar-se e exigir mudanças na política de segurança pública do estado imediatamente. Não podemos de forma alguma continuar presos em nossas casas, enquanto os verdadeiros infratores estão livres e podem agir sem qualquer embaraço.


A indignação tomou uma proporção grande, entretanto o foco foi desviado para a ação dos menores infratores dando origem a um movimento que exige a redução da maioridade penal. Não precisamos fazer uma conta complexa para entender que o sistema prisional brasileiro não possui estrutura suficiente para abrigar mais pessoas. Lutar para que jovens delinquentes de 16 anos tenham o mesmo tratamento que os outros bandidos é combater o mal de forma superficial e promover sua expansão.


Precisamos lutar por uma escola de qualidade e de tempo integral, lugar de aprendizagem e de vivências positivas. Com as crianças e adolescentes fora das ruas, becos e vielas, certeza que teremos uma geração diferente da que foi gestada desde a aprovação do ECA. Precisamos pensar em soluções de longo prazo e fazer de tudo para que a mudança seja instalada. Vamos pedir por mais escolas, mais áreas de lazer, mais policiamento, combate direto às drogas e mais garantia dos direitos do cidadão, entre eles, o mais importante: o direito à vida. Afinal, se a população carcerária aumenta de forma exponencial, quem vai vigiar e quem vai punir?

quarta-feira, 1 de maio de 2013

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ



No Dia do Trabalhador, minha homenagem a todos os homens e mulheres que transformaram o mundo pela força de seu trabalho, seja ele servil, escravo, assalariado ou voluntário. 
Felicidades sempre: Profa. Mestra Andreia Mendes
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia, várias vezes destruída,
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida, os que se afogavam gritaram por seus escravos na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu alem dele?

Cada pagina uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.


Bertold Brecht (1898-1956)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Lendo o Brasil


Como ler um país etnicamente diverso e eticamente tão frágil? Esta tem sido uma preocupação demonstrada recentemente por estudiosos e especialistas em todo o Brasil. É claro que outros já haviam se debruçado em torno desta temática, como os antropólogos Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e mais recentemente Roberto DaMatta, entretanto a proposta que se apresenta agora é: ler o Brasil através da lente da ética.
A ética é evocada por todos como uma entidade acima do bem e do mal, verbalizada nos discursos, debatida nas salas da academia, entretanto pouco vivenciada seja no foro íntimo, seja no âmbito mais amplo do social.
Não nos cabe definir ética do ponto de vista da filosofia ou da sociologia, mas refleti-la no campo das ações humanas e de suas construções sociais, tanto ao longo da história, quanto na prática cotidiana, ou seja, a partir do olhar antropológico.
A primeira reflexão sobre ética e história obtivemos a partir da leitura do livro A assustadora história da maldade.  Na primeira parte da obra, o autor discute como a moral humana muda ao longo do tempo. Práticas que há 300 anos eram vistas como abomináveis, hoje as vemos sendo aplicadas de forma naturalizada. Valores tidos como corretos 120 anos atrás na história, atualmente são percebidos como equívocos ou ingenuidades. Os valores mudam graças à dinamicidade da história e das construções humanas.
As 48 leis do poder foi outro livro que despertou a atenção para o tipo de ética que estamos vivendo no século XXI. Em 48 situações os autores nos chamam atenção para o tipo de comportamento que devemos estabelecer com as pessoas ao nosso redor, para tirar o máximo de proveito do esforço e do trabalho delas. É uma obra aética, um livro despojado de preocupações morais relevantes em relação ao outro, mas pleno da ética individualista que tanto foi moldada pelo capitalismo nos últimos dois séculos.

Basta um olhar superficial sobre a sociedade brasileira para podermos identificar o quanto estabelecemos destas práticas em nossa história e vivências. Velhas e tão conhecidas fórmulas como “Você sabe com quem está falando?”, ou a “carteirada” exemplificam um pouco dos paradigmas que vivemos. O Brasil é a nação do clientelismo, do nepotismo, dos pelegos e do famoso “jeitinho”, todos são demonstrações que nossa diversidade cultural espelha uma variedade de comportamentos não acertados que nos impedem o crescimento de uma cidadania mais plena e viável para o conjunto da população. Sofremos de uma moral defeituosa e esta necessita de uma mudança, que apenas pode ser consolidada com uma reflexão em torno de nossas dinâmicas sociais, o que pode propiciar uma interiorização de novos conceitos que privilegiem o “outro” antes do “eu”.
Quais tipos de leituras podemos fazer sobre o Brasil? Utilizando a ética como lente, toma-se a reflexão crítica como ponto de partida para uma análise da moralidade brasileira, em seguida, pensar os contextos mostra-se essencial para a tomada de decisões que deve ser efetuada. A reflexão ética requer problematizar os fundamentos que norteiam nossas ações. Serve ainda para questionar os valores componentes da moral. Que tipos de componentes fazem parte da moral que vivenciamos? A sociedade de consumo, o imediatismo nas relações que estabelecemos com os outros, os jogos de interesses, as máscaras que assumimos ao longo do dia, nosso pouco engajamento com as questões sócio-ambientais, tudo serve para a reflexão ética.
Leitura é tarefa difícil, pois exige a apreensão daquilo que é lido e a formulação de uma reflexão profunda acerca do que o texto nos tem para ensinar. O desafio é ler o Brasil levando em consideração a sua trajetória histórica, as suas matrizes formadoras e as instituições que foram criadas ao longo dos séculos. Ler a partir da ética para uma mudança de paradigma, que começa dentro de cada um e depois transforma a sociedade. Assim, devemos ler com compromisso o livro Brasil.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O papel da cruz


O homem é o único ser capaz de viver a experiência de simbolizar e construir representações em torno da realidade que o cerca. A religião e os sistemas de crenças são uma prova de ambas as capacidades humanas e refletem o valor dos signos dentro do processo de formação das sociedades. Segundo Azevedo (2002: 13): “A religião, desde a mais remota antiguidade, tem sido para o homem um conjunto de sistemas codificados da fé, da crença em uma instância e transcendente da materialidade, ligada à propensão e capacidade básica humana de simbolização”.
Assim, os símbolos fazem parte do pensamento religioso e carregam uma riqueza de significados que nos ajudam a entender a formação das crenças. Um exemplo é a simbologia da cruz. A cruz já era bastante difundida em vários sistemas de crenças. Desde o Egito antigo que o símbolo da cruz já era aceito como uma representação da vida divina e humana. Para os egípcios, a cruz ankh ou ansada também simbolizava a chave do conhecimento e comunicava a relação existente entre os dois elementos naturais: água e ar. Além dessas representações, a cruz ankh era associada aos ritos funerários e representava uma passagem segura para a vida pós-morte (MALLON, 2009, p.12).


No cristianismo, é a partir do apóstolo Paulo que a cruz ganha o sentido da ressurreição, simbolizando a redenção a partir da confirmação em nome de Jesus Cristo. Manfred Lurker (2003:176), afirma que na Síria está a origem do costume de colocar uma cruz de madeira no canto oriental dos cômodos simbolizando a chegada do Messias. Os primeiros padres da igreja atribuíram à cruz a representação da vitória sobre a morte e as trevas e assim permanece dentro do catolicismo. Mas a cruz só é de fato incorporada na cultura cristã após a abolição da punição da crucificação pelo imperador Teodósio Magno. Lurker afirma ainda que a partir do século XI a cruz é incorporada aos altares das igrejas e que assume características mágicas nas sociedades tradicionais.
No Rio Grande do Norte, o município de Venha Ver possui a tradição entre os moradores mais velhos do uso de um símbolo no qual eles depositam suas esperanças para que o mesmo aja como um escudo lhes protegendo de todo o mal, seja natural, como ventanias e tempestades ou de origem espiritual, como mau olhado. Este objeto se configura como uma cruz latina trançada a partir das palhas do coqueiro e de outras plantas encontradas facilmente na região como capim santo, flor de laranjeira e cidreira. Este “amuleto” é depositado na porta principal da casa para sinalizar proteção divina. (MENDES, 2004)
Em Venha Ver os ritos da Semana Santa são vivenciados de forma coletiva e suas práticas usuais são respeitadas e partilhadas pelas diferentes faixas etárias da população, apesar da presença de depoimentos descontentes com o afastamento voluntário dos ritos católicos, principalmente entre os jovens. Durante nossa estadia naquele município observamos diversas práticas relevantes da Semana Santa, tais como a confecção de uma cruz de palha no Domingo de Ramos (Mt 21:1-11), que é benta pelo padre local na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Retornando para casa, após a missa, as folhas e palhas abençoadas são entrelaçadas no formato de uma cruz latina que é fixada na porta de entrada (no caso, de Capim Santo), guardada para a realização de chás curativos. A população local credita diversos poderes a esta cruz de palha e confia que a mesma possa livrar a família e a casa de doenças, mau-olhado, ventos fortes e tempestades lhe atribuindo méritos e qualidades, já que a cruz seria portadora de energia benéfica e protetora. (MENDES, 2007).
Investigamos a associação entre a cruz de palha com a prática judaica de colocar um mezuzá (caixa contendo os trechos da shemá) na ombreira direita das portas, assumindo este objeto o papel de “amuleto” para o lar e a família que o habita, da mesma forma que o símbolo cristão no município de Venha Ver. Entretanto, através da etnografia, os dados e depoimentos coletados confirmaram a força da religiosidade católica na permanência dessa prática. Percorremos cinco comunidades do município e só fizemos a observação de cruzes latinas, não havendo registro de qualquer exemplar em forma de hexágono, o que confirma a nossa ideia de que a simbologia da cruz é hábito cristão, característico do catolicismo popular, o que afasta a hipótese de ser costume de origem judaica.
Referências bibliográficas:
AZEVEDO, Carlos do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2002.
LURKER, Manfred. Dicionário de simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MALLON, Brenda. Os símbolos místicos. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009.
MENDES, Andreia Regina Moura. Venha Ver a cruz de palha e seus poderes: uma referência ao mezuzá judaico? Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2004. Monografia apresentada na especialização em Antropologia Social-PPGAS.
MENDES, Andreia Regina Moura Mendes. Malhação do Judas: rito e identidade. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007. Dissertação apresentada ao mestrado em Antropologia Social- PPGAS.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Antropologia: uma chave para a compreensão do homem


Esse breve esboço apresenta um resumo sobre o tópico Antropologia: uma chave para compreensão do homem, escrito por Laplantine

Trabalhadores. Sebastião Salgado.



l  No final do século XVIII o homem tornou-se o objeto do conhecimento de um saber científico constituído na época do Iluminismo.
l  No século XIX a observação sobre homem se limitava ao “estudo das populações que não pertencem à civilização ocidental”.
l  Com o desenvolvimento das políticas colonialistas, os primeiros antropólogos estavam concentrados na investigação das chamadas sociedades simples ou primitivas.
l  O século XX exige da Antropologia o estudo do homem em sua totalidade e em todas as sociedades, ou seja “levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano”.
Principal área de atuação antropológica
·         Antropologia Social ou Cultural: diz respeito a tudo que constitui uma sociedade, seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas.
O estudo do homem em sua diversidade
·         A Antropologia é o estudo de todas as sociedades, inclusive a nossa.
·         Preocupa-se com as culturas da humanidade como um todo, em sua diversidade histórica e geográfica.
·         Necessidade do exercício do relativismo: “presos à uma única cultura somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa”.
·         O conhecimento antropológico de nossa cultura exige o conhecimento das outras culturas.
·         A unidade humana reside na sua aptidão quase infinita para inventar modos de vida e formas de organização social diversas, ou seja, a variação cultural.
·         O projeto antropológico consiste no conhecimento, reconhecimento e compreensão de uma humanidade plural.
“Eu sou mil possíveis em mim, mas não posso me resignar a querer apenas um deles”. Roger Bastide.

l  A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade com a humanidade, e correlativamente deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós mesmos.
l  O homem é capaz de estudar cientificamente o homem?
l  Antropologia Social: estudo das instituições.
l  Antropologia Cultural: estudo dos comportamentos.
l  Pluralidade irredutível das etnias ou unidade do gênero humano?
Urgências da Antropologia
l  Preservação dos patrimônios culturais locais ameaçados.
  Análise das mutações culturais
Referência bibliográfica:

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.

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